13 maio 2018

O Direito do Trabalho e as redes sociais

postado em: Direito do Trabalho

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Lançada dia 20 de abril, pelo Projeto Leis&Letras da Escola Judicial do TRT-MG, a obra “A Reconfiguração do Direito do Trabalho a partir das redes sociais digitais”, de autoria do juiz Geraldo Magela Melo, se propõe a isso mesmo que o título sugere: alavancar uma revolução no modo de pensar o Direito do Trabalho (DT). Revolução essa que levará à sua inevitável inserção na era digital, marcada pela explosão das redes sociais, a nova forma de comunicação da sociedade moderna.

O juiz Geraldo Magela Melo é também professor universitário, mestre em Direito do Trabalho pela PUC-MG e doutor em Direito pela UFMG. “A obra aborda as principais repercussões das redes sociais no mundo do trabalho, provocando a reconfiguração do direito material e processual do trabalho, que passam a assumir feição virtual”, pontuou a diretora da Escola Judicial desembargadora Lucilde D’Ajuda Lyra de Almeida, ao apresentar o autor da obra em lançamento, destacando alguns dos temas abordados, como o direito constitucional do ciberespaço e os reflexos da hiperatividade digital no Poder Judiciário Trabalhista, à luz do marco civil da internet.

Além do autor, fizeram palestras na tarde de lançamento o desembargador aposentado e professor da UFMG Antônio Álvares da Silva e o desembargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior. Nesta Notícia Jurídica Especial, você acompanha um pouco do teor dessas três palestras, que abordaram questões cruciais para o Direito na era das redes sociais. Acompanhe:

“O direito do trabalho precisa deixar de ser analógico para ser digital”. (Juiz Geraldo Magela Melo)

A palestra do juiz Geraldo Magela Melo teve como foco central, justamente, a forma como as redes sociais impactam as relações sociais – das quais a relação de emprego ou de trabalho são, na visão do autor, uma espécie – afetando, em consequência, o próprio Direito do Trabalho. Para o autor da obra “A Reconfiguração do Direito do Trabalho a partir das redes sociais digitais”, como essas redes se tornaram a nova forma de comunicação do mundo contemporâneo, o direito e o processo do trabalho passam, necessariamente, por esse reflexo. Portanto, conclui, “precisam deixar de ser analógicos para serem digitais”. E exemplifica questionando há quantos anos ficou para trás a época da carta convite do rito sumaríssimo, que tinha de ser rubricada, assinada e carimbada, frente e verso! “Hoje a comunicação é pelas redes sociais, convites a testemunhas são enviados por WhatsApp e até audiências são realizadas por meio desses aplicativos. É a forma de comunicação do mundo digital”, entusiasma-se, advertindo que o direito regula os fatos, mas está sempre correndo atrás deles, ou seja, sempre atrasado em relação à prática, que hoje é digitalizada e acelerada.

Perigos da rede – De acordo com o palestrante, redes sociais nada mais são do que softwares ou sistemas de computador. O grande diferencial, e o que as tornam o maior fenômeno da internet, é que elas estabelecem relacionamentos entre pessoas no ciberespaço, ou espaço virtual “povoado”, como definiu. Ele alerta, no entanto, para os perigos a que se submete o cidadão ao se expor nas redes sociais, que se apoderam dos seus dados e controlam sua vida. Somos hoje três bilhões de usuários de redes sociais, sendo que só o Facebook controla mais de 2 bilhões e 200 milhões de perfis de usuários. Daí o poderio econômico das redes e o impacto que provocam nas relações sociais ao redor do mundo, hoje absolutamente interconectado. Para demonstrar o grande poder de interferência das redes em processos importantes, o autor cita os conhecidos episódios de interferência do Facebook na decisão do Brexit e na eleição de Donald Trump.

Magela chama a atenção para o fato de que as redes, como hoje se configuram, destroem a ideia de barreira física, afetando conceitos jurídicos clássicos, como os de jurisdição e competência. “Se alguém que está na Rússia fala mal do presidente do Brasil, por meio de rede que tem sede nos EUA, quem vai julgar isso?”, questiona, levantando situações vividas no cotidiano da Justiça do Trabalho, que também sofrem esses efeitos. Por exemplo, se um trabalhador foi contratado em Contagem, mas postou algo contra o empregador em Uberlândia, de quem será a competência? “Isso reconfigura totalmente as relações no mundo do trabalho e do direito”, pontua.

Caiu na rede… – Sobre os perfis nas redes sociais, o autor alerta que há uma autoexposição excessiva da pessoa que, ao postar todas as suas opiniões, conflitos, relacionamentos, etc., torna-se alvo fácil de uma série de interesses que permeiam a rede. Inclusive do controle do empregador. E há aí um complicador para a atuação do direito, já que o próprio titular do direito à intimidade se autoexpõe.

Mas, como tudo na vida tem dois lados, é fato que a rede possibilita uma dinâmica de relação social muito maior, ao interagirmos com centenas, ou até milhares de pessoas, ao redor do mundo, compartilhando opiniões e sentimentos, fatos e fotos, vídeos e preferências com quem está longe ou perto. É, sem dúvida, um novo modo de viver, segundo expõe o palestrante, dividindo a história da humanidade em períodos pré e pós redes sociais.

Esse fenômeno, por seu turno, gera um outro fenômeno, que é a hiperatividade judicial. Isto é, essa imediatidade e velocidade da comunicação nas redes, adicionada à multiplicidade de relacionamentos e ideias em debate, acabam catalisando conflitos, os quais, por sua vez, geram lides que vão parar na Justiça. Até porque, os conflitos pessoais são maximizados pela rede, já que não se trata mais de uma discussão privada entre duas pessoas, mas de uma pendenga pública, exposta à visão das redes de relacionamento de ambas as partes. Daí o assoberbamento da Justiça brasileira atual, que chega perto do inacreditável montante de 100 milhões de processos em tramitação! E, como os comentários viram processos, conta o juiz que no PJe, todos os dias, as partes querem juntar vídeos e áudios das redes sociais. “Nós, aplicadores do direito, temos de pensar no impacto de tudo isso na Justiça”, frisa.

Embora pretensamente gratuitas, o palestrante alerta que paga-se um preço ao se usar as redes sociais, já que elas se apoderam de todos os nossos dados… e faturam enormemente com isso. Por vezes não vemos, entre as letras miúdas dos termos de uso do Instagram, que, ao assinar o serviço, estamos doando a essa rede social os direitos sobre todas as fotos que publicamos.

O efeito de um dos requisitos da rede, a imediatidade, também foi tratado pelo palestrante. Hoje o acesso a toda informação é muito rápido (“Não se espera nem o Jornal Nacional”, ironiza) e as pessoas exigem também respostas imediatas. Ele observa que, em razão disso, deverá haver uma mudança paradigmática na forma de atuação dos sindicatos, já que, até publicar editais em 3 jornais diferentes para convocar uma assembleia, toda a categoria já terá discutido tudo o que interessa pelo WhatsApp e resolvido as questões de interesse. “Não dá mais para o sindicato ser analógico, fazendo assembleia na porta da fábrica. As assembleias hoje têm de ser online, no WhatsApp, resolvendo tudo de imediato”, prevê.

Voltando à parte boa da rede, ele aponta a cybercultura, que potencializa o conhecimento coletivo, já que milhões de informações são compartilhadas na internet, a qual se torna a grande biblioteca do mundo atual, onde todos contribuem para o conhecimento de todos. Quanto à famosa frase do escritor Umberto Eco de que “a internet deu voz a uma legião de imbecis”, ele contrapõe o fato de que também existe vida inteligente na rede, citando as enciclopédias, livros, discussões acadêmicas e trabalhos de arte, postos ao alcance de todos.

