02 mar 2016

Exames toxicológicos para motoristas: principais dúvidas

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Prezados leitores.

Abaixo, tentei colocar, de forma bem didática, as principais dúvidas relativas aos exames toxicológicos dos motoristas profissionais, que se tornam obrigatórios à partir de hoje (02/03/2016) nos exames admissional e demissional.

A própria referência legal dessa exigência é um tanto confusa. A Lei n. 13.103/2015 exigiu a realização dos exames toxicológicos, tanto para obtenção/revalidação de CNHSs (tipos C, D e E), quanto para exames admissionais e demissionais. Ou seja, ela modificou de uma só vez, tanto o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), quanto a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “Querer matar 2 coelhos com uma cajadada só”, como fez a Lei n. 13.103/2015, traz um enorme perigo de produção de regulamentações posteriores que se conflitam entre si. Por que? Pois a regulamentação da lei quanto ao CTB é feita pelo CONTRAN. Já a regulamentação da lei referente à CLT é feita pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS).

No sentido de regulamentar a Lei 13.103/2015, o CONTRAN editou a Resolução n. 529/2015. Já o MTPS, confeccionou a Portaria MTPS n. 116/2015. E como previsto… é claro que essas duas resoluções tiveram alguns pontos conflitantes. E é aí que temos que nos esforçar para interpretar corretamente se quisermos andar dentro da legalidade.

Espero que tirem algum proveito do questionário explicativo que propomos abaixo. Boa leitura!

EXAMES TOXICOLÓGICOS PARA CNHs

1) A liminar expedida pela 9a Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo (Processo n. 0016081-13.2015.403.6100), que suspendeu a necessidade dos exames toxicológicos previstos na Lei n. 13.103/2015 e Resoluções n. 517/2015 e 529/2015 do CONTRAN, vale para todo país?

R.: Não. Apenas para o estado de São Paulo, uma vez que a provocação do judiciário foi feita pelo DETRAN-SP para que os efeitos jurídicos deste processo recaíssem apenas sobre essa região.

2) Por que a justiça concedeu essa liminar?

R.: Pois em São Paulo, a justiça entendeu não haver laboratórios credenciados nos termos das normas do Contran, que sejam em número suficiente para correta e efetiva aplicação do art. 148-A do Código de Trânsito Brasileiro (que exige os exames toxicológicos para habilitação e renovação de CNHs das categorias C, D e E).

3) Essa liminar ainda está em vigor?

R.: Conforme consulta realizada no site da Justiça Federal de São Paulo em 01/03/2016, a liminar está em vigor.

MISTURANDO: EXAMES OCUPACIONAIS COM EXAMES PARA CNHs

4) A Portaria MTPS n. 116/2015 estabelece que, para fins de exames ocupacionais (admissional e demissional), os exames toxicológicos somente poderão ser realizados por laboratórios acreditados pelo CAP-FDT – Acreditação forense para exames toxicológicos de larga janela de detecção do Colégio Americano de Patologia – ou por Acreditação concedida pelo INMETRO de acordo com a Norma ABNT NBR ISO/IEC 17025, com requisitos específicos que incluam integralmente as “Diretrizes sobre o Exame de Drogas em Cabelos e Pelos: Coleta e Análise” da Sociedade Brasileira de Toxicologia, além de requisitos adicionais de toxicologia forense reconhecidos internacionalmente. Com uma ressalva: a Portaria MTPS n. 116/2015 também diz que, quando os exames toxicológicos tiverem sido realizados há, no máximo, 60 dias do admissional ou demissional, as regras do Contran são suficientes. E agora? Qual regra seguir? Qual laboratório procurar para fazer os exames toxicológicos do admissional e do demissional?

R.: Só há possibilidade de discrepância nas regras quando os exames toxicológicos tiverem sido realizados há mais de 60 dias, seja do admissional, seja do demissional. Se o intervalo for de até 60 dias, não há dúvida: as regras do Contran são suficientes.

O conflito de regras aparece quando os exames toxicológicos tiverem sido realizados há mais de 60 dias, seja do admissional, seja do demissional. Se ninguém questionar, é assim que vai ficar. Porém, me atrevo a dar um argumento para os que quiserem questionar esse ponto da Portaria MTPS n. 116/2015 na Justiça. Doutrinariamente, uma resolução jamais se sobrepõe a uma lei. E a Lei n. 13.105/2015 é clara em dizer que apenas as regras do Contran devem ser seguidas. Elas são suficientes em qualquer caso, seja em intervalos maiores ou menores do que 60 dias, já que a lei não fez nenhuma exigência desse prazo. Vejamos o que diz a Lei n. 13.105/2015:

Art. 13. O exame toxicológico com janela de detecção mínima de 90 (noventa) dias de que tratam o art. 148-A da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, os §§ 6º e 7º do art. 168 e o inciso VII do art. 235-B da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, será exigido:

I – em 90 (noventa) dias da publicação desta Lei, para a renovação e habilitação das categorias C, D e E;

II – em 1 (um) ano a partir da entrada em vigor desta Lei, para a admissão e a demissão de motorista profissional;

(…)

Parágrafo único. Caberá ao Contran estabelecer adequações necessárias ao cronograma de realização dos exames. (grifos nossos)

Percebam: seja para obtenção/renovação de CNHs, seja para exames ocupacionais, conforme a Lei n. 13.105/2015 “caberá ao Contran estabelecer adequações necessárias ao cronograma de realização dos exames”. Portanto, na minha opinião, quando a Portaria MTPS n. 116/2015 exige outros tipos de laboratórios diferentes daqueles que apenas atendam as regras do Contran, ela extrapola sua competência e incorre em ilegalidade. Que os juízes, caso provocados, avaliem essa minha tese. Até que isso aconteça, no entanto, a Portaria MTPS n. 116/2015 deve ser respeitada. Isto é, quando os últimos exames toxicológicos tiverem sido realizados há mais de 60 dias, seja do admissional, seja do demissional, os novos exames toxicológicos devem ser realizados somente por “laboratórios acreditados pelo CAP-FDT – Acreditação forense para exames toxicológicos de larga janela de detecção do Colégio Americano de Patologia – ou por Acreditação concedida pelo INMETRO de acordo com a Norma ABNT NBR ISO/IEC 17025, com requisitos específicos que incluam integralmente as “Diretrizes sobre o Exame de Drogas em Cabelos e Pelos: Coleta e Análise” da Sociedade Brasileira de Toxicologia, além de requisitos adicionais de toxicologia forense reconhecidos internacionalmente”.

5) Com a liminar da Justiça Federal de São Paulo em vigor, é possível afirmar que nos exames ocupacionais para motoristas profissionais feitos nos estado de São Paulo (admissional e demissional) também não é obrigatória a exigência dos exames toxicológicos previstos na Lei n. 13.103/2015 (como está ocorrendo para os que pleiteiam a obtenção/renovação da CNH)?

R.: No meu entendimento, não é possível afirmar isso. Pois, enquanto a Portaria MTPS n. 116/2015 estiver em vigor, além dos laboratórios credenciados pelo Contran, existem outras opções de laboratórios aceitáveis para a realização dos exames toxicológicos no admissional e no demissional. São eles: “laboratórios acreditados pelo CAP-FDT – Acreditação forense para exames toxicológicos de larga janela de detecção do Colégio Americano de Patologia – ou por Acreditação concedida pelo INMETRO de acordo com a Norma ABNT NBR ISO/IEC 17025, com requisitos específicos que incluam integralmente as “Diretrizes sobre o Exame de Drogas em Cabelos e Pelos: Coleta e Análise” da Sociedade Brasileira de Toxicologia, além de requisitos adicionais de toxicologia forense reconhecidos internacionalmente”.

6) Para motoristas profissionais, em todos os exames ocupacionais (admissional, periódico, mudança de função e retorno ao trabalho, e demissional) será necessária a realização dos exames toxicológicos à partir de hoje (02/03/2016)?

R.: Não. A lei somente exigiu os exames toxicológicos nas situações de admissão ou demissão, ou seja, para os exames admissional e demissional, respectivamente.

7) Quais as restrições contidas na Portaria MTPS n. 116/2015 quanto aos exames toxicológicos dos motoristas profissionais, realizados por ocasião do admissional e do demissional?

R.: Os exames toxicológicos não devem:
a) ser parte integrantes do PCMSO;
b) constar de atestados de saúde ocupacional;
c) estar vinculados à definição de aptidão do trabalhador.

8) A Portaria MTPS n. 116/2015 diz que os exames toxicológicos não devem estar vinculados à definição de aptidão do trabalhador. Isso quer dizer que o médico não poderá qualificar um motorista profissional como inapto?

R.: Esse é um dos grandes pontos de discussão dessa norma. Para um melhor entendimento, faço uma analogia com o exame de gravidez. Esse exame também jamais deve estar vinculado a definição de aptidão num exame admissional, salvo quando a natureza da atividade for incompatível com a gravidez (art. 373-A da CLT). Em outras palavras, funciona assim: quando o exame de gravidez der positivo, ele não significa automaticamente que a funcionária está inapta. Caso assim fosse, seria discriminação. A trabalhadora gestante só estará inapta para uma função se os riscos da atividade forem incompatíveis com a gravidez, por exemplo: um técnica de radiologia não pode assumir essa função estando grávida, pois isso seria altamente arriscado para o bebê. Nesse caso, não se fala em discriminação… fala-se em prevenção. E a prevenção deve ser feita. Sempre!

No caso dos motoristas profissionais a coisa não é tão simples. Pergunto: como pode estar apto um motorista profissional que apresenta exames toxicológicos alterados? Não há como fazer ressalvas e ponderações aqui (pelo menos eu não consigo). Por uma questão de proporcionalidade, vejamos os testes dos bafômetros: ao mínimo sinal de álcool, um motorista comum já é penalizado pela lei e considerado, pelo menos momentaneamente, inapto para dirigir. Por que os motoristas profissionais teriam tratamento diferenciado? Não colocam eles em risco também toda a coletividade? Portanto, na minha opinião, quando os exames toxicológicos vierem alterados, esse motorista profissional deve sim ser considerado inapto temporariamente para a função. A aptidão só virá com novos exames complementares dentro da normalidade associados com um novo exame clínico satisfatório. Ratifico: é a minha opinião, e a tenho de com a consciência tranquila e ciente dos riscos legais que corro.

9) O que a Portaria MTPS n. 116/2015 quis dizer quando afirma que “os exames toxicológicos não devem ser parte integrante do PCMSO”?

R.: Minha interpretação é a de que os exames toxicológicos não devem estar expressos (escritos) no PCMSO, diferente de outros exames complementares que são comumente citados lá (ex.: audiometria). Ou seja, embora devam ser realizados, avaliados e monitorados pelo Médico do Trabalho e/ou Médico Examinador (tal qual ocorre com todos os exames complementares descritos num PCMSO), o legislador, na minha opinião, se preocupou demais em resguardar a intimidade do motorista quando fez essa proibição. Ora, se é motorista profissional, todos sabemos que haverá necessidade dos exames toxicológicos à partir de agora. Isso é já público! Pra que ocultar isso no PCMSO? Desnecessário, ao meu ver.

10) O que a Portaria MTPS n. 116/2015 quis dizer quando afirma que “os exames toxicológicos não devem constar de atestados de saúde ocupacional”?

R.: Na minha opinião, a referida portaria apenas proibiu que os exames toxicológicos sejam descritos no ASO, ao contrário do que acontece com outros exames complementares (ex.: audiometria), por força da NR-7.

11) Quem deve solicitar esses exames no laboratório: o médico, a empresa ou o próprio motorista em avaliação?

R.: Esse protocolo é variável. Depende da localidade. Como há uma exigência legal e pública em vigor, entendo particularmente que o médico não tem a necessidade de fazer pedido por pedido. Sim! Pois o pedido já foi feito pelo poder público através da lei. A lei, nesse caso, funciona como se fosse um item de um edital a ser cumprido para determinado fim, aqui me referindo a obtenção/renovação das CNHs e/ou liberação para o trabalho como motorista profissional.

12) No mínimo, quais exames toxicológicos devem ser solicitados por ocasião do admissional e do demissional, para motoristas profissionais?

R.: Os exames toxicológicos devem testar, no mínimo, a presença das seguintes substâncias:
a) maconha e derivados;
b) cocaína e derivados, incluindo crack e merla;
c) opiáceos, incluindo codeína, morfina e heroína;
d) anfetaminas e metanfetaminas;
e) “ecstasy” (MDMA e MDA);
f) anfepramona;
g) femproporex;
h) mazindol.

13) Na minha cidade não há laboratórios credenciados pelo Contran, nem esses outros citados pela Portaria n. 116/2015. O que fazer?

R.: Para o cumprimento da legislação em vigor, para a realização dos exames, a única forma então é procurar algum laboratório que atenda ao preconizado nas normas, mesmo que seja em alguma outra cidade (lembrando que, por força judicial, isso não vale para os candidatos a obtenção/renovação de CNHs, categorias C, D e E, no estado de São Paulo). Caso haja alguma decisão judicial em sentido contrário, ou uma nova alteração na legislação, aí sim a regra muda.

14) Muitas empresas não terão condições de arcar com os exames ocupacionais (admissional e demissional) desses motoristas. São muito caros. E em tempos de crise, tudo fica pior. O que fazer?

R.: Para o cumprimento da legislação como está posta, a única forma é mesmo pagar caro para realização dos exames.

13) E se a empresa não quiser fazer isso?

R.: Da mesma forma que tem empresas que não pagam sequer o ASO (Atestado de Saúde Ocupacional), muitas vão optar por colocar o ônus desses exames na conta do empregado. É ilegal… mas acontece. Ainda mais em tempo de desemprego em alta. As sanções para essa conduta do empregador estão previstas em lei. Aqueles que quiserem assumir os riscos que o façam.

15) “Sou Médico do Trabalho e um empregador me disse: eu não pagarei por esses exames toxicológicos. O Senhor assumirá a responsabilidade?”

R.: Essa pergunta é tão engraçada como essa: “Senhor Médico do Trabalho, eu não pagarei o décimo terceiro dos meus funcionários. O Senhor assumirá essa responsabilidade?” Claro que a resposta é não! A CLT traz em seu art. 157 que a responsabilidade pelo pagamento dos exames relativos ao trabalho é da empresa. E isso é intransferível, da mesma forma que não se transfere a responsabilidade do pagamento do décimo terceiro aos funcionários. A responsabilidade é da empresa! Ponto. Não é uma opção da empresa pagar ou não esses exames. Ela deve fazê-lo por força da lei. Se não fizer e for processada no futuro, tenho por certo que pagará tudo depois, com todos os juros e indenizações agregados.

16) “Se a empresa não pagar os exames, eu, como Médico do Trabalho, devo liberar o ASO?”

R.: O fato de os exames toxicológicos não estarem registrados no ASO, não implica em dizer que o ASO pode ser liberado sem a realização desses exames. Todos os exames toxicológicos devem estar bem documentados no prontuário do trabalhador. De preferência, com cópia (pois o laboratório onde foi realizado o exame também poderá ser objeto de fiscalização).

Dito isso, eis a minha opinião:

a) o mais correto, sem dúvida, é não liberar o ASO sem a realização dos exames toxicológicos. Trata-se ainda de um exame incompleto, sem a condição de dar o veredito final de aptidão/inaptidão. O mais certo é aguardar que os exames toxicológicos cheguem para, apenas depois de suas avaliações, liberar o ASO.

b) caso o Médico do Trabalho e/ou o Médico Examinador libere o ASO sem a realização dos exames toxicológicos, a responsabilidade legal maior continua sendo da empresa, nos termos do art. 157 da CLT. Em caso de processo trabalhista, será a empresa quem será processada. A partir daí, já em instâncias judiciais, a empresa poderá tentar se isentar da responsabilidade atribuindo-a ao Médico do Trabalho e/ou ao Médico Examinador. Nesse caso, caso fique provado que a negligência foi do profissional médico, é provável que ele seja penalizado por isso. No entanto, caso o Médico do Trabalho / Médico Examinador prove, através de documentos (ex.: prontuário médico do trabalhador), “que a empresa foi fortemente orientada mas se recusou a custear o exames toxicológicos; e que o ASO só foi liberado sem a avaliação desses exames pelo risco de um trabalhador perder seu emprego em virtude da ausência do ASO”, essa tese pode (não estou dizendo que irá!) sensibilizar o magistrado e fazer com que este absolva o médico.

Resumindo: “risco zero não existe”.

À vontade para as boas discordâncias e contraditórios.

Forte abraço a todos.

Autