24 jun 2021

O repouso remunerado como estratégia de enfrentamento do limbo previdenciário

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Série “Limbo Previdenciário Trabalhista” – Texto 9

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No último texto que escrevi sobre o chamado limbo previdenciário-trabalhista e suas repercussões, explorei sobre a possibilidade de remanejar o trabalhador para função compatível temporariamente ou definitivamente (readaptação). Falamos sobre um dos riscos jurídicos decorrentes dessa medida: a alegação futura, por parte do trabalhador, de que houve “trabalho indigno” ou “ociosidade forçada” no exercício das atividades readaptadas.

Hoje, abordarei uma possibilidade a ser executada quando o remanejamento do trabalhador para uma outra atividade for impraticável: deixar o empregado em repouso fora do ambiente laboral (“deixar o trabalhador em casa”), mas não negar-lhe o pagamento dos salários até que reestabeleça a aptidão laboral.

Antes, lembro que o chamado limbo previdenciário trabalhista ocorre quando o Médico do Trabalho/Médico Examinador (comumente chamado de “Médico da Empresa”), após ter avaliado e qualificado determinado empregado como “inapto” para sua função, o encaminha para o serviço de Perícias Médicas da Previdência Social, sugerindo, mediante atestado médico (próprio e/ou do Médico Assistente do trabalhador), determinado lapso de tempo para respectivo tratamento e recuperação. Por sua vez, o “Perito do INSS” nega esse afastamento. Assim, o trabalhador ficará, ao mesmo tempo, sem o recebimento do salário e do benefício previdenciário, ou seja, ficará no “limbo”. Vale lembrar também que, nessas condições, o contrato de trabalho já está em plena vigência, ainda que o empregado esteja sem trabalhar e apenas à disposição do empregador. O tempo, nessa condição, deve ser remunerado como se o trabalhador estivesse trabalhando, conforme já exposto fartamente nos textos anteriores.

Num contexto de “limbo”, a possibilidade de realizar a readaptação do trabalhador deve ser considerada. Não havendo essa possibilidade, passa a ser uma opção interessante deixa-lo em repouso fora do ambiente laboral (“deixar o trabalhador em casa”), mas não negar-lhe o pagamento dos salários até que reestabeleça a aptidão laboral.

Nesse sentido veio o jugado a seguir:

“Conforme bem observado na sentença, ao empregador resta restituir o empregado às funções pagando-lhe os dias não trabalhados, ou optar pela remuneração sem a prestação de serviços até quando entender que a incapacidade do empregado tenha cessado. O que não se permite é mantê-lo no denominado ‘limbo previdenciário’, sem benefício e sem salários.” (Processo: RO 1000815-24.2018.5.02.0048)

Alguns empregadores repelem a ideia de deixar o trabalhador “em casa” (em repouso), mas não negar-lhe o pagamento dos salários. O receio é de que isso gere uma cultura negativa entre alguns empregados, disseminando a ideia de que a empresa “sempre paga” os dias de afastamento propostos por atestados médicos, ainda que o INSS não conceda o respectivo benefício. Faz sentido.

No entanto, o importante é frisar mais uma vez que, nesse momento, o empregador não está mais escolhendo entre “o bom e o excelente”, mas sim entre o “ruim e o péssimo”. Exemplificando: talvez fosse ruim deixar o trabalhador “em casa” (em repouso) e recebendo seu salário normalmente; mas poderia ser péssimo mantê-lo numa função de risco de agravamento de doença e/ou acidentes, caso a empresa não dispusesse de um posto de trabalho inócuo (não nocivo) à saúde do trabalhador.

Em última análise, os caminhos possíveis para resolução dos casos de “limbo” passam por uma inevitável espécie de “política de redução de danos”. Todos os caminhos possuem riscos. Os stakeholders então, de forma conjunta, racional e calculada, nunca abrindo mão do princípio da boa-fé objetiva (estampado no art. 422 do Código Civil), optarão pela opção que, em tese, apresentará o menor risco/maior benefício para todos os atores envolvidos.

No próximo texto dessa série, abordarei aquela que, na minha opinião, é a mais drástica forma (e suas consequências) de enfrentamento do “limbo”: a demissão do trabalhador. Até lá!

Autor: Marcos Henrique Mendanha (Instagram: @professormendanha): Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito do Trabalho. Autor do livro “Limbo Previdenciário Trabalhista – Causas, Consequências e Soluções à Luz da Jurisprudência Comentada” (Editora JH Mizuno), e “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Coautor do livro “Desvendando o Burn-Out – Uma Análise Multidisciplinar da Síndrome do Esgotamento Profissional” (Editora LTr). Diretor e Professor da Faculdade CENBRAP. Mantenedor dos sites SaudeOcupacional.org e MedTV. Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas, e do Congresso Brasileiro de Psiquiatria Ocupacional. Diretor Técnico da ASMETRO – Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda (Goiânia/GO). Colunista da Revista PROTEÇÃO.

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Marcos Henrique Mendanha, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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