14 dez 2017

Deficiência Física e exageros em perícias médicas

postado em: Coluna do Cenci

Nenhum comentário.

Essa classificação, Deficiência Física, se impõe se diante de uma determinada população comparativa em que certas pessoas, do ponto de vista físico, tenham objetivamente significativa incapacidade de realizar o que se espera como desempenho do padrão médio das pessoas que compõem esse grupo. Portanto, certas limitações que não produzam dificuldades para o desempenho de funções, não podem e não devem ser entendidas como Deficiência Física.

Será, obrigatória, avaliada caso a caso, não se aceitando qualquer tipo de classificação que suscite discriminação coletiva ou individual, positiva ou negativa!

Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência):

Art. 4. Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.
§ 1. Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas. (n.g.)

Desde logo, cabe ponderar que quem avalia para fins de classificação, seja individualmente ou por equipe multidisciplinar, não recusa ou concede adaptações razoáveis, tampouco impede ou disponibiliza o fornecimento de tecnologias assistidas, ou seja, não discrimina, pois, se assim fosse, nunca avaliaria no sentido de indicar que tal pessoa não tem Deficiência Física.

Para fins de classificação objetiva, deveria ser considerado Deficiente Físico aquela pessoa que necessita, de forma obrigatória e permanente, de medida de acessibilidade para realizar o mesmo que as pessoas que não necessitam de tais medidas de acessibilidade [1]. Tal acessibilidade não pode ser decorrente de mera opção, mas medida imperiosa que, se não disponibilizada, será método de barreira excludente da participação dessa pessoa no cotidiano comum de uma determinada população. Se prótese ou órtese dispensa, sempre e em qualquer situação, medida de acessibilidade, poder-se-á considerar, para o caso específico, que está superada a classificação de Deficiência Física.

Se impõem afirmar que a pessoa avaliada deverá se encontrar em fase estabilizada, especialmente para fins da concessão de benefícios, pois, deve-se excluir a Deficiências Físicas Temporárias, já que quando tratadas, permitem que o indivíduo volte ou mantenhas às suas condições anteriores, assim como a chamada Deficiência Física Recuperável (quando permite melhora diante do tratamento, ou suplência por outras áreas corporais não atingidas), ou a Deficiência Física Compensável (condição que permite melhora por substituição de órgãos. Por exemplo, a amputação compensável pelo uso da prótese).

As causas são variadas: adquirida, hereditárias ou congênitas, variando desde as decorrentes de lesões neurológicas e neuromusculares até má-formação congênita – ou outras condições adquiridas, como hidrocefalia ou paralisia cerebral, e para fins da sua classificação, pouco importa, não havendo necessidade que seja decorrente e/ou se associe a doença grave.

Adentrando na norma jurídica, os principais tipos de deficiência física, segundo o Decreto nº 3.298 de 20 de dezembro de 1999 e Decreto n° 5.296 de 2 de dezembro de 2004, são expressas por alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções.

“A garantia da qualidade de vida e o pleno exercício da cidadania do indivíduo com deficiência física, dependem da acessibilidade, que consiste na liberdade de um indivíduo locomover-se sem restrições, vindo a exercer seus direitos a educação, saúde e trabalho.” [SILVA, D. C. N. et al. Acessibilidade de portadores de deficiência física ou mobilidade reduzida na Unidade Básica de Saúde Jonas Manoel Dias em São Luís de Montes Belos – GO. Revista Faculdade Montes Belos (FMB), v. 8, n. 3, p. 36-179, 2014.] (n.g.)

Poder-se-ia dizer até que, Deficiência Física é do meio (ambiente) e não do próprio indivíduo!

Lei n. 13.146, de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), no seu Art. 3, diz:

“Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se:

I – acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida; […]

VI – adaptações razoáveis: adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais”. (n.g)

Pessoas com limitações físicas em graus leves, por exemplo, aquelas inerentes a idade, do sexo, grau de sobre-peso etc., não podem ser discriminadas e classificadas como Deficientes Físicas, exigindo desses por extremo rigor de avaliação que tenham reduzidas às garantias de manter-se com os direitos e responsabilidade das pessoas em geral – Constituição Federal, CAPÍTULO I, DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…”, impondo-lhes medidas restritivas, por exemplo, impedindo-os de dirigir veículos comuns e se exigindo adaptações não razoáveis.

Destarte, limitações inerentes da idade, sexo etc., se em grau moderado ou intenso, mesmo que não nos portadores de doenças graves ou que não estejam sob tratamento médico, poderão sim vir a ser classificados como pessoas Deficientes Físicos, clarificando que a pessoa com Deficiência Física não pode ser entendida como portadora de doença!

Tal classificação, Deficiência Física, não é indicativo de minus valia ou qualquer outra forma negativa de se reconhecer – portador de doença. Tal classificação deve ser entendida meramente como um marcador populacional, necessário e oportuno de ser manifesto (sem qualquer vergonha ou reserva, porém, sem exageros!), para que às pessoas em geral saibam o que fazer e como agir se o padrão populacional assim se apresenta, inclusive no trabalho.

[1] É um atributo essencial do ambiente que garante a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Garante as pessoas o direito de viver de forma independente e exercer seus direitos de cidadania e de participação social.

Autor: Autor: Dr. Rubens Cenci Motta (SP) – Médico – Especialista pela Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina em Medicina Legal e Perícia Médica, Clínica Médica, Hemoterapia e Medicina do Tráfego. Certificado pela Associação Médica Brasileira e SBPM na Área de Atuação Categoria Especial em Perícias Médicas. Certificado pelo Conselho Federal de Medicina na Área de Atuação de Medicina de Urgência. Especialista em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito. Habilitação para ensino no Magistério Superior (classe A). Professor e Supervisor de Práticas Profissionais do Curso de Pós-graduação em Perícias Médicas e Medicina do Trabalho da Universidade Camilo Castelo Branco — Unicastelo. Coordenador do Curso de Pós-graduação em Perícia Médica com ênfase em Atuação e Métodos — Unicastelo. Coordenador do Curso de Pós-graduação em Readaptação e Reabilitação Profissional — Universidade Camilo Castelo Branco — Unicastelo. Perito Oficial Prefeitura do Município de Piracicaba; Perito Judicial junto ao TRT 15ª Região – Campinas, SP; Perito Judicial junto ao TRF; Perito Judicial TJ-SP. Assistente Técnico de várias bancas advocatícias e empresas públicas e privadas. Palestrante e Consultor Técnico de diversas empresas e instituições, públicas e privadas, na área de Gestão Médico-Administrativa de RH, Médico Legal, Perícia Médica, Qualidade de Vida, Reabilitação Profissional, Hospitalar, Saúde e Segurança. Autor dos livros “Crônicas em Perícias Médicas, DORT & Reabilitação Profissional” — Editora LTr, 1ª ed., 2011 — 2ª ed., 2012 – 3ª ed., 2014; “Conceitos Básicos de Perícia Médica”. Editora Átomo, 2012; “Manual de Iniciação em Perícias Médicas”. Editora LTr, 1ª ed., 2013 – 2ª ed. 2014. Articulista da Editora LTr — Revista de Previdência Social e Suplemento Trabalhista. Prêmio Nacional de Reabilitação Profissional — CBSSI-OISS — 1º Lugar — 2009. Autor do Trabalho Científico “Ergonomia Cognitiva: promovendo qualidade de vida no trabalho a partir de método diagnóstico participativo”, aprovado e apresentado no 4º Congresso Brasileiro de Perícia Médica Previdenciária, 2.013 – Recife, PE e no 2º Congresso Brasileiro de Medicina Legal e Perícias Médicas, 2014 – Florianópolis, SC. Secretário Municipal de Saúde da Prefeitura do Município de Piracicaba. Disciplinou Setor de Vigilância Sanitária e criou Equipe de Vigilância em Atividade de Trabalho, definindo suas competências – Lei 069/96 – Decreto 7401/96 – 1996. Disciplinou as atividades do Ambulatório de Saúde do Trabalhador com equipe multidisciplinar – Decreto 7509 – 1997.

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

Assine a newsletter
saudeocupacional.org

Receba o conteúdo em primeira mão.