27 abr 2022

O Burnout e o Direito (Trabalhista e Previdenciário)

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Através de algumas perguntas e respostas, hoje vamos refletir um pouco sobre a interface da Síndrome de Burnout com o Direito, em especial o Direito do Trabalho e o Direito Previdenciário.

Primeira pergunta: do ponto de vista legal, a Síndrome de Burnout pode ser considerada uma doença ocupacional? A resposta é sim. Pela legislação brasileira, mais especificamente pelo Anexo II do Decreto 3.048, a Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional já é considerada como uma possível doença ocupacional desde 1999, ou seja, há mais de 20 anos.

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Segunda pergunta: o INSS pode reconhecer Burnout como uma doença ocupacional na hora de conceder um benefício? De novo, a resposta é sim. Isto porque o INSS obedece a legislação brasileira. Mas para que isso ocorra, o “perito do INSS” (perito médico federal) deve consentir, tanto com o diagnóstico, como com a incapacidade laboral provocada pelo Burnout, o que depende exclusivamente da análise que este profissional fará.

Terceira pergunta: um empregado pode processar judicialmente uma empresa alegando ter Burnout? Claro que sim e não é de hoje. Isso já ocorre há vários anos. São inúmeros os processos trabalhistas envolvendo a Síndrome de Burnout, inclusive, com centenas de empresas já tendo sido condenadas.

Quarta pergunta: do ponto de vista jurídico, o que mudou com a CID-11, a nova classificação de doenças proposta pela OMS (Organização Mundial de Saúde)? Diferente da nossa legislação, para a CID-11 a Síndrome de Burnout não é considerada uma doença, mas sim um fator que influencia o estado de saúde de um indivíduo, como também é, por exemplo, a baixa renda, a habitação inadequada e o desemprego.

No entanto, nessa nova classificação (a CID-11), o Burnout foi colocado num subcapítulo especificamente relacionado ao trabalho. Além disso, ela descreveu a Síndrome de Burnout como ligada diretamente ao contexto ocupacional, ou seja, sem nenhuma relação com experiências em outras áreas da vida do indivíduo.

E qual a maior repercussão jurídica disso? Na minha opinião, isso aumenta sim a possibilidade de responsabilização dos empregadores em casos envolvendo Burnout. E o raciocínio é simples: conforme vimos, para a CID-11 o trabalho é causa necessária para o Burnout, ou seja, a relação que existe entre o Burnout e o trabalho é de causalidade (e não de concausalidade). Para a CID-11, Burnout não acontece com desempregados, só o trabalho é capaz de causar Burnout em alguém.

Junta-se a isso o fato de que a qualificação da Síndrome de Burnout é majoritariamente feita, do ponto de vista técnico, através do uso de um questionário que o próprio trabalhador responde, o chamado MBI (Maslach Burnout Inventory). Esse questionário é aplicado em mais de 90% das pesquisas sobre Burnout no mundo e, usando-o conforme seus manuais explicativos oficiais, todos os trabalhadores que o responderem terão Burnout.

É isso mesmo que você leu! Esse questionário não tem critério de exclusão, ou seja, para ele 100% dos trabalhadores, não importa se estão bem ou mal, tristes ou felizes, todos têm Burnout, ainda que de forma leve.

E nesse contexto surge uma tese jurídica que certamente será bastante utilizada a partir de agora, que é a seguinte: se é necessariamente o trabalho que causa o Burnout e qualquer trabalhador, independente da empresa, pode ter Burnout, isso significa que esse risco passou a ser generalizado e, portanto, inerente a toda e qualquer atividade laboral. Sendo assim, a responsabilização de todos os empregadores, no que tange ao Burnout, deve ser objetiva, nos termos do artigo 927 do Código Civil.

E o que significa isso, pra quem não é profissional do Direito? Grosso modo, o que essa tese jurídica defenede é o seguinte: se o funcionário teve Burnout, que o empregador seja condenado por isso judicialmente, independentemente do tipo de empresa e do que este empregador tenha feito ou deixado de fazer para impedir essa situação.

Vamos continuar acompanhando as possíveis repercussões da inserção nominal da Síndrome de Burnout na CID-11.

Autor: Marcos Henrique Mendanha (Instagram: @professormendanha): Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito do Trabalho. Autor do livro “Limbo Previdenciário Trabalhista – Causas, Consequências e Soluções à Luz da Jurisprudência Comentada” (Editora JH Mizuno), e “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Coautor do livro “Desvendando o Burn-Out – Uma Análise Multidisciplinar da Síndrome do Esgotamento Profissional” (Editora LTr). Diretor e Professor da Faculdade CENBRAP. Mantenedor dos sites SaudeOcupacional.org e MedTV. Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas, e do Congresso Brasileiro de Psiquiatria Ocupacional. Diretor Técnico da ASMETRO – Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda (Goiânia/GO). Colunista da Revista PROTEÇÃO.

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Marcos Henrique Mendanha, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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