27 jul 2016

Se não alcança, não descansa!

postado em: Coluna do Lenz

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Cervicalgia por manter o pescoço fletido para fixar os olhos em um monitor posicionado muito baixo; lombalgia em trabalhador de alta estatura por trabalhar com a coluna curvada ao montar peças em uma linha de produção baixa para a sua altura; dor nos olhos e pescoço por forçar a visão em um monitor com reflexo da janela; acidente do trabalho com vítima fatal por explosão do “tanque” de um caminhão-tanque ao ser soldado, pela presença de gases inflamáveis em seu interior, não detectados pelo olfato do soldador que se encontrava resfriado; acidente com vazamento de amônia levando à morte por asfixia de um deficiente auditivo, por não ouvir o alarme sonoro de fuga; acidente provocado por operador de empilhadeira por se encontrar com um olho tamponado por curativo após retirada de corpo estranho; dor no ombro por trabalhar com os braços elevados para alcançar as peças a serem montadas; lombalgia e dormência nas pernas em trabalhador de baixa estatura, que não alcança os pés no chão; fadiga intensa ao realizar uma tarefa por não ter formação e experiência suficientes, etc.

O que existe em comum entre estas situações é o alcance! Ou, melhor dizendo, a falta de alcance. Ou seja, como o posto de trabalho não proporcionou ao trabalhador o alcance necessário para a execução de suas tarefas, todos apresentaram algum tipo de desconforto, dor, dormência, chegando até a morte de trabalhador, o que não teria acontecido caso o posto de trabalho oferecesse as condições ideais de alcance às exigências da tarefa, como adequações antropométricas para baixa e alta estatura, eliminação do reflexo no monitor, equipamentos adequados para detecção de presença de gases no interior da caçamba, alarme de fuga através também de sinal luminoso, remanejamento temporário do operador de empilhadeira, por não atender momentaneamente às exigências do posto de trabalho, apoio para os pés e treinamento suficiente para a realização da tarefa, entre outras adequações.

Assim, o alcance a todas as exigências da tarefa é imprescindível para um trabalho confortável, seguro e produtivo, três pilares da ergonomia: conforto, segurança e produtividade. Afinal, a ergonomia tem como princípio a adaptação do trabalho ao homem e, não ao contrário, a adaptação do homem ao trabalho, como nestes exemplos citados acima em que, o homem tentando se adaptar ao trabalho, em busca dos alcances sensitivo (visual, auditivo e olfativo), cognitivo, físico, acaba por gerar desconforto, doenças ocupacionais, acidentes do trabalho e prejuízos para todos os envolvidos na relação de trabalho: empregado, empregador e governo.

Assim, a adaptação do trabalho ao homem vai desde à adequação aos limites humanos relacionados ao ambiente laboral físico e organizacional, adequando o posto de trabalho para atender à maioria dos trabalhadores e, em todos os aspectos, seja o alcance sensitivo, físico, mental e cognitivo, tornando-o assim em um posto de trabalho versátil de maneira tal que a maioria dos trabalhadores devidamente preparada possa nele trabalhar, mesmo na presença de diferenças humanas, desde às mais sutis, como as pequenas variações antropométricas, até as diferenças maiores, como aquelas enquadráveis na cota de deficientes conforme a nossa legislação.

As ferramentas usadas em avaliações ergonômicas avaliam os riscos ambientais que, quanto maiores, mais fora do alcance do trabalhador se encontra o posto de trabalho, de tal forma que um alto risco ergonômico detectado pela equação de NIOSH na avaliação de um posto de trabalho com manuseio de cargas, ou um alto risco detectado pelas ferramentas OCRA ou TOR-TOM em um posto com alta repetitividade, denotam que eles se encontram acima do alcance do trabalhador, por não se encontrar a ele adaptado, estabelecendo uma relação direta entre os dois: o “não-alcance” e o risco. O seja, se não alcança, existe o risco; ou ainda, se existe um risco é porque algo não foi alcançado pelo trabalhador.

Portanto, o alcance do trabalhador deve ser garantido pela implantação de adequações ergonômicas aos limites humanos individuais através de flexibilização dos postos de trabalho atendendo a todas as diferenças humanas, como as diversidades antropométricas, sensitivas, cognitivas, e mentais, ou em caso contrário, continuaremos com altos índices de doenças ocupacionais e acidentes do trabalho, além da já conhecida falta de produtividade do trabalhador brasileiro e o consequente alto custo Brasil. Afinal a NR 17 (Ergonomia) se auto define como uma norma que “visa a estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente”. Assim, o tão difícil dimensionamento da carga laboral ideal para cada trabalhador pode ser realizado com base na simples adequação das exigências do posto de trabalho ao alcance individual de cada trabalhador. Portanto, mesmo que você não seja ergonomista, para facilitar a identificação de um risco ergonômico em um posto de trabalho, faça a seguinte pergunta: o trabalhador alcança a todas as exigências da tarefa? Em caso positivo, é um posto de trabalho sem risco. Ao contrário, o não alcance pelo trabalhador resultará em um risco ambiental. Ou seja, quer encontrar os riscos ergonômicos nos postos de trabalho, procure identificar as situações que geram o não-alcance às exigências da tarefa.

Esperamos em um futuro próximo que o avanço tecnológico consiga contemplar as necessidades particulares de cada trabalhador, como no provérbio: “quem espera, sempre alcança”!

Mas, se não alcança, não descansa!

Autor: Dr. Lenz Alberto Alves Cabral (MG) – Médico do Trabalho, Especialista em Ergonomia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Professor convidado da Pós-Graduação em Medicina do Trabalho da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Diretor da PROERGON – Assessoria e Consultoria em Segurança e Saúde do Trabalhador / Ergonomia, autor do livro “Abre a CAT?” (Editora LTr). Contato: www.proergon.com.br

O Dr. Lenz escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Lenz”

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