21 out 2022

Considerações jurídicas da responsabilização do empregador acerca da Síndrome de Burnout do empregado.

postado em: Coluna do Puy

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Primeiramente, compete a nós revisitarmos alguns conceitos da Síndrome de Burnout, descritos no artigo anterior, “Atestar a Síndrome de Burnout é ato médico? Responsabilidade do Médico no diagnóstico.”

Para a CID-11, o diagnóstico da Síndrome de Burnout deve ser de exclusão de diversas outras entidades patológicas, e é categorizada como uma “reação vivencial normal” (Jaspers, 1979). O que diferencia entre esta (reação vivencial normal) e uma doença/transtorno mental é a INTENSIDADE do prejuízo e do SOFRIMENTO que os sintomas provocam no indivíduo.

Se o prejuízo e o sofrimento causados pelos sintomas são intensos, o fenômeno é classificado como uma doença/transtorno mental, o que não se verifica na Síndrome de Burnout. Portanto, por questão conceitual, o Burnout não é um quadro grave, quando comparado a qualquer transtorno/doença mental.

Antes de atingir o quadro franco da doença, a CID-11 estabelece os conceitos de entidades que não são consideradas doenças, o cansaço (MB 22.7) e a fadiga (MG 22). Cansaço é “uma sensação de alerta reduzido e uma diminuição concomitante da acuidade mental, em alguns casos resultando em um impulso ou tendência a adormecer.” Por fadiga, entende-se um estágio posterior, resultante do acúmulo de cansaço que não foi solucionado.

*Fonte: “O que ninguém te contou sobre o Burnout: aspectos práticos e polêmicos”, p.166, editora Mizuno, autor Marcos Mendanha.

Reflexão do autor nº 01:
A condenação de um empregador por Síndrome de Burnout não deverá ser superior à condenação por uma doença/transtorno mental relacionado ao trabalho (ex. Transtorno de estresse pós-traumático; depressão; transtornos ansiosos, dentre outros), considerando a repercussão clínico-psicológica envolvida, vale dizer, o binômio INTENSIDADE do prejuízo e do SOFRIMENTO que os sintomas provocam no indivíduo é maior em uma doença do que em uma reação vivencial normal.
As decisões acerca do quantum indenizatório dos TST e TRT’s deveriam ser revistas, considerando que por vezes superam (em muito!) os valores condenatórios que versam sobre doenças cujas repercussões são mais graves na saúde e vida do indivíduo. Vejamos exemplo:

Há decisões em âmbito cível que concluem pela incapacidade total e permanente do periciado, inclusive, o que de fato vai de desencontro ao conceito da própria Síndrome de Burnout!

Reflexão do autor nº 02:

O conceito de Síndrome de Burnout pela CID-11 estabelece que a entidade é um diagnóstico de EXCLUSÃO e relacionado ESPECIFICAMENTE com o trabalho:

Burnout é uma síndrome conceituada como resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso. Caracteriza-se por três dimensões: I) sentimentos de esgotamento ou exaustão de energia; 2) aumento da distância mental do trabalho, ou sentimentos de negativismo ou cinismo em relação ao trabalho; 3) uma sensação de ineficácia e falta de realização. Burnout refere-se especificamente a fenômenos no contexto ocupacional e não deve ser aplicado para descrever experiências em outras áreas da vida.” (Grifo nosso)

Neste norte, o diagnóstico pericial médico deverá envolver o BINÔMIO:

1º – Confirmar a exclusão de doenças e transtornos mentais no periciado;

2º – Avaliar o nexo de causalidade entre o Burnout com as atividades desempenhadas pelo indivíduo no trabalho, conforme preconiza o art. 2º da Resolução do CFM Nº 2297/2021 (Dispõe de normas específicas para médicos que atendem o trabalhador).

Portanto, qualquer perícia médica que restar conclusiva com o diagnóstico de Síndrome de Burnout NÃO PODERÁ estar associada a outros diagnósticos de doenças mentais (ex. transtornos de ansiedade, transtornos de humor, transtorno de ajustamento, dentre outros), sob pena do diagnóstico de Burnout estar sob suspeição ou mesmo inexistir.

A Síndrome de Burnout NUNCA será a primeira possibilidade diagnóstica, mas ao contrário, a ÚLTIMA, pois se trata de um diagnóstico de exclusão prévia e confirmada de doenças ou outros transtornos mentais, assim reconhecidos pela CID-11 e DSM-5.

Neste sentido, se o Burnout é causado por estresse crônico advindo do trabalho, alguém que “não trabalha” não poderia ser acometido pela entidade.

Em sendo relacionado ao trabalho, estaria classificada como Schilling I, trabalho como causa necessária, com indiscutível nexo de causalidade.

Ressaltamos que não pode ser considerado como concausa, por ser um diagnóstico de exclusão, não podendo ser enquadrado como Schilling II (trabalho como fator contributivo, mas não necessário) ou III (trabalho como provocador de um distúrbio latente, ou agravador de doença já estabelecida).

Não existe nexo concausal na Síndrome de Burnout. Ou ela é considerada como diretamente relacionada ao trabalho (Classificação de Schilling I) ou não estamos diante de tal entidade clínica!

Neste norte, algumas decisões do TST e TRT’s deveriam hoje ser revistas. Senão vejamos:

Novamente, reflexões acerca da jurisprudência trabalhistas devem ser feitas, especialmente aquelas decisões de tribunais cujos julgados que ainda estabelecem nexo de concausalidade.

Reflexão do autor nº 03:

A responsabilidade jurídica pela Síndrome de Burnout não é exclusiva do empregador. Explico.

Christina Maslach elaborou o consagrado Maslach Burnout Inventory (MBI), conhecido como “medidor de Burnout” que coloca como o trabalho como fator único e suficiente para causar a síndrome. Ao contrário de Freudenberger, Maslach enaltece mais os fatores situacionais vinculados ao trabalho do que os fatores individuais (ex. personalidade) como causadores da síndrome. Para a autora, existem seis (06) áreas de discordância/concordância entre o trabalhador e o trabalho como promotores de Burnout e engajamento, em pólos opostos:

*Fonte: “O que ninguém te contou sobre o Burnout: aspectos práticos e polêmicos”, p.110, editora Mizuno, autor Marcos Mendanha.

Vejam bem: dos 06 (seis) itens, 05 (cinco) deles (sobrecarga de trabalho, falta de controle, recompensa insuficiente, perda de comunidade, ausência de equidade) se referem exclusivamente ao empregador.
Todavia o último critério (conflito de valores) nem sempre pode ser atribuído ao empregador. Considerando que na iniciativa privada as empresas são capazes de realizar processos seletivos no sentido de recrutarem trabalhadores aptos e alinhados para o exercício de determinada função na organização, nem sempre se verifica este item no serviço público.
Entenda o serviço público aquele vinculado por estatuto (servidor) ou aquele vinculado pela CLT (empregado público).
A reflexão que proponho é de que um candidato que atenda a todos critérios editalícios e esteja APTO ao exercício da função não passará pelo escrutínio da seleção em virtude da compatibilidade de valores entre indivíduo e instituição. Afinal, vigora na Administração Pública o princípio da legalidade, vale dizer, o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. Ou seja: só é dado fazer aquilo que a lei prévia e expressamente autorize (princípio da indisponibilidade).
Portanto, analisemos casos concretos para dar luz à nossa reflexão:
1º – Um músico que seja aprovado em concurso público para ser escriturário em uma instituição bancária. Considerando que o valor arte nem sempre se compactua com a busca pelo lucro, temos uma dicotomia de valores entre indivíduo e organização ao qual competirá o concursando avaliar exclusivamente se ele é capaz de lidar harmoniosamente com este conflito.
2º – Um advogado com longa experiência na militância profissional é aprovado para cargo administrativo em um tribunal para exercer atividade meramente burocrática. A dissociação dos valores entre o exercício profissional (defesa intransigente dos direitos, responsabilidade social, atendimento aos clientes) versus atividades internas, repetitivas, com baixa autonomia é nítida e novamente competirá ao candidato avaliar se conseguirá harmonizar esta dicotomia.
3º – Um médico auditor ou gestor burocrata é aprovado em concurso público para atender pacientes em pronto atendimento, no âmbito do SUS. Novamente, é sensível a diferença entre valores e competências esperadas em cada uma das áreas, embora estejamos ainda no mesmo ramo, a Medicina.
Ora, considerando que a instituição é capaz de gerenciar eficazmente os 06 (itens), não há o que se falar em Síndrome de Burnout.
Finalmente, no que compete à Administração Pública faço a ressalva acerca do item “conflito de valores”, o qual a mesma não tem o mesmo gerenciamento que a iniciativa privada.
Ao meu ver, e neste único ponto, é relativizado e mitigada a responsabilidade jurídica do empregador, considerando que a Administração Pública não possui instrumentos legais para gerenciar eficazmente este item junto aos seus servidores/empregados públicos, no ato da seleção.

Um forte abraço,

Autor: Rodrigo Tadeu de Puy e Souza – Médico do Trabalho e Anatomopatologista. Advogado especialista em Direito Médico e Direito do Trabalho. Mestre em Patologia.

O Dr. Rodrigo Tadeu de Puy e Souza escreve periodicamente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Puy”. Contatos: @depuyrodrigo ; www.rodrigodepuy.com.br

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Rodrigo Tadeu de Puy e Souza, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

*Fonte: “O que ninguém te contou sobre o Burnout: aspectos práticos e polêmicos”, editora Mizuno, autor Marcos Mendanha.

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