28 mar 2016

Da série: “O que os peritos não devem fazer”

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Título do artigo: “É preciso cuidado para não converter o senso comum (do juiz ou do perito) em senso jurídico” (José Ernesto Manzi, Desembargador do TRT-SC)

O título do artigo não poderia ser outro, pois, recentemente estudando um laudo pericial médico, me deparei com a seguinte conclusão: “Trata-se de doença multifatorial, degenerativa, sem causa com o trabalho, associada ao labor anterior, cuja função atual, por exigir mobilidade da coluna, pode ser considerada como concausa”. (grifei)

Pergunto: – Essa conclusão esclareceu tecnicamente?

Respondo: – Do ponto de vista médico, não! Ademais, sem conhecer e visitar o “emprego anterior”, que não foi Objeto ou parte da avaliação determinada, sequer deveria tê-lo considerado.

Vejamos que, no caso concreto, o fator original da demanda da avaliação pericial médica, desejava saber se o trabalho realizado na empresa processada foi ou não foi causa ou concausa dos males do trabalhador. A conclusão dada pelo perito médico, no meu entender, nada esclareceu quanto ao que ocorreu na empresa processada, pelo contrário, lançou dúvidas e contradições. Ora, a simples mobilidade da coluna pode ser o fator crítico?

O papel do perito, como técnico, é o de ajudar o magistrado, objetivamente, e não lhe cabe afirmar que “pode ser”, sem demonstrar como foi.

No caso, penso que a resposta imprecisa, surgiu da aplicação simplista da correlação com a existência do risco – probabilidade – tanto que fez citações a “empresa anterior”.

Claro que diante de certos riscos, há a possibilidade do evento, todavia, é só POSSIBILIDADE.

O perito médico, pelo visium et repertum – ver e registrar, não deve indicar o que pode ou não pode, mas sim demonstrar se foi e, então, como foi, ou, se não foi e, então, como não foi.

Parece simples, porém, suscitar o nexo de forma imprecisa, mais confunde que esclarece. Se isso afeta os doutos magistrado e procuradores das partes, quem dirá aos trabalhadores. Isso até atrapalha na condução das suas terapêuticas, já que esses, muitas vezes, associam uma questão jurídica, como fator etiológico às suas patologias, o que não se corresponde.

Tentando melhorar a forma de expressão dada no caso, pergunto: – Não ficaria claro ao magistrado e as partes para se dirimir os fatos controvertidos se a conclusão fosse assim apresentada:

A – para o caso objetivo da ausência de fatores quantitativos: “Trata-se de doença multifatorial, degenerativa, sem causa com o trabalho, cuja função atual, por exigir mobilidade da coluna, poderia ser considerada como concausa, todavia, pelo visum et repertum, não se constatou objetivamente elementos para afirmar que isso ocorreu”;

ou

B – para o caso objetivo da presença de fatores quantitativos: “Trata-se de doença multifatorial, degenerativa, sem causa com o trabalho, cuja função atual, por exigir recorrente mobilidade da coluna, com movimentos de regularidade repetitiva e com amplitude além da possibilitada para a condição conhecida de saúde do trabalhador, considera-se como concausa pelo visum et repertum, já que o evento ocupacional foi majoritário diante de outras exigências posturais do cotidiano”?

O parecer original dado, pelo que entendo, se serviu, só serviu para remeter ao entendimento de que o perito não prospectou objetivamente, já que deixou questões de materialidade, dinâmica, quantificação etc., de lado. Tal fundamentação seria essencial na citação conclusiva, para se entender como conclui o perito.

O senso comum, simplista, de associar grau de risco como agente de causa ou concausa, lamentavelmente muito utilizado por “peritos”, que inadvertidamente são aceitos em tribunais, não se prestar como forma regular de atuação dos técnicos.

Março de 2.016, Rubens Cenci Motta.

Autor: Dr. Rubens Cenci Motta (SP) – Médico – Especialista pela Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina em Medicina Legal e Perícia Médica, Clínica Médica, Hemoterapia e Medicina do Tráfego. Certificado pela Associação Médica Brasileira e SBPM na Área de Atuação Categoria Especial em Perícias Médicas. Certificado pelo Conselho Federal de Medicina na Área de Atuação de Medicina de Urgência. Especialista em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito. Habilitação para ensino no Magistério Superior (classe A). Professor e Supervisor de Práticas Profissionais do Curso de Pós-graduação em Perícias Médicas e Medicina do Trabalho da Universidade Camilo Castelo Branco — Unicastelo. Coordenador do Curso de Pós-graduação em Perícia Médica com ênfase em Atuação e Métodos — Unicastelo. Coordenador do Curso de Pós-graduação em Readaptação e Reabilitação Profissional — Universidade Camilo Castelo Branco — Unicastelo. Perito Oficial Prefeitura do Município de Piracicaba; Perito Judicial junto ao TRT 15ª Região – Campinas, SP; Perito Judicial junto ao TRF; Perito Judicial TJ-SP. Assistente Técnico de várias bancas advocatícias e empresas públicas e privadas. Palestrante e Consultor Técnico de diversas empresas e instituições, públicas e privadas, na área de Gestão Médico-Administrativa de RH, Médico Legal, Perícia Médica, Qualidade de Vida, Reabilitação Profissional, Hospitalar, Saúde e Segurança. Autor dos livros “Crônicas em Perícias Médicas, DORT & Reabilitação Profissional” — Editora LTr, 1ª ed., 2011 — 2ª ed., 2012 – 3ª ed., 2014; “Conceitos Básicos de Perícia Médica”. Editora Átomo, 2012; “Manual de Iniciação em Perícias Médicas”. Editora LTr, 1ª ed., 2013 – 2ª ed. 2014. Articulista da Editora LTr — Revista de Previdência Social e Suplemento Trabalhista. Prêmio Nacional de Reabilitação Profissional — CBSSI-OISS — 1º Lugar — 2009. Autor do Trabalho Científico “Ergonomia Cognitiva: promovendo qualidade de vida no trabalho a partir de método diagnóstico participativo”, aprovado e apresentado no 4º Congresso Brasileiro de Perícia Médica Previdenciária, 2.013 – Recife, PE e no 2º Congresso Brasileiro de Medicina Legal e Perícias Médicas, 2014 – Florianópolis, SC. Secretário Municipal de Saúde da Prefeitura do Município de Piracicaba. Disciplinou Setor de Vigilância Sanitária e criou Equipe de Vigilância em Atividade de Trabalho, definindo suas competências – Lei 069/96 – Decreto 7401/96 – 1996. Disciplinou as atividades do Ambulatório de Saúde do Trabalhador com equipe multidisciplinar – Decreto 7509 – 1997.

O Dr. Rubens Cenci escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Cenci”.

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