23 fev 2016

Não discriminação da presunção: um tema que devemos abordar

postado em: Coluna do Cenci

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Se o TST diz, “Todavia, a comunicação feita por terceiros não gera a presunção relativa de veracidade quanto à ocorrência do acidente, ao contrário do que acontece quando o documento é preenchido pelo empregador ” (processo RR-82500-46.2009.5.05.0131), então, o ASO (que é atestado médico que o CFM declara ter presunção de veracidade…), LTCAT e outros documentos de saúde e segurança no trabalho, emitidos pelo empregador também deveriam ter o mesmo tratamento pelos Magistrados, o da presunção de veracidade na análise de casos na Justiça do Trabalho.

Nos encaminhamentos de admissão (demissão também), muito se diz às instituições ou empresas, públicas ou privadas, entretanto, não podemos afastar que há nessa sistemática, atos médicos próprios sujeitos a devida ação técnica. Aliás, esses são obrigatórios por lei. Sendo certo que de responsabilidade os efeitos dessa ação técnica a quem os contrata para obter pareceres, também, não é menos certo que tais ações pelos médicos, quando for o caso, têm seus limites de efeito por envolver, exatamente, ato técnico específico, que não é exato, que devem (deveriam) gozar da presunção de veracidade.

Por vezes notamos que Magistrados, assim não ponderam. Pior, tendem ao contrário. Vemos também que se surpreendem quando conclusões de peritos, assistentes ou médicos do trabalho, sobre o mesmo tema, são opostas.

Alguns Magistrados expressam suas dúvidas em atos jurídicos dizendo “se são laudos técnicos, não podem variar, então adoto o do perito”. Penso que cabe perguntar, porque não o do médico do trabalho da empresa, já que dele se deduz presunção de veracidade e fez seus pareceres fora da lide?

Data vênia, quiçá a ciência médica fosse exata nesse ponto de necessidade de alguns Magistrados. Mesmo diante da mais moderna doutrina científica, não é, e é essa peculiaridade que traz à Medicina, aspectos denominados como lex artis. Sem qualquer constrangimento, posso afirmar que já participei de inúmeras perícias, como perito e como assistente, em que a convicção técnica por mim adotada, não era absoluta, mas sim relativa, porém não presumida, ou seja, não empírica. Destarte, exceto em poucos casos (raríssimos), não pude encontrar meios para não demandar veracidade em ASOs, LTCAT etc., embora tenha encontrado outros fundamentos, sem presumir, para caracterizar nexo, etc.

Diante disso, parece ficar dificultado ao Magistrado entender qual seria a verdade técnica, e posso mais uma vez afirmar que em muitos casos, não por desqualificação ou má fé do perito, assistente ou do médico do trabalho, até pelo contrário, por serem doutos e com maior conhecimento para fundamentar com base numa ou noutra doutrina o que irão expressar, não se encontrará verdade absoluta.

Então, o que fazer?

Com humildade e respeito, em questões técnicas, ademais se o que se quer obter é prova técnica, presumir é um grave risco. Suspeitar é lícito, ora é a própria base da ciência, todavia, presumir, é mero empirismo, que pode vir rico em parcialidade.

Por não estar diante de um caso concreto ou sala de aula, ouso sugerir que os Magistrados não devem adotar nem o que fala o vosso perito, nem o que falam os assistentes ou médicos do trabalhos, pois, dos pareceres decorrente do trabalho de todos, se presume veracidade. Essa autoridade deve sim observar atentamente o que todos apresentam em seus pareceres, e, mesmo não sendo médico ou técnico, adotar aquilo que se mostra convincente e ajustado à causa de decidir, não precisando adotar qualquer deles, fugindo da facilidade de fundamentar pela simples alegação da presunção da veracidade somente da do perito.

Olhando como técnico, somente ao ler algumas sentenças, aquelas que adotaram o que mais bem apresentaram nas suas peças o perito, o assistente e o médico do trabalho, a verdade técnica pôde ser reconstituída fincando vasta possibilidade da persuasão racional do juízo, o que não quer dizer que será do mesmo modo para a ciência médica – verdade absoluta!

Então, se diante de gravidez, AIDS etc., é necessário que médicos adotem atos técnicos que podem suscitar, não somente ao leigo, mas também naqueles que lidam no campo médico, sim, as vezes sim. Notemos: – suscitar, pelo dicionário Houaiss é apenas o “fazer surgir ou trazer (algo) à mente”, o que é muito bom, já que traz alerta para atos de cuidado. Porém, se todo cuidado é pouco, atenção se deve ter pelo que vem intuitivamente à mente, pois, isso pode estar muito longe da base com a que se fundamentou uma determinada conduta ou ato.

Assim vejamos que por ocasião da admissão (ou demissão) de uma pessoa do sexo feminino, que se exige início imediato ao trabalho que implica, mesmo com proteção, exposição a Raio-X, por exemplo, ou uma mulher que está sendo admitida para ser Técnica de Raio-X, no exame admissional é discriminação saber se está grávida? É discriminação questionar sobre data da última menstruação?

Convido-os a ponderar.

Então vejamos: – Se por ocasião da fase de admissão, por orientação do seu departamento médico às instituições ou empresas, públicas ou privadas, incluíssem no rol dos critérios necessários a serem pesquisados sobre a saúde desse candidato, antes mesmo de saber quem serão, enfatizando às citações da OIT, especificando as motivações da necessidade para realizar certos exames e por qual motivo a positividade ou negatividade seria critério específico de inaptidão para a função que carrega o inerente risco ao ser ocupada, penso que poderá, inclusive, especificar que não é inaptidão ao labor, mas inaptidão para a função específica, sem tangenciar discriminação. Portanto, na fase consolidada em que se encontra a Justiça Especializada, o uso da presunção deve ser substituído por fundamentação diante da demonstração fática, pois, penso que é o que exige no novo CPC:

Art. 371 “O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento”.

Sabendo que a boa fumaça do direito, segura o fiel da balança bem centralizado, sem empirismos e presunções, tal exigência do juízo vem em boa hora.

Autor: Dr. Rubens Cenci Motta (SP) – Médico – Especialista pela Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina em Medicina Legal e Perícia Médica, Clínica Médica, Hemoterapia e Medicina do Tráfego. Certificado pela Associação Médica Brasileira e SBPM na Área de Atuação Categoria Especial em Perícias Médicas. Certificado pelo Conselho Federal de Medicina na Área de Atuação de Medicina de Urgência. Especialista em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito. Habilitação para ensino no Magistério Superior (classe A). Professor e Supervisor de Práticas Profissionais do Curso de Pós-graduação em Perícias Médicas e Medicina do Trabalho da Universidade Camilo Castelo Branco — Unicastelo. Coordenador do Curso de Pós-graduação em Perícia Médica com ênfase em Atuação e Métodos — Unicastelo. Coordenador do Curso de Pós-graduação em Readaptação e Reabilitação Profissional — Universidade Camilo Castelo Branco — Unicastelo. Perito Oficial Prefeitura do Município de Piracicaba; Perito Judicial junto ao TRT 15ª Região – Campinas, SP; Perito Judicial junto ao TRF; Perito Judicial TJ-SP. Assistente Técnico de várias bancas advocatícias e empresas públicas e privadas. Palestrante e Consultor Técnico de diversas empresas e instituições, públicas e privadas, na área de Gestão Médico-Administrativa de RH, Médico Legal, Perícia Médica, Qualidade de Vida, Reabilitação Profissional, Hospitalar, Saúde e Segurança. Autor dos livros “Crônicas em Perícias Médicas, DORT & Reabilitação Profissional” — Editora LTr, 1ª ed., 2011 — 2ª ed., 2012 – 3ª ed., 2014; “Conceitos Básicos de Perícia Médica”. Editora Átomo, 2012; “Manual de Iniciação em Perícias Médicas”. Editora LTr, 1ª ed., 2013 – 2ª ed. 2014. Articulista da Editora LTr — Revista de Previdência Social e Suplemento Trabalhista. Prêmio Nacional de Reabilitação Profissional — CBSSI-OISS — 1º Lugar — 2009. Autor do Trabalho Científico “Ergonomia Cognitiva: promovendo qualidade de vida no trabalho a partir de método diagnóstico participativo”, aprovado e apresentado no 4º Congresso Brasileiro de Perícia Médica Previdenciária, 2.013 – Recife, PE e no 2º Congresso Brasileiro de Medicina Legal e Perícias Médicas, 2014 – Florianópolis, SC. Secretário Municipal de Saúde da Prefeitura do Município de Piracicaba. Disciplinou Setor de Vigilância Sanitária e criou Equipe de Vigilância em Atividade de Trabalho, definindo suas competências – Lei 069/96 – Decreto 7401/96 – 1996. Disciplinou as atividades do Ambulatório de Saúde do Trabalhador com equipe multidisciplinar – Decreto 7509 – 1997.

O Dr. Rubens Cenci escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Cenci”.

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