19 jan 2020

Os contratos de trabalho pessoa jurídica x pessoa jurídica – MEI

postado em: Direito Sem categoria

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Após a promulgação e entrada em vigor da Reforma Trabalhista, muitas empresas passaram a contratar pessoas físicas para prestar serviços como pessoas jurídicas, com a sombra de sensação de que tal contratação seria possível, ante a liberdade que a nova legislação conferiu às contratações.

De praxe, ou na maioria dos casos, as empresas solicitam abertura de Microempresa Individual (MEI) que permite apenas um sócio, com pagamento de uma cota de imposto fixa mensal, mediante apresentação de Nota Fiscal de Serviços Eletrônica mensalmente para a percepção do pagamento.

Ainda, vemos que a maioria desses contratos são realizados com profissionais de tecnologia da informação, instrutores de academia, manicures e pedicures, esteticistas, fisioterapeutas, e etc.

Ocorre, que a legislação do MEI não permite a criação da empresa individual para o exercício de atividade autônoma de atividades intelectuais: contadores, advogados, engenheiros, professores, fisioterapeutas, médicos, representantes comerciais, corretores de imóveis, dentre outros.

O fato, é que a suposta ausência de responsabilidade com INSS, FGTS, 13º, Férias e 1/3 atraem empresários para essa modalidade, e esses empresários acabam contratando sob esse regime.

Mas: ‘ué, ele não aceitou?

Sabia desde o começo que erra dessa forma a contratação!’

Isso a gente ouve bastante. No entanto, em um país com mais de 12,6 milhões de desempregados em 2019 segundo o IBGE, muitos já com idade avançada para o mercado, bem como a concorrência em diversos setores, por que não aceitariam?

Deixa eu te contar uma coisa: o direito do trabalho conta com o Princípio da Primazia da Realidade, que permite a desconstituição de elementos formais em vistas à proteção do trabalhador hipossuficiente (enfraquecido em relação à massa empresarial).

Legalmente falando, tais contratos são nulos de pleno direito, isso é: como se nunca houvessem existido e o vínculo de emprego (na maioria dos casos) é reconhecido.

Como assim na ‘maioria dos casos’? Bom, para que seja considerado vínculo de emprego, temos, nos termos do art. 3º da CLT 4 requisitos cumulativos:

Art. 3º CLT – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único – Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.

Ora, mas vamos lá: primeiro, não é empregado pois é PJ; segundo: não recebe salário, pois emite nota fiscal, não deduz INSS, e etc.

Bom, para o reconhecimento do vínculo, temos que pensar: trabalha apenas para essa empresa? Vai todos os dias ou presta serviços para ela todos os dias? Responde a alguém, ou seja, é subordinado? Recebe o pagamento em datas predeterminadas?

Todas as respostas afirmativas por si configuram a relação de emprego.

Vejamos o posicionamento do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo:

VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CRIAÇÃO DE MICROEMPRESA UNICAMENTE COMO MEIO DE CONTRATAÇÃO. PEJOTIZAÇÃO. FRAUDE. Observase de todo contexto probatório produzido nos autos que presentes todos os requisitos da contratação empregatícia, inclusive existente na contratação a alteridade, pois a autora realizava atividades para a empresa ré e não para si em sistema de autonomia de projetos. Os trabalhos realizados já eram pré-estabelecidos e impostos, no ambiente pré-determinado pela reclamada, com efetivo controle de jornada. Mostra-se evidenciada a PEJOTIZAÇÃO do contrato de emprego, figura que a doutrina e a jurisprudência classificam como a forma pela qual as empresas têm adotado para fraudar as relações de emprego, forçando a parte mais frágil da relação a criar Pessoa Jurídica ou dela participar, como condição da formalização do contrato de trabalho. In casu, a autora formalizou microempresa dois dias antes da contratação, seguindo-se do início da contratação até o seu término, e não prestou serviços a qualquer outra empresa em todo o interregno. Emerge, portanto, a nulidade da alegada contratação civil, nos termos do artigo 9º da CLT, sendo de rigor a r. sentença a quo para reconhecer o vínculo de emprego diretamente com a reclamada. Recurso da reclamante provido. (TRT-2 10008375220175020716 SP, Relator: CELSO RICARDO PEEL FURTADO DE OLIVEIRA, 8ª Turma – Cadeira 4, Data de Publicação: 19/09/2019)
Outro ponto que traz prova forte no processo é a sequência de notas fiscais emitidas para o mesmo empregador, todos os meses.

Ainda, existem empresas que fornecem vale refeição, vale transporte, ticket alimentação, PLR, algumas até pagam férias e 13º salário.

Mas ok. Reconhecido o vínculo, o que acontece?

Pois bem. Reconhecido o vínculo, o empregado tem direito à percepção de todas as verbas que não recorreu dos últimos 5 anos, desde que procure a justiça em até 2 anos após a dispensa.

Ainda, devem ser recolhidos os depósitos de FGTS e se tiver sido dispensado pela empresa a multa de 40%, além de seguro desemprego.

Além disso é possível cobrar da empresa todas as despesas com abertura da MEI, impostos, despesas com contador (se houver – pois tem empresas que cobram um valor simbólico para que a própria contabilidade tome conta das MEI’s de todo o efetivo). Vejamos:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. DEVOLUÇÃO DE DESPESAS COM A CONSTITUIÇÃO E MANUTENÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. “PEJOTIZAÇÃO”. ATO ILÍCITO. (…). (…). Na hipótese, infere-se que o Regional, na decisão recorrida, embora tenha reconhecido que a contratação da reclamante condicionada à constituição de pessoa jurídica constituiu fraude às normas trabalhistas e tenha mantido a declaração de existência de relação de emprego com o primeiro reclamado, Bradesco Vida Previdência S.A., entendeu que essa condição exigida à reclamante não configurou ato ilícito nem exercício abusivo do direito, motivo pelo qual indeferiu o pagamento da indenização por danos materiais. Contudo, evidenciada a fraude à aplicação das normas trabalhistas, é nula, de pleno direito, a forma de contratação formalizada pelas partes, por se tratar de prática ilegal e ilícita, nos termos dos artigos 9º da CLT e 187 do CCB. Por outro lado, para que haja a condenação dos reclamados ao pagamento de indenização por danos materiais, decorrentes da constituição e manutenção da pessoa jurídica, é imprescindível a comprovação dos prejuízos patrimoniais alegados pela reclamante, nos termos do artigo 333, I, do CPC, visto que os danos materiais, ao contrário dos danos morais, não são presumíveis. No caso dos autos, o Tribunal Regional não se pronunciou sobre a existência ou não de comprovação nos autos dos valores gastos com a abertura, manutenção e encerramento da pessoa jurídica, visto que entendeu ser indevido o pagamento dos danos materiais, por não estar configurado ato ilícito do reclamado, o que não subsiste, conforme ora fundamentado. (…) (TST , Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 06/05/2015, 2ª Turma).
E mais:

CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. EXIGÊNCIA DO EMPREGADOR. BURLA À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL. RESSARCIMENTO DE DESPESAS. A exigência de constituição de pessoa jurídica para fins de contratação dos serviços da obreira, esquivando-se o real empregador dos encargos trabalhistas, GERA A OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO MATERIAL CORRESPONDENTE ÀS DESPESAS EMPREENDIDAS COM A ABERTURA E MANUTENÇÃO DA EMPRESA, ESPECIALMENTE QUANDO O VÍNCULO EMPREGATÍCIO JÁ FOI RECONHECIDO POR DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO, NOS AUTOS DE RECLAMAÇÃO TRABALHISTA QUE PRECEDEU A ESTA”(TRT-22 – RO: 1195200600422004 PI 01195- 2006-004-22-00-4, Relator: MANOEL EDILSON CARDOSO, Data de Julgamento: 29/04/2008, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJT/PI, Página 05, 9/5/2008) – destacado.
Dessa forma, em que pese uma sensação de economia para as empresas, há de se observar que o reconhecimento de vínculo de emprego pode gerar um alto valor de condenação no futuro.

Existem hipóteses em que profissionais podem ser contratados para prestar serviços, sem que haja o reconhecimento de vínculo, hipóteses essas que não contrariem a CLT e a Legislação do MEI.

Em breve publicaremos artigo sobre rescisão indireta do contrato de trabalho por Microempreendedor Individual.

Takahashi & Lamonica Advogados – Av Queiroz Filho, 1700 – Torre B – CJ 1.011 – Vila Hamburguesa – São Paulo/SP. (11) 3405-3428 (WhatsApp) contato@teladv.com.br

Artigo escrito por: José Ricardo Lamonica Júnior.

O Autor é graduado em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU/SP (2013). Advogado Sócio Fundador do Takahashi & Lamonica Advogados. Pós graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, com habilitação para o Magistério Superior pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus – FDDJ (2016). Professor Tutor na Área Trabalhista do Complexo Educacional Damásio de Jesus (SP) no curso preparatório para a Segunda Fase do Exame Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, área trabalhista (2014 a 2019) Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho no Educajus Cursos (2018 a atual). Palestrante. Professor Universitário. Sites: http://www.teladv.com.br http://www.facebook.com/profricardolamonica http://www.educajus.com.br Twitter/ Instagram: @ricardolamonica (11) 3405-3428 (WhatsApp)

 

Fonte: Justbrasil.com.br

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