Escolhas dirigidas – Nesse ponto, ele entra no que considera o grande risco das redes: a ditadura dos algoritmos. Trata-se de regras de sistema lançadas pelo programador, de acordo com os dados que extrai das redes, captando as nossas características e preferências. Com isso, gera-se o algoritmo que pulula nas telas, com sugestões de produtos, notícias, vídeos, sites, etc. Segundo o palestrante, esse sistema acaba criando bolhas sociais, ou seja, direciona o internauta para os mesmos grupos de pessoas, com as mesmas afinidades de gostos ou pensamentos, de forma que esse usuário passa a não mais visualizar opiniões divergentes das suas.

No que toca ao mundo do trabalho, especificamente, ele tratou do fortalecimento do poder empregatício frente à capilaridade das redes sociais. Como o empregador se apropria das redes sociais, agora, o controle patronal sobre o empregado extrapola os limites da empresa. Antes restrito aos intramuros do estabelecimento, agora o empregador controla o empregado dentro e fora da empresa, inclusive o que ele faz nas férias, se está bebendo à noite, se frequenta sindicatos, etc. “Isso gera a cyber vigilância patronal, geralmente silenciosa, mas atenta e implacável”, destaca, alertando que, muitas vezes, o empregado se torna o algoz de si próprio ao expor voluntariamente toda a sua vida social e privada, seus gostos e preferências, sua opinião política, seu time de futebol, suas viagens, suas posses, etc., sabendo que tudo está à vista fácil do empregador. Ele alerta que isso pode acabar levando a um controle, pelo empregador, do engajamento sindical: “Hoje o empregador sabe se o empregado curte páginas de sindicados ou acompanha movimentos sindicais e pode puni-lo ou acabar não admitindo um candidato a emprego em função disso”, vaticinou.

O lado bom dessa onda é o que ele chama de empoderamento dos “infoproletários”: hoje todos têm amplo acesso à informação e se comunicam muito rápido, nesta cyberdemocracia, em que todos podem falar e postar livremente as suas opiniões. Isso, segundo expôs, pode ser uma grande vantagem para os trabalhadores, se eles se engajarem e se organizarem. Por exemplo, se um banco vai distribuir participação nos lucros aos empregados, no mesmo momento, é compartilhada a informação sobre o lucro bilionário que a instituição teve no último exercício. E com esse dado em mãos, eles não se deixam enganar.

Controle patronal x liberdade de expressão – Uma das principais questões tratadas no livro é se o empregador pode controlar as redes sociais dos empregados ou proibir o uso delas dentro da empresa. Para o autor, poderá, sim, regulamentar e limitar, mas proibir não é solução. “Penso que o caminho é tratar isso de maneira dialética e positiva, ensinar a usar, orientar sobre os parâmetros éticos das discussões no ambiente de trabalho, regras de convivência e respeito ao debate. Isso pode-se regulamentar. Mas há limites quanto ao poder do empregador de acessar os dados de navegação do empregado no computador da empresa”, ensina, acrescentando que, nos Estados Unidos, há proibição de que o empregador tenha acesso à senha dos empregados.

Outra questão tormentosa é sobre o direito de crítica do empregado em relação à empresa nas redes e vice-versa. Mais uma vez usando o exemplo americano, o palestrante esclarece que, se as postagens nas redes sociais refletem um engajamento na busca de melhores condições de trabalho, as críticas são, sim, válidas e plenamente aceitáveis, pois trata-se da liberdade de expressão do trabalhador. Pode-se postar, por exemplo, um vídeo mostrando que a escola não oferece microfone ou equipamentos de trabalho ao professor. “Isso pode, é liberdade de expressão do trabalhador, na busca por melhores condições de trabalho. Como também a empresa não poderá punir o empregado que reclamar nas redes sociais da insalubridade no ambiente de trabalho ou denunciar atraso de salários”, explica o autor. O que o empregado não pode é fazer comentários desrespeitosos sobre o patrão, e vice-versa, ou ambos postarem fatos que afetem a subjetividade ou entrem na vida íntima e privada um do outro.

