11 maio 2017

Perito judicial trabalhista deve ter título de especialista?

postado em: Coluna do Saulo

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O perito médico judicial trabalhista deve deter título de especialista no objeto da perícia?

Na rotina forense pericial, um questionamento se apresenta rotineiramente quando uma das partes tem um laudo médico desfavorável a seus interesses: discutir a especialidade médica do Perito do Juízo. Atualmente, são reconhecidas 54 especialidades médicas e 57 áreas de atuação médica, conforme a Resolução Conselho Federal de Medicina (CFM) n° 2.149/2016.

Cabe então analisar que, o médico, independentemente de possuir determinada especialidade, pode atuar como Perito Judicial, envolvendo quaisquer doenças ou transtornos, físicos ou mentais, por três linhas: a processual-legal, a disciplinar-legal médica e a doutrinária jurídica.

O Código de Processo Civil (CPC) determina expressamente que o Juiz nomeará Perito entre os profissionais legalmente habilitados, conforme o disposto no §1° do art. 156 do CPC:

Art. 156, § 1°, CPC: Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado. (BRASIL, CPC, ART. 156).

Com bases técnicas, as perícias médicas na Justiça do Trabalho visam apurar um eventual nexo entre um transtorno de saúde físico/mental alegado ou um acidente e o trabalho, o que por sua vez torna o Médico, entre eles o Médico do Trabalho, apto para exercer o encargo de Perito nesse campo.

O art. 465 do CPC determina que seja o “perito especializado no objeto da perícia”. Assim, o profissional especializado para a perícia médica (uma espécie do gênero perícias em saúde) é o Médico, entre os quais está apto o Médico do Trabalho, especialidade específica do campo da saúde do trabalhador.

O Parecer n° 45, de 16 de novembro de 2016 do CFM é preciso ao estabelecer que “O termo ‘especialidade’ no CPC é genérico e não se refere às especialidades médicas, mas sim à área do conhecimento técnico ensejado pelo objeto da perícia”. Certamente, tal entendimento está em sintonia com a mens legis.

A Lei n° 12.842, de 10 de julho de 2013, define no art. 4°, inciso XII que: “São atividades privativas do médico: […] XII – realização de perícia médica […]”, sem definir a exigência de determinada especialidade médica para tanto.

A Lei n° 3.268/1957, no art. 17 é cristalina em determinar que o médico pode exercer legalmente a Medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades após o registro de seu diploma e inscrição no CRM; possibilitando o amplo exercício da Medicina.

A título comparativo, a Lei n° 10.876/2004, que cria a carreira de Perito Médico da Previdência Social, não exige qualquer especialização em determinada área médica para o exercício do referido cargo público, cabendo ser habilitado em Medicina. A Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu parecer na Ação Civil Pública (ACP) nº 2071-90.2013.4.01.3803 no mesmo sentido, favorável a atuação do Perito Previdenciário em qualquer área médica. Nesse caminho, disciplina a Resolução CRM/SC nº 2356/2014 que: “Não há obrigatoriedade de ser médico especialista para avaliar pericialmente o segurado do INSS, portanto não há impedimento de ordem ética”.

Adentrando a fundamentação disciplinar-legal médica, à luz do CFM, define de forma patente o Parecer n° 9/2016, que: Não é necessário que o médico, atuando como perito, seja especialista em determinada área para poder emitir parecer sobre assuntos das diversas especialidades, pois os conhecimentos adquiridos nas escolas médicas o habilitam a entender os procedimentos e condutas de outras especialidades médicas. (BRASIL, CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, PARECER N. 9/2016).

E, prossegue o Parecer n° 9/2016 do CFM, elucidando o seguinte questionamento, com uma resposta clara:

Existe alguma norma que determine que a capacidade ou incapacidade para o trabalho seja avaliada por especialista na doença que acomete o periciado? Se positivo, qual seria?

Resposta: A determinação da capacidade laboral para fins previdenciários, no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), compete ao perito médico da Previdência Social; no âmbito criminal, compete ao perito legista, e no âmbito judicial de forma geral, a competência é de médico designado como perito, não havendo obrigatoriedade que seja especialista na doença que acomete o periciado. (BRASIL, CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, PARECER N. 9/2016, p. 8).

Ademais, o Parecer n° 45, de 16 de novembro de 2016 do CFM determina em sua ementa que:

EMENTA: O juiz nomeará como perito, médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina, consoante o disposto no art. 5°, inciso II, da Lei n° 12.842, de 10 de julho de 2013, independentemente de ter ou não Registro de Qualificação de Especialista em Medicina Legal e Perícia Médica. (BRASIL, CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, PARECER 45/2016).

E, prossegue, o Parecer n° 45, de 16 de novembro de 2016 do CFM:

O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia, ou seja: consoante a área de especialidade, técnica ou de expertise, nomeará perito em: engenharia, contabilidade, medicina, informática, agronomia etc. O termo “especialidade” no CPC é genérico e não se refere às especialidades médicas, mas sim à área do conhecimento técnico ensejado pelo objeto da perícia. Se o objeto da perícia, por exemplo, for a determinação de nexo causal em ação de indenização por acidente de trabalho, o perito nomeado deverá ser médico, consoante disposto no art. 5º, inciso II, da Lei 12.842/2013. (BRASIL, CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, PARECER 45/2016, p. 4).

O Parecer n° 6, de 26 de fevereiro de 2016 do CFM estipula que o médico regularmente inscrito no CRM está legalmente autorizado para exercer a medicina em sua plenitude, dispondo que:

Sabemos que o médico devidamente inscrito no Conselho Regional de Medicina está apto ao exercício legal da medicina, em qualquer de seus ramos, conforme estabelece a Lei n° 3.268/57, cujo artigo 17 diz que: “Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer dos seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas do Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade”, lembrando que a Constituição Federal expressa em seu artigo 5°, inciso XIII, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, permitindo-nos entender que não podemos exigir que um médico, além da qualificação profissional, seja especialista para trabalhar em qualquer ramo da Medicina. (BRASIL, CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, PARECER 6/2016).

Ainda, o Parecer n° 21, de 12 de agosto de 2010 do CFM define que “[…] reafirmamos que a qualquer médico inscrito no Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição é lícito exercer toda a medicina […] e que “ O médico devidamente inscrito no Conselho Regional de Medicina está apto ao exercício legal da medicina, em qualquer de seus ramos […]; o Parecer n° 17, de 14 de maio de 2004, do CFM determina que “[…] Os Conselhos Regionais de Medicina não exigem que um médico seja especialista para trabalhar em qualquer ramo da Medicina, podendo exercê-la em sua plenitude nas mais diversas áreas […]”; e o Parecer n° 8, de 27 de maio de 1996 do CFM define que “Nenhum especialista possui exclusividade na realização de qualquer ato médico […]”.

Dessarte, de forma unânime, conforme os Pareceres 8/1996, 17/2004, 21/2010, 6/2016, 9/2016 e 45/2016, todos emanados da Administração Pública, da Autarquia Médica Conselho Federal de Medicina, que regula a atividade médica, conforme Lei n° 3.268/1957, asseveram o entendimento de que não há obrigatoriedade que o Médico seja especialista em cada uma das áreas da alegada doença que acomete um periciado, haja vista que é notório que “o termo ‘especialidade’ no CPC é genérico e não se refere às especialidades médicas, mas sim à área do conhecimento técnico ensejado pelo objeto da perícia”.

Já no que tange ao embasamento doutrinário jurídico, nessa lógica de todo exposto, dispõe a doutrina em Sebastião Geraldo de Oliveira (2013) que:

Entendemos que o profissional indicado para realizar a perícia nas ações indenizatórias para mensurar a extensão dos danos causados à vítima é o médico que tenha concluído curso de especialização em Medicina do Trabalho, com o devido registro dessa habilitação perante o Conselho Regional de Medicina. A Medicina do Trabalho é reconhecida oficialmente como uma especialidade na área médica, conforme detalhado nas Resoluções n. 1.634/2002 e 1.666/2003 do Conselho Federal de Medicina. Para o médico obter o título oficial de especialista em Medicina do Trabalho, são necessários dois anos de formação específica, com elevada carga horaria (1920 horas), em cursos aprovados no processo de ‘acreditação’ perante a Associação Nacional de Medicina do Trabalho – ANAMT, que envolvem atividades teóricas e treinamento em serviço no campo de saúde do trabalhador. (OLIVEIRA, 2013, p. 328-329).

Portanto, fica cristalino, à luz das searas processual-legal, disciplinar-legal médica e doutrinária jurídica que o Perito do Juízo não necessita deter título de especialista em cada uma das áreas da alegada doença ou transtorno para a realização da perícia médica judicial trabalhista; sendo, contudo, conforme doutrina citada, recomendável que detenha Título de Especialista em Medicina do Trabalho. Além disso, oportuno que possua conhecimentos em Direito Material e Processual Civil e do Trabalho.

Autor (a): Saulo Soares – Médico do Trabalho. Advogado. Professor. Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre Magna cum Laude em Direito pela PUC Minas. Especialista em Direito Médico, Direito do Trabalho e Medicina do Trabalho. Autor do livro “Ser Médico ‘examinador’ do Trabalho: subserviência e precarização do jaleco branco – uma abordagem jurídico-científica” (Editora Buqui). Coordenador do livro “Temas Contemporâneos de Direito Público e Privado” (Editora D’Plácido).

Obs.: esse texto é de autoria do respectivo colunista, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org

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