29 jan 2018

O Médico do Trabalho e a PcD

postado em: Coluna do Edu

Nenhum comentário.

Fiz questão de deixar a sigla no título. O termo PcD é atualmente utilizado para identificar as pessoas com algum tipo de deficiência. O termo está em constante evolução. Já foram utilizadas as denominações “deficiente”, “pessoa portadora de deficiência” e “pessoa com necessidades especiais”. A palavra “pessoa” sempre esteve presente em todas as siglas!

O conceito de deficiência, para fins de proteção legal, é definido como “uma limitação física, intelectual, sensorial ou múltipla, que incapacita a pessoa para o exercício de atividades normais da vida e que, em razão dessa incapacitação, a pessoa tenha dificuldades de inserção social”.

Infelizmente somos, e talvez sempre sejamos, o país das PcDs. Os acidentes de trânsito, a violência, as péssimas condições de nascimento e parto, os acidentes de trabalho, as doenças profissionais e as repercussões das doenças crônicas não transmissíveis, especialmente o diabetes e a pressão alta, produzem pessoas com deficiência diariamente. Dados recentes mostram que 24% da população brasileira tem algum tipo de deficiência. São 9.344.000 no Estado de São Paulo e 2.759.000 na cidade de São Paulo.

Tenho desenvolvido e colaborado em vários trabalhos para a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. A chamada Lei de Cotas, de 1992, criou um número mínimo de PcDs que devem ser contratadas pelas empresas. Interessante é que a lei de cotas surgiu com as cotas para reabilitados para as empresas com 20 ou mais funcionários. Apesar da lei começar com reabilitados, percebo que este grupo é o mais negligenciado. O Brasil ratificou a convenção internacional sobre o direito da PcD em 2006, por isto, apesar da lei ter mais de 25 anos, somente após 2006 a lei passou a ter mais visibilidade. Em um recente projeto de inclusão que participei, 70% dos PcDs tinham a carteira de trabalho assinada pela primeira vez e metade dos postos de trabalho para PcDs na indústria não estavam ocupados.

Confesso que aprendi muito mais do que ensinei. Tive dificuldades básicas no relacionamento com as PcDs, por isso, resolvi sintetizar meu aprendizado em algumas dicas e também trazer alguns mitos sobre o assunto:

• A expressão “pessoas com deficiência” (PcD) é a mais atual e deve ser utilizada. Foi aprovada pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em 2006 e ratificada no Brasil em 2008.

• Os surdos não são mudos. Eles simplesmente não oralizam as palavras; portanto, o termo “surdo-mudo” é incorreto.

• O custo de projetos novos com acessibilidade não é tão alto. Esse é um mito, pois custa, no máximo, 1% do valor total da obra. Venceu em 2008 o prazo para adaptações de acessibilidade nas empresas, ou seja, há 10 anos.

• Quando for se apresentar em uma palestra com cegos, apresente-se sem o microfone inicialmente e faça uma pequena descrição de suas características físicas e de como está vestido.

• Pessoas com deficiência auditiva trabalham melhor em ambientes ruidosos. Outro mito. O som é transmitido pela via óssea, mesmo no surdo, provocando alterações no equilíbrio.• Olhe para a pessoa, não para a deficiência.

• Não superproteja ou trate o deficiente como um super-herói.

• Quando for falar com um cego, apresente-se e acompanhe o movimento de sua mão para cumprimentá-lo. Não se esqueça de avisar caso tenha de ausentar-se do local ou atender a uma chamada telefônica.

• Trate uma PcD adulta como adulta e uma PcD criança como criança. Evite diminutivos.

• Se quiser oferecer auxílio a uma PcD, pergunte qual é a melhor maneira de ajudar.

• Ofereça seu braço a uma pessoa cega para que ela segure, e não a puxe. Informe sobre os obstáculos.

• Ao ajudar um cego a encontrar um endereço, explique a direção e a distância, utilizando a referência com clareza: X metros à direita ou à esquerda. Evite falar “Vá por ali” ou “Depois da loja de sapatos”.

• Se o surdo está acompanhado de intérprete, fale com o surdo.

• Cadeirante em telemarketing, surdos em linha de produção e cegos em atividade de raios X são coisas do passado.

A nova Lei Brasileira de Inclusão (LBI) destaca a reabilitação para saúde, o social e o vocacional. A PcD precisa de igualdade nas oportunidades, ou seja, uma discriminação positiva. A competência profissional é o que determina a inserção no mercado de trabalho.

O médico do trabalho pode e deve liderar este processo com atenção a aspectos médicos, ocupacionais, administrativos, jurídicos e de gestão de equipes. Atenção: um dos “postos de trabalho” mais difíceis de serem adaptados é o da chefia e da supervisão.

Rui Barbosa, jurista, diplomata e escritor brasileiro disse: “Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”.

Invista em bem-estar.

Autor (a): Dr. Eduardo Arantes – Médico com especialização em Medicina do Trabalho pela Universidade São Francisco de São Paulo, Ergonomia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e em Gestão de Saúde pela FGV. Autor dos livros: O Retorno Financeiro de Programas de Promoção da Segurança, Saúde e Qualidade de Vida nas Empresas, Ciências da Vida Humana e o recém-lançado Crônicas de Saúde, Ciência e Cotidiano. Atualmente é Diretor Técnico na Beecorp – Bem Estar Corporativo.

O Dr. Eduardo Arantes escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Edu”.

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Eduardo Arantes, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

Assine a newsletter
saudeocupacional.org

Receba o conteúdo em primeira mão.