Ligado a isso, mais um ponto curioso abordado pelo palestrante foi o uso dos dados das redes na seleção de pessoal. “Hoje os selecionadores estão se transformando em verdadeiros investigadores, que fazem uma devassa nos perfis dos candidatos à vaga na empresa”, comenta, acrescentando que tem sérias dúvidas sobre se o empregador pode, de fato, fazer isso, como discute mais detalhadamente no livro.

Por outro lado, ao tratar da questão do cyberbullying, o palestrante pondera que o empregador tem que regular o uso das redes para manter ambiente de trabalho saudável. “Então, será que ele não tem que regular perfis fakes feitos na empresa?”- é outro questionamento que lança no ar.

Decifra-me ou te devoro – Falando sobre os conceitos do direito do trabalho afetados pelo fenômeno das redes sociais, o palestrante exemplifica com o instituto do tempo à disposição do empregador: segundo aponta, hoje estamos mais tempo à disposição, já que permanecemos conectados com o empregador através dos meios telemáticos até após o expediente, finais de semana, férias, etc., gerando o que ele chama de telessubordinação. E questiona: isso não seria também trabalho? Para Magela Melo, assumir um posicionamento diante dessa nova realidade é crucial para o Direito do Trabalho: “É preciso definir se temos jornada, se vamos controlar a jornada virtualizada, como está hoje, sobretudo pelas redes sociais, ou vamos ignorar essa realidade”, provoca.

Outro ponto crucial, segundo ponderou, é quanto aos novos limites da competência da Justiça do Trabalho, num tempo em que todos os conflitos estão se digitalizando. E lutar por esses novos territórios é preciso, senão perderemos terreno até a extinção, alertou. Ele exemplifica citando uma situação fictícia em que um funcionário posta perfil fake da empresa. Nesse caso, segundo afirmou, quem teria competência para dar a ordem para a rede social retirar o perfil do ar é a Justiça do Trabalho, e não a Justiça comum. “Isto porque, tudo o que tiver origem na relação de trabalho, a competência é da JT, mesmo se envolver as redes sociais”, enfatizou, acrescentando que o marco civil da internet diz apenas que “o juiz dará a ordem”, mas não especifica de que esfera deve ser esse juiz. Então, conclamou, “precisamos reclamar a nossa competência, até porque, quem declina competência pede pra ser extinto”, encerra, parafraseando frase célebre do professor Antônio Álvares da Silva.

Por fim, lembrando o caráter paradoxal das redes sociais, o palestrante afirma que elas podem ter, a um só tempo, uma dimensão socialmente libertadora e uma dimensão penalizadora do indivíduo. Num tempo em que deixamos cada vez mais de prestar atenção nas relações afetivas reais para nos voltar para as relações virtuais, ele alerta sobre a necessidade do eterno bom senso aristotélico para se buscar um meio termo que dose essas relações. Ao fim de tudo, conclui: “Não pode o direito continuar a ser analógico enquanto a sociedade é digital”.

“Execução definitiva em 2a Instância é a solução para o Direito do Trabalho da era digital.” (Prof. Antônio Tavares)

Segundo palestrante da tarde, o professor Antônio Álvares da Silva partiu do princípio do ciberespaço e o trouxe para dentro da realidade da Justiça do Trabalho. E, segundo pontuou, a metade dele já está aqui, visto que a JT sempre foi mais rápida e evoluída que a Justiça comum. “Como o Direito do Trabalho vai se enquadrar nesse ciberespaço, que pressupõe a coexistência de dois mundos, o real e o mundo da internet?”, indaga, pontuando que as relações sociais reais trazem para as mãos dos juízes as questões que a vida cotidiana suscita e que agora vão abranger essa realidade vivida no mundo virtual.

