24 fev 2022

A demissão do trabalhador no limbo previdenciário e a insegurança jurídica

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O chamado “limbo” ocorre quando o Médico do Trabalho/Médico Examinador (comumente chamado de “Médico da Empresa”), após ter avaliado e qualificado determinado empregado como “inapto” para sua função, o encaminha para o serviço de Perícias Médicas da Previdência Social, sugerindo, mediante atestado médico (próprio e/ou do Médico Assistente do trabalhador), determinado lapso de tempo para respectivo tratamento e recuperação. Por sua vez, o “Perito do INSS” nega esse afastamento. Assim, o trabalhador ficará, ao mesmo tempo, sem o recebimento do salário e do benefício previdenciário, ou seja, ficará no “limbo”. Vale lembrar também que, nessas condições, o contrato de trabalho já está em plena vigência, ainda que o empregado esteja sem trabalhar e apenas à disposição do empregador. O tempo, nessa condição, deve ser remunerado como se o trabalhador estivesse trabalhando, conforme já exposto fartamente nos textos anteriores.

No último texto que escrevi sobre o tema, abordei os riscos jurídicos envolvidos na demissão de um trabalhador que se encontra no “limbo”. Um desses riscos, talvez o mais comum, seja a alegação futura, por parte do trabalhador demitido, de que foi vítima da chamada “dispensa discriminatória” em virtude de alguma doença e/ou restrição, ainda que isso não o tenha qualificado como incapaz ao trabalho. Caso se confirme essa hipótese judicialmente, é possível que o empregador seja condenado a reintegrar esse empregado e arcar com o tempo de salários não pagos; e/ou custear alguma possível indenização, nos termos da Lei n. 9.029/1995, art. 4o, incisos I e II.

Surge a pergunta: será possível demitir um trabalhador no “limbo”, com segurança jurídica e sem que isso se configure uma discriminação? Mesmo sem querer, o Judiciário acaba dando dicas de como proceder nesses casos para minimizar o risco. Vejamos o trecho de uma decisão judicial que considerou discriminatória a dispensa de um empregado que tinha uma doença, porém não estava incapaz ao trabalho:

“Os fatos demonstraram que a dispensa foi discriminatória, pois não houve sequer alegação da empresa de que foram despedidos outros empregados ou que a despedida do trabalhador decorreu de alguma justificativa econômica ou financeira.” (Processo: 0000467-07.2010.5.04.0611)

Percebam “a receita” dada pelo Judiciário aos empregadores nesse caso: em suma, demite-se o trabalhador alvo juntamente com outros (nunca ele sozinho) e fundamente isso com alguma justificativa de crise econômica ou financeira. Há julgados que mostram que tal prática pode ser realmente exitosa (processualmente falando) para as empresas. Vejamos:

“Um ex-empregado interpôs recurso alegando ter sido dispensado em razão de discriminação, por ter câncer de próstata. Na decisão, o TRT-RJ considerou que outros sete funcionários da empresa foram demitidos na mesma data que o trabalhador, afastando a tese da discriminação.” (fonte: site TRT 1a Região, 22/07/2019)

Por outro lado, existem magistrados que rechaçam tais argumentos e mantém o caráter discriminatório da demissão:

“Apesar de admitir que tinha conhecimento do estado de saúde do trabalhador, a empresa negou qualquer tipo de discriminação e alegou que ele foi dispensado juntamente com outros 49 empregados no período de 25 a 28 de janeiro de 2016, em decorrência da ‘grave e notória crise que assola o país’. (…) Ao analisar todas as provas dos autos, ele [o magistrado] entendeu que a empresa disfarçou com a ‘naturalidade da rotina empresarial’ o conteúdo discriminatório da dispensa do empregado recorrente.” (Processo: 0001205-28.2017.5.11.0005)

Tais casos evidenciam a pluralidade das decisões judiciais sobre o tema e dão musculatura à tese de insegurança jurídica vigente.

Colocando mais “pimenta” no tema, questiono: será possível demitir um trabalhador que goza de estabilidade e que, ao mesmo tempo, padece no “limbo”? É o que abordarei no próximo texto dessa série. Até lá!

Autor: Marcos Henrique Mendanha (Instagram: @professormendanha): Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito do Trabalho. Autor do livro “Limbo Previdenciário Trabalhista – Causas, Consequências e Soluções à Luz da Jurisprudência Comentada” (Editora JH Mizuno), e “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Coautor do livro “Desvendando o Burn-Out – Uma Análise Multidisciplinar da Síndrome do Esgotamento Profissional” (Editora LTr). Diretor e Professor da Faculdade CENBRAP. Mantenedor dos sites SaudeOcupacional.org e MedTV. Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas, e do Congresso Brasileiro de Psiquiatria Ocupacional. Diretor Técnico da ASMETRO – Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda (Goiânia/GO). Colunista da Revista PROTEÇÃO.

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Marcos Henrique Mendanha, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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