29 jul 2022

Sob o ponto de vista ético, pode o Assistente técnico médico cobrar honorários de êxito?

postado em: Coluna do Puy

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Uma pergunta recorrente (e, por vezes, tormentosa) no meio pericial envolve a cobrança de honorários de êxito pelo assistente técnico da parte em processo administrativo ou judicial.
Em uma de minhas obras, “Novo código de ética comentado: aspectos práticos e polêmicos”, editora CRV, apresento uma passagem da Segunda Epístola de S. Paulo Apóstolo aos Tessalonicensses, capítulo 03, versículo 8:
“Nem de graça comemos o pão de ninguém, mas com o trabalho e fadiga, trabalhando noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós. ”
Realizaremos a análise da temática por tópicos.
I – Das espécies de remuneração:
Convém lembrar que no meio jurídico existem três (03) formas do procurador ser remunerado em uma lide:
1º – Honorários contratuais: são aqueles pactuados entre o procurador e jurisdicionado;
2º – Honorários de êxito: são aqueles pactuados e devidos pelo contratante, em virtude da parte auferir ganho com a ação;
3º – Honorários sucumbenciais: são aqueles estabelecidos judicialmente (sob o porcentual da condenação) no qual a parte perdedora no processo é obrigada a arcar com os honorários do advogado da parte vencedora.
Ressalta-se que a Medicina pericial inexiste de plano o honorário sucumbencial.
II – Perito judicial versus assistente técnico:
Inicialmente, quando ocorrerá a indicação de perícia no âmbito judicial?
Conforme o art. 156 do Código de Processo Civil (CPC):
Art. 156. O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico.
§ 1º Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado. ”

O perito é da indicação oficial do juiz.

Portanto, configurado como assistente do juízo e sob a égide da imparcialidade.
Neste sentido, não poderá o perito receber qualquer remuneração que não seja pactuada no ato da nomeação, sob pena de configurar parcialidade em sua atuação no processo:
Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:
IV – Receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio; ” (grifo nosso)

Portanto, uma vez nomeado pelo juiz, competirá ao referido profissional, nos termos do art. 465, CPC, §2º:
“§ 2º Ciente da nomeação, o perito apresentará em 5 (cinco) dias:
I – Proposta de honorários”
(Grifo nosso)
Fica claro que ao perito compete estabelecer seus honorários para cumprir o encargo, considerando que a complexidade e o dispêndio de tempo necessários para desempenhar a função:
Art. 473, CPC, § 3º Para o desempenho de sua função, o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia. ” (Grifo nosso)
Neste dispositivo, verificamos que tudo aquilo que o perito oficial tem direito de realizar para buscar a verdade real, os Assistentes Técnicos (AT) da parte também terão direito.
De forma esquemática, apresentamos as principais diferenças entre o trabalho do perito e do AT:

Enfrentaremos a seguir os aspectos éticos acerca da cobrança do honorário de êxito.
III – Honorários de êxito:
De plano, já está claro que o perito não pode sob o ponto de vista LEGAL receber dádivas, pois macularia a imparcialidade no processo.
Adicionalmente, a previsão ética encontra mesma sintonia:

Código de ética médica (CEM)
É vedado ao médico:
Art. 96. Receber remuneração ou gratificação por valores vinculados à glosa ou ao sucesso da causa, quando na função de perito ou de auditor.
” (Grifo nosso)
Mas e quanto ao Assistente técnico (AT) médico?
O CPC leciona que o AT é de confiança das partes (sujeito parcial), competindo a elas indicação:
Art. 465. O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo.
§ 1º Incumbe às partes, dentro de 15 (quinze) dias contados da intimação do despacho de nomeação do perito: (…)
II – Indicar assistente técnico”
(Grifo nosso)
Portanto, do ponto de vista LEGAL, o AT é LIVRE para pactuar com a parte a forma como será remunerado.
E do ponto de vista ético, pode o AT realizar contrato com previsão de remuneração de êxito?
Ao aprofundar na principiologia do Código de ética médica temos o importante postulado:
“III – Para exercer a medicina com honra e dignidade, o médico necessita ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.
Tal princípio é ratificado como Direito do Médico:
“X – Estabelecer seus honorários de forma justa e digna.
Neste sentido, competirá ao AT médico avaliar criteriosamente a complexidade do trabalho a ser realizado: estimar o tempo que deverá dispender no estudo de viabilidade, na execução do ato pericial, na confecção do parecer técnico, na elaboração de quesitos iniciais, suplementares e de esclarecimento, bem como a necessidade de diligências adicionais.
Ao realizar esta análise, o médico está fielmente alinhado aos preceitos do CEM, especialmente outro direito previsto ao Médico:
“VIII – Decidir, em qualquer circunstância, levando em consideração sua experiência e capacidade profissional, o tempo a ser dedicado ao paciente sem permitir que o acúmulo de encargos ou de consultas venha prejudicar seu trabalho.
Portanto, é totalmente compreensível, o médico apresentar diversas espécies de orçamento ao seu cliente, considerando o seu portfólio de serviços que poderá prestar no ato da contratação:
É vedado ao médico:
Art. 61. Deixar de ajustar previamente com o paciente o custo estimado dos procedimentos.

O cliente poderá contratar “in totum” o serviço do assistente técnico, ou mesmo poderá contratá-lo apenas para fazer um estudo de viabilidade jurídica para que seja intentada uma ação, à posteriori, por exemplo.
As partes, contratante (periciado) e contratado (médico), tem total liberdade para pactuar a forma de remuneração conquanto não avilte a Medicina (Remuneração profissional – “É vedado ao médico Art. 58. O exercício mercantilista da medicina. ”) ou pratique concorrência desleal com outro médico (relação entre médicos – “É vedado ao médico: art. 51. Praticar concorrência desleal com outro médico. ”)
O art. 66, § único, do CEM estabelece:
É vedado ao médico:
Art. 66. Praticar dupla cobrança por ato médico realizado.
Parágrafo único. A complementação de honorários em serviço privado pode ser cobrada quando prevista em contrato.
” (Grifo nosso)
Neste sentido, é FACTÍVEL o AT pactuar honorários de êxito com seu cliente, com a atuação profissional alinhada os princípios fundamentais éticos:
“Princípios fundamentais:
II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
V – Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade.

Por fim, devemos deixar claro que esta remuneração variável por meio de honorários de êxito do AT envolve o escopo pericial, não abrangendo a seara assistencial:
É vedado ao médico
Art. 62. Subordinar os honorários ao resultado do tratamento ou à cura do paciente.
” (Grifo nosso)

Portanto, inexistindo a prática contratualizada assistencial à saúde, o AT tem liberdade para definir como irá realizar a cobrança de seus honorários junto à parte.

Um forte abraço a todos!

Autor: Rodrigo Tadeu de Puy e Souza – Médico. Advogado. Pós-Graduado em Medicina do Trabalho. Mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: rodrigodepuy@yahoo.com. Site: www.pimentaportoecoelho.com.br

O Dr. Rodrigo Tadeu de Puy e Souza escreve periodicamente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Puy”. Contatos: www.rodrigodepuy.com.br ; e-mail contato@rodrigodepuy.com.br

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Rodrigo Tadeu de Puy e Souza, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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