Ele faz uma leitura da realidade atual no direito individual e coletivo do trabalho. Para ele, o principal problema é a proteção contra a dispensa. “Será possível falar nisso hoje?”, indaga, entre cético e curioso. E problematiza a questão da seguinte maneira: uma pequena empresa entra em crise e dispensa empregados, mas o juiz invalida a medida, dizendo que não pode fazer dispensa coletiva. E aí, como resolver o dilema que se instala, quando proteger o empregado implica destruir a empregadora? Não tendo a empresa como sobreviver, com o tempo, o cenário será de inadimplência trabalhista e desemprego, inexoravelmente. Para Álvares da Silva, o grande desafio aí é manter o meio termo, o equilíbrio necessário para garantir os direitos dos trabalhadores e dotá-los de mecanismos de defesa dos seus interesses, sem destruir a empresa, geradora do emprego.

Negociação livre e poderosa – Mas, segundo aponta, a luz que brilha ao fim desse túnel atende pelo nome de direito coletivo do trabalho, como fruto da negociação coletiva. “É a grande força das categorias, porque eles podem negociar diretamente com a empresa e fazer valer seus interesses, e esta, por seu turno, negociará nos limites das suas possibilidades”, prevê, lembrando que esse é o único caso em que a lei vale genericamente fora do parlamento. Ou seja, as cláusulas negociadas tornam-se normas coletivas, obrigando e beneficiando toda a categoria patronal e profissional.

No seu entendimento, todo o esforço hoje tem de ser no sentido de valorizar a negociação coletiva e dar poder aos sindicatos, de forma que eles tenham força para fazer valer os interesses dos seus representados na negociação com a classe empregadora.

Como bom exemplo nessa seara, ele cita a Alemanha, onde 95% das relações de trabalho são pautadas pela negociação coletiva. “Para mim, hoje, o direito do trabalho se chama negociação coletiva, que tem como instrumento principal os sindicatos e como objeto último a satisfação de ambas as partes envolvidas”, pondera, acrescentando que, na visão dele, greve hoje representa atraso. Isto porque, uma greve vitoriosa pode significar a destruição do empregador, ou seja, destrói a célula social, em prejuízo para ambos os lados.

O professor é enfático ao alertar que é preciso evitar o cadafalso, ou seja, a “forca” do extremismo, capaz de aniquilar tanto o empregado quanto o empregador, por falta de diálogo e de negociação. “Temos de aprender a negociar. Não há nenhum país forte do mundo que não negocie coletivamente as suas condições de trabalho. Por que isso não pode ser no Brasil?”, pondera, frisando que até podemos ser subdesenvolvidos, em certos aspectos, “mas nunca na inteligência e na consciência da nossa cidadania, que é capaz de grandes realizações”.

E o que se vai discutir na negociação coletiva? Segundo o professor, tudo o que for inerente à relação de trabalho, como uma projeção do direito individual para o direito coletivo. “Não pode haver restrições. Tudo pode ser negociado na convenção coletiva, dentro dos parâmetros do direito do trabalho. E que haja um mínimo de intervenção do Ministério Público. Afinal, quem é livre para negociar tem de ter a responsabilidade da negociação”.

A mão das redes – No campo do direito público do trabalho, o palestrante aponta uma contribuição das redes informatizadas na fiscalização trabalhista. Diante da impossibilidade fática de que o fiscal visite pessoal e sistematicamente todas as 15 milhões de empresas do país, ele fará apenas uma revisitação pela internet. Ou seja, vai apenas uma vez, autua, e depois faz o controle pela internet, através de câmeras e sistemas, que detectarão os erros e excessos, construindo uma linha de fiscalização virtual eficiente.

