03 fev 2020

Que os médicos possam anunciar suas pós-graduações

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Prezados leitores.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) abriu no dia 01 de fevereiro de 2020 (sábado) o processo de consulta pública para colher sugestões visando a atualização da Resolução CFM n. 1.974/2011, que regulamenta a propaganda e publicidade médicas. Podem participar médicos e entidades representativas do segmento. As contribuições podem ser feitas por meio de uma plataforma eletrônica que pode ser acessada clicando AQUI.

Por julgar oportuno para o fomento do necessário e sadio debate que antecede a modificação de uma norma tão importante como essa, transcrevo aqui minha contribuição.

Pelo convencimento legal que tenho sobre o tema, sugiro que seja revogado o seguinte item da vigente Resolução CFM nº 1.974/2011:

“Art. 3, inciso ‘L’: Fica expressamente vetado o anúncio de pós-graduação (grifo nosso) realizada para a capacitação pedagógica em especialidades médicas e suas áreas de atuação, mesmo que em instituições oficiais ou por estas credenciadas, exceto quando estiver relacionado à especialidade e área de atuação registrada no Conselho de Medicina.”

Sei que serei alvejado pelas mais severas críticas com esse posicionamento. Sei que muitos desses críticos sequer lerão as justificativas que colocarei ao longo desse texto. Por fim, sei que muitos (em especial aqueles que me conhecem minimamente) alegarão o meu real conflito de interesse na defesa da revogação que ora sugiro. Dou-lhes razão nesse aspecto.

Aos que não sabem, deixo claro, portanto, o meu real e inquestionável conflito de interesse ao opinar sobre pós-graduações na área médica. Há mais de 10 anos, dirijo com enorme orgulho uma empresa que atua nesse segmento. Trata-se da Faculdade CENBRAP.

Isto posto, convido-os a lerem meus argumentos até o fim. Aliás, sequer são meus. É do próprio Estado brasileiro, já que advêm da própria legislação. Vejamos.

A Resolução CFM n. 1.974/2011 [e também a sua futura substituta] está ancorada no Decreto-Lei n. 4.113/1942, que regula a propaganda de médicos, cirurgiões, dentistas, parteiras, massagistas, enfermeiros, de casas de saúde e de estabelecimentos congêneres, e a de preparados farmacêuticos.

Os mais cuidadosos observarão que o Decreto-Lei n. 4.113/1942 é citado nas próprias considerações da Resolução CFM n. 1974/2011, transcrevo:

“CONSIDERANDO o Decreto-lei nº 20.931/32, o Decreto-lei nº 4.113/42 (grifo nosso), o disposto no Código de Ética Médica e, notadamente, o art. 20 da Lei nº 3.268/57, que determina: “Todo aquele que mediante anúncios, placas, cartões ou outros meios quaisquer se propuser ao exercício da medicina, em qualquer dos ramos ou especialidades, fica sujeito às penalidades aplicáveis ao exercício ilegal da profissão, se não estiver devidamente registrado”.

Mas o que diz o Decreto-Lei n. 4.113/1942 sobre a publicidade médica? Replico um trecho dele:

“Art. 1. É proibido aos médicos anunciar: (grifo nosso)
I – cura de determinadas doenças, para as quais não haja tratamento próprio, segundo os atuais conhecimentos científicos;
II – tratamento para evitar a gravidez, ou interromper a gestação, claramente ou em termos que induzam a estes fins;
III – exercício de mais de duas especialidades, sendo facultada a enumeração de doenças, órgãos ou sistemas compreendidos na especialização;
IV – consultas por meio de correspondência, pela imprensa, caixa postal, rádio ou processos análogos;
V – especialidade ainda não admitida pelo ensino médico, ou que não tenha tido a sanção das sociedades médicas;
VI – prestação de serviços gratuitos, em consultórios particulares;
VII – sistematicamente, agradecimentos manifestados por clientes e que atentem contra a ética médica;
VIII – com alusões detratoras a escolas médicas e a processos terapêuticos admitidos pela legislação do pais;
IX – com referências a métodos de tratamento e diagnóstico não consagrados na prática corrente ou que não tenham tido a sanção das sociedades médicas;
X – atestados de cura de determinadas doenças, para as quais não haja tratamento estabelecido, por meio de preparados farmacêuticos.
§ 1º As proibições deste artigo estendem-se, no que for aplicável, aos cirurgiões dentistas.”

E o texto prossegue abaixo, com a parte mais importante no que se refere a temática “pós-graduações médicas”:

“§ 2º Não se compreende nas proibições deste artigo anunciar o médico ou o cirurgião dentista seus títulos científicos (grifo nosso), o preço da consulta, referências genéricas à aparelhagem (raio X, rádio, aparelhos de eletricidade médica, de fisioterapia e outros semelhantes); ou divulgar, pela imprensa ou pelo rádio, conselhos de higiene e assuntos de medicina ou de ordem doutrinária, sem caráter de terapêutica individual.”

Em outras palavras e de forma sintética: o Decreto-Lei n. 4.113/1942 não proíbe ao médico o anúncio de seus títulos científicos, ou seja, o anúncio de pós-graduação na área médica não pode ser proibido por força de lei. Simples e direto assim.

Alguns logo perguntarão: mas “decreto-lei é lei?” Apesar do nome diverso, decreto-lei e lei se equivalem legalmente. Como bons exemplos de decretos-lei costumeiramente evocados no mundo jurídico cito o Código Penal (Decreto-Lei n. 2.848/1940) e a CLT (Decreto-Lei n. 5.452/1943).

Pois bem, se o Decreto-Lei n. 4.113/1942 tem status de lei, conforme regra basilar do Direito Administrativo, ele não pode ser afrontado por uma norma de menor hierarquia (como é o caso de uma resolução, em que pese a importância desta resolução). Uma resolução quando afronta uma lei, sendo questionada judicialmente, deve ser declarada ilegal. É o que estabelece o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema:

“Normas inferiores não podem inovar ou contrariar normas superiores, mas unicamente complementá-las e explicá-las, sob pena de exceder suas competências materiais, incorrendo em ilegalidade.” (STF – Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.398-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 25.06.2007)

Alguém dirá: “mas Marcos, isso já foi assunto dos tribunais por diversas vezes e, até onde sei, os tribunais também concordam que o anúncio das pós-graduações que não se se relacionam com a área na qual o médico já é reconhecido como especialista pelo CFM/CRMs não pode ser feito”. É verdade. Conquanto não seja minha intenção, soará prepotente o que afirmarei agora: o posicionamento dos tribunais se justifica em boa parte porque o Decreto-Lei n. 4.113/1942 é desconhecido, inclusive, entre renomados juristas atuantes no Direito Médico. Portanto, ele não é usado como argumentação ou é pouco explorado nos mais diversos processos judiciais sobre essa temática.

Alguns também dirão: “Eu não concordo com você, Marcos. É dever do CFM proteger as especialidades e os verdadeiros especialistas da concorrência desleal que se estabelece entre os próprios médicos”. Compreendo. Também sou médico e coaduno com o Conselho Federal de Medicina quando, em defesa da Resolução CFM n. 1.974/2011, alega que muitos pacientes podem ser confundidos. Por exemplo, se alguém divulga que é “Pós-Graduado em Pneumologia”, isso pode sim gerar uma falsa impressão de que aquele profissional necessariamente é um “Pneumologista” [um médico com certificado de residência médica em Pneumologia e/ou título de especialista em Pneumologia, registrado(s) no seu respectivo CRM], o que pode não ser verdade.

No entanto, a visão do CFM (ou a minha) pouco importa se a legislação disser o inverso.  Essa é (ou pelo menos deveria ser) a regra… e para todos. Admitir o contrário seria afirmar que o ditado “ninguém está acima da lei” deve ser reinterpretado para “ninguém, exceto o CFM (ou eu), está acima da lei”, o que seria absurdo sob todos os pontos de vista.

Para dar mais corpo às minhas justificativas eu poderia evocar aqui questões como: “a censura foi proibida pela Constituição Federal, por isso o médico não pode ser censurado nos anúncios que faz, embora tenha responsabilidade sobre isso” ou então “enquanto profissionais não-médicos são incentivados a fazer publicidade dos seus serviços, os médicos vêm perdendo seu espaço profissional por proibições de publicidade feitas pelo próprio Conselho”. Não é o caso. Sendo bem delimitado no objeto e fundamentação da minha análise, me parece, com todo respeito aos discordantes, que já temos elementos jurídicos suficientes para a revogação da alínea “L” do art. 1 da vigente Resolução CFM n. 1.974/2011, que aliás, na minha modesta opinião (e pelos argumentos já feitos), se equivoca legalmente desde o momento em que foi publicada.

Sim, darei minha contribuição ao CFM com esse texto. Faça sua parte também. As contribuições podem ser feitas por meio de uma plataforma eletrônica que pode ser acessada clicando AQUI.

Autor: Marcos Henrique Mendanha (Instagram: @professormendanha): Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito do Trabalho. Autor do livro “Limbo Previdenciário Trabalhista – Causas, Consequências e Soluções à Luz da Jurisprudência Comentada” (Editora JH Mizuno), e “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Coautor do livro “Desvendando o Burn-Out – Uma Análise Multidisciplinar da Síndrome do Esgotamento Profissional” (Editora LTr). Diretor e Professor da Faculdade CENBRAP. Mantenedor dos sites SaudeOcupacional.org e MedTV. Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas, e do Congresso Brasileiro de Psiquiatria Ocupacional. Diretor Técnico da ASMETRO – Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda (Goiânia/GO). Colunista da Revista PROTEÇÃO. 

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Marcos Henrique Mendanha, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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