05 nov 2016

Assistente técnico não médico pode atuar em perícia médica?

Nenhum comentário.

Imaginemos uma perícia judicial, deferida por um juiz atuante na Justiça do Trabalho, para detecção (ou não) de uma doença ocupacional. No ambiente da consulta médico-pericial, estão presentes: o perito médico, o periciando, e apenas um assistente técnico. No entanto, ao ver a documentação desse assistente técnico, o perito médico descobre que ele é, por exemplo, um médico veterinário. E agora? O perito médico deve ou não permitir a participação desse outro profissional como assistente técnico dessa perícia médica?

Se estivéssemos falando de uma perícia previdenciária junto ao INSS, o assistente técnico necessariamente deveria ser um médico, tal qual o perito. Vejamos o que diz a Lei n. 8.213/1991, em seu art. 42, § 1º:

“A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.”

O “médico” ao qual se referiu esse artigo, é o próprio assistente técnico do segurado. No entanto, vale a pena lembrar que a Lei n. 8.213/1991 é específica para questões relacionadas à Previdência Social.

Para uma perícia médica na Justiça do Trabalho, a lei mais específica é a Lei n. 5.584/1970. Porém, sobre qual qualificativo deve ter o assistente técnico ela nada fala. Dessa forma, subsidiariamente, aplicamos o novo Código de Processo Civil (CPC):

“Art. 466, parágrafo 1o. Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimento ou suspeição.”

O texto do CPC não deixa dúvidas: assistente técnico pode ser qualquer profissional, desde que seja de confiança da parte. De maneira análoga é a escolha do perito, que também pode ser qualquer profissional, desde que seja qualificado e de confiança do juízo, nos termos do CPC. A escolha do nome do perito está dentro da margem de discricionariedade do juiz.

É importante lembrar que a escolha de um assistente técnico é uma opção (e não uma obrigação) dada às partes do processo. Com ou sem a escolha do assistente técnico, a perícia ocorrerá. Ora, se é uma opção, todo ônus e todo bônus pela escolha de um (bom ou mau) assistente técnico recairá sobre a parte que o escolheu.

Do CPC, extraímos que as partes são livres para escolherem os assistentes técnicos que desejarem, entre quaisquer profissionais: não há nenhum tipo de impedimento ou suspeição nessas escolhas. Todavia, se escolherem bem, a chance de um bom resultado no processo aumenta. Se escolherem mal, a chance de um mau resultado também será considerável.

Nesse contexto, imaginem-se como técnicos de uma determinada equipe de futebol. Alguém escalaria um exímio piloto de Fórmula 1 para ser o zagueiro do seu time? Penso que não, pois, se assim fizesse, não estaria escolhendo o melhor profissional para defendê-lo, por mais brilhante que esse profissional fosse numa outra área. Assim deve ser o pensamento das partes na hora de escolherem seus assistentes técnicos. A pergunta a ser respondida é: qual profissional é o mais qualificado para atuar na defesa dos interesses da parte que o contratará? Na confecção dessa resposta, devem ser obrigatoriamente avaliados itens como: formação acadêmica, currículo e experiência pericial desse candidato.

E com relação aos aspectos éticos da perícia médica? Caso o perito (médico) verifique a presença de um assistente técnico (não médico), como deverá portar-se?

Enquanto o CPC diz que “os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimentos ou suspeição”, assim coloca o Parecer n. 9/2006 do CFM (Conselho Federal de Medicina):

“O exame médico-pericial é um ato médico. Como tal, por envolver a interação entre o médico e o periciando, deve o médico perito agir com plena autonomia, decidindo pela presença ou não de pessoas estranhas ao atendimento efetuado, sendo obrigatórias a preservação da intimidade do paciente e a garantia do sigilo profissional, não podendo, em nenhuma hipótese, qualquer norma, quer seja administrativa, estatutária ou regimental, violar este princípio ético fundamental.”

E agora? Se verificado o conflito entre as duas normas, qual deve seguir o perito médico?

Vale lembrar que num processo judicial o juiz é o árbitro, e os peritos são seus auxiliares, como nos ensina art. 169 do novo CPC. Os auxiliares não devem obedecer a regras processuais próprias, mas, sim, as mesmas regras estabelecidas ao/pelo magistrado, o árbitro do processo.

Apenas para ilustrar, imaginem um árbitro de futebol e seus auxiliares (“bandeirinhas”). Imaginem que um desses auxiliares não entenda nada das regras do futebol, mas apenas de regras de basquete. Não precisamos de muito esforço para prever que alguma coisa não vai dar certo nessa arbitragem. Esse jogo será terrível! Nessa ilustração, o magistrado é o árbitro de futebol, e os “bandeirinhas” são os peritos. Estes últimos devem, obviamente, conhecer e seguir as mesmas regras do magistrado.

Assim, nossa convicção, que acreditamos não ser majoritária, é que, no caso da perícia médica na Justiça do Trabalho realizada com um assistente técnico não médico, o CPC é a regra que deve imperar, pois possui status de lei ordinária, e está hierarquicamente superior às normativas expedidas pelo CFM, como o respeitável Parecer n. 9/2006. O Código de Processo Civil é a regra que, provavelmente, norteará o magistrado. Sendo assim, no nosso entendimento, o perito médico, como auxiliar do juiz que é, deve também obedecer ao CPC, e não impedir a participação de nenhum assistente técnico (seja ele médico, ou não médico) nomeado pela(s) parte(s) para acompanhar o ato pericial. Na mesma esteira, vem o julgado abaixo:

“EMENTA: RECURSO DA RECLAMADA. NULIDADE PROCESSUAL POR CERCEAMENTO DE DEFESA. PARTICIPAÇÃO DE ASSISTENTE TÉCNICO NA PROVA PERICIAL. Configura cerceamento de defesa a proibição da participação de assistente técnico indicado pela reclamada para acompanhar a perícia médica, pelo fato de possuir formação em fisioterapia e não em medicina, diante da ausência de vedação a respeito. Caracterizada ofensa ao art. 421, § 1º, inciso I, do (antigo – grifo nosso) CPC, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho por força do art. 769 da CLT, bem como ao art. 5º, inciso LV, da Constituição da República. Determina-se o retorno dos autos à origem, a fim de que seja oportunizada ao assistente técnico da reclamada a participação na prova pericial. Recurso parcialmente provido.” (RO 0018100-45.2008.5.04.0241 — TRT — 4ª Região)

Em caso de lamentáveis conflitos normativos, por que o perito médico deve optar pela regra usada pelo juiz (e não pela regra emanada, por exemplo, pelo CFM)? Vejamos:

• num caso hipotético, se alguma provável sindicância do CFM concluir que um médico não cometeu nenhuma infração ética, mas, por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz entender que o registro desse médico deva ser cassado. Nesse caso, qual decisão prevalecerá: a do CFM ou a do juiz?

• De maneira inversa: se uma provável sindicância do CFM cassar o exercício profissional de um determinado médico, mas, por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz absolver esse médico de qualquer acusação. Mais uma vez, que decisão prevalecerá: a do CFM ou a do juiz?

Como nas 2 perguntas a resposta foi a mesma (prevalecerá a decisão do juiz), para nós, dúvidas não restam que, em casos de lamentáveis conflitos normativos, mesmo procedendo todas as tentativas pertinentes de preservação da intimidade do periciando, e fazendo sempre o uso do bom-senso, é melhor obedecer às regras judiciais (no caso, o CPC), do que às eventuais regras administrativas divergentes estabelecidas pelo CFM. Ressaltamos aqui a extrema importância das regras confeccionadas pelo CFM. Esse texto enfoca uma rara situação em que poderá haver conflito entre a norma ética (editada pelo CFM) e o texto legal (contido no CPC).

Ao permitir a entrada de um assistente técnico não médico, o perito médico não estaria sendo conivente com o “exercício ilegal da medicina”?

Acreditamos que não. O outro profissional não assinará como médico, mas como profissional que é. E, sobre isso, vejamos o que diz a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso IX:

“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”

Apenas para ilustrar: imaginem um sujeito espirrando num supermercado. A caixa do estabelecimento o diz: “isso é gripe, portanto, tome azitromicina, senão, irá ficar uns 30 dias com esses sintomas”. Percebam que interessante: a caixa do supermercado lhe deu diagnóstico, tratamento e prognóstico. Desde de não se identifique como médica, agiu ela com “exercício ilegal da medicina”? Entendemos que não. Qualquer pessoa pode opinar sobre algum “tema médico”, mesmo não gozando de credibilidade para isso.

Por tudo isso, estamos convencidos de que esse outro profissional não médico (na figura de um assistente técnico de uma perícia médica) não realiza exercício ilegal da medicina. Ele apenas dá uma opinião sobre um “tema médico”, e se identifica por isso como profissional que é. Ratificamos: qualquer pessoa pode opinar sobre algum “tema médico”, mesmo não gozando de credibilidade para isso.

Corrobora com esse raciocínio o novo Código de Processo Civil (CPC), que assim coloca:

“Art. 466, parágrafo 1o. Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimento ou suspeição.”

Pelo que diz a lei acima, independente da profissão, o assistente técnico de uma perícia judicial não pode ter impedida a sua participação.

Visão divergente

Mesmo com todas as fundamentações que fizemos, acreditamos que o entendimento majoritário é diferente do nosso e não entende como adequada a participação de assistentes técnicos não médicos em “perícias médicas”. Nessa esteira, vem o bem argumentado julgado abaixo.

AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. PERÍCIA TÉCNICA. NOMEAÇÃO DE PROFISSIONAL FISIOTERAPEUTA COMO ASSISTENTE TÉCNICO. IMPOSSIBILIDADE.

1. No presente caso, a parte autora, ora agravante, requereu a realização de perícia técnica para comprovação de exercício de atividade especial, e nomeou profissional fisioterapeuta, como assistente técnico do perito.

2. Para fins de expedição do PPP, a empresa deve emitir laudo técnico de condições ambientais do trabalho, elaborado por profissional médico ou engenheiro do trabalho, conforme disposto no caput e § 1º do artigo 58 da Lei 8.213/9, com redação dada pela Lei 9.528/97, de modo que outro não deve ser o entendimento, quando se trata de perícia técnica realizada por profissional do Juízo.

3. Embora seja mero assessor da parte, não estando sequer sujeito à suspeição ou impedimento (artigo 422 do CPC), ao assistente técnico foram outorgados os mesmos poderes atribuídos aos peritos nomeados pelo Juízo, sendo imprescindível, portanto, seu conhecimento técnico sobre o assunto.

4. O profissional com formação em fisioterapia, de fato, não possui a capacitação técnica exigida para acompanhar a perícia em questão.

5. Agravo a que se nega provimento.

(AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0023639-71.2013.4.03.0000/SP)

AutorProf. Marcos Henrique Mendanha (GO) – Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP. Perito Judicial / Assistente Técnico junto ao TRT-GO e TRF-GO. Diretor Técnico da ASMETRO – Assesoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda. Autor do livro “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Mantenedor do site www.saudeocupacional.org. Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas (realização anual). Coordenador Geral do CENBRAP – Centro Brasileiro de Pós-Graduações.

O Prof. Marcos Henrique Mendanha é editor do SaudeOcupacional.org e escreve no “Reflexõs do Mendanha”

Assine a newsletter
saudeocupacional.org

Receba o conteúdo em primeira mão.