Decidindo em casa – Ao falar sobre os conselhos de empresa ou comissões de fábrica, ele expressa: “Essa é a nossa grande esperança que a JT possa se desvincular do grande peso que pende sobre seus ombros”. No entanto, demonstra grande decepção com a forma como estes foram instituídos pela Lei 13.467/17, valendo apenas para empresas com mais de dois mil empregados. Para ele, trata-se de uma deformação da lei, o que a torna, praticamente, sem sentido: “Empresas desse porte já são ricas e fortes, e o empregado é, em geral, instruído, com consciência dos seus deveres sociais e políticos, de forma que não precisam dos conselhos de empresa. Estes devem ser voltados para a pequena e média empresa”, pondera, acrescentando que a esmagadora maioria das ações que tramitam na JT vêm do pequeno empregado, direcionadas ao micro e pequeno empresários e, em menor escala, ao médio. “Por que não transferimos essas questões para dentro do conselho de empresa, onde empregado e empregador podem se sentar diariamente para discutir e resolver os seus problemas?”, sugere o jurista.

Justiça light – Passando à discussão atual sobre o direito processual do trabalho, o professor ensina que processo é instrumento da aplicação lei: “Pode-se ter a melhor lei e ela fracassar dentro de um mau processo, assim como podemos ter péssimas leis, engrandecidas no processo através da interpretação do bom magistrado”. E daí, partindo para a sua crítica à estrutura da Justiça do Trabalho, dispara: “Ouve-se por aí que a Justiça do Trabalho é a justiça dos necessitados, que tem nas mãos do juiz a última esperança de justiça que alimenta a sociedade. Mas será isso a realidade?”. Álvares da Silva passa a se referir ao caminho do processo nas quatro instâncias que ele pode percorrer na Justiça do Trabalho: Varas Trabalhistas, TRT, TST e STF. “Não tenho nada contra os recursos, só que eles não podem afetar o direito da parte”, pondera, dizendo que a justiça tem que ser rápida, mas com responsabilidade para não redundar em injustiça. “É um absurdo um processo do trabalho demorar seis anos. Isso é um acinte ao trabalhador”, critica.

Para o jurista, é fato que a Justiça do Trabalho tem de ser simplificada, enxuta e acelerada. E, para tanto, ele apresenta um modelo de solução, dentro do espírito da internet. Resumida na chamada PEC Peluso, a proposta é a execução definitiva e imediata do débito trabalhista, assim que o processo for julgado no Segundo Grau, quando se esgota a discussão sobre a matéria de fato. A partir daí, pode-se recorrer ao TST e ao STF, para discutir matéria de direito, mas a execução definitiva já correria em paralelo.

Fundo garantidor – Mas e se a decisão mudar nas instâncias superiores, quem vai repor a empresa em razão da sua tardia vitória? A essa pergunta que atormenta a todos, o desembargador aposentado responde apresentando o Art. 3º da Emenda Constitucional no 45, que cria o Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas. Daí sairiam os recursos para ressarcir o empregador. Ou, por outro lado, para pagar o reclamante na execução definitiva, devendo este devolver o valor caso perca nas instâncias superiores. Aí, nesse caso, se a solução do recurso demorar, não importa, a justiça já terá sido feita. Quanto à discussão que mobilizou todo o país sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, ele pondera que o teor do art 5o, LVII da CF/88 não atinge a JT, mas apenas a Justiça penal.

Essa, segundo Antônio Álvares da Silva, seria a grande reforma trabalhista que precisaríamos. E poderia ser feita com uma simples Medida Provisória de quatro ou cinco artigos, dizendo que as decisões da JT executam-se, definitivamente, após o Segundo Grau, usando o Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas. “Se o legislador não faz isso, temos de continuar assoberbados com milhões de processos, fazendo injustiça coletiva, porque os processos ficam esperando os julgamentos dos recursos, por anos a fio, e o trabalhador sem receber o seu crédito alimentar”, lamenta o professor e aposta que, se simplificarmos a estrutura processual na Justiça do Trabalho, o custo dela cairia em dois terços, como também o número de processos. “Basta fazer isso para se ter o espírito da internet. Entraremos no mundo moderno para fazer justiça de fato. Agilizaremos o processo para não ficarmos com essa justiça em que o trabalhador é quem paga, por não receber o que tem direito por longos anos.”

Por fim, o professor lembrou o relevante papel histórico cumprido pela Justiça do Trabalho, ao harmonizar interesses de empregados e empregadores. “Graças a ela, conseguimos alcançar a nossa industrialização sem revolução. Caso contrário, toda reivindicação social só se resolveria por meio da força”, frisou.

Na visão do grande jurista, a Justiça do Trabalho vai ter de se resumir porque já está superada e precisa se modernizar e se adequar aos novos tempos. Tempos estes em que os sindicatos farão assembleias online, com mera comunicação através da internet. Também os processos serão julgados online, em decisões apoiadas pelos algoritmos, que captarão e sistematizarão as questões trabalhistas. Com isso, o sistema poderá fazer uma revisão profunda e rápida de todas as causas trabalhistas envolvendo a matéria e como foram decididas até ali, sugerindo o caminho da petição ou da decisão judicial. “Mas devemos lembrar que informática sozinha não faz milagres, não é a salvação de tudo, mas apenas um instrumento. Quem tem de dar o último significado das coisas não é a máquina, mas sim o homem”, finaliza.

“Os megadados são o petróleo da atualidade”. (Des. José Eduardo)

Finalizando a tarde de palestras, o desembargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior afirmou que os dados são “o petróleo da atualidade”, ou seja, quem detém os dados, detém o poder. Ele destaca o grande poder das redes sociais, que são capazes de ler toda a vida do usuário, simplesmente, através das suas “curtidas” em posts. E exemplificou: analisando apenas 100 curtidas do usuário, a Cambridge Analytica é capaz de detectar o sexo, idade, orientação sexual e política, a profissão e a formação acadêmica dele!

Lembrando a era romântica da internet, ele se espanta com o fato de termos saído da inteligência coletiva, definida pelo francês Pierre Levi, para descambar na legião de imbecis de que fala Umberto Eco. “A internet hoje funciona a partir dessa nova riqueza da economia capitalista, que são os dados”.

Dados: poder e inteligência artificial – Para dar uma ideia de como funciona a nova tecnologia, o palestrante explica a diferença entre a inteligência artificial e a inteligência humana. A partir da rede neural, o cérebro humano funciona, mesmo com poucos dados, chegando a raciocínios complexos. Já o computador só é capaz de competir com a inteligência humana quando alimentado com bilhões de dados. Aí sim, a inteligência artificial, construída a partir dos megadados (ou big data), chega a resultados impressionantes, em larga vantagem em relação ao ser humano. Nisso reside o grande poder dos dados.

Segundo explicitou, o crucial, quando se pensa em proteção de dados, é que as pessoas, em geral, não veem mal algum em expor e entregar os seus dados para as redes sociais, já que não têm nada a esconder. Mas, segundo alerta, a discussão sobre os megadados transcende a mera questão da privacidade individual, já que o uso dos dados pode ser determinante em situações coletivas ou até em questões de Estado. Para exemplificar, ele lembra que as duas maiores eleições da atualidade – o Brexit e a eleição de Donald Trump nos EUA – sofreram grande interferência do Facebook e essa discussão está rendendo até hoje.

Por tudo isso, na visão do desembargador, a questão dos dados é a questão política da atualidade, desaguando em todos os ramos do conhecimento e da economia e impactando profundamente o direito, em suas várias vertentes: constitucional, trabalhista, civil, processual, etc.

Finalizando, o palestrante diz concordar com o autor do livro em lançamento sobre a necessidade de se repensar o direito do trabalho a partir dessa nova realidade, tendo em mente esse viés dos dados. “É preciso ter cuidado para se pensar numa regulação nacional e internacional de proteção dos dados, não apenas para proteger a privacidade e as informações de cada usuário, mas para a proteção da vida do cidadão e da sociedade contra esse gigantesco poder de quem detém e maneja a rede de dados”, alertou.

Fonte: TRT-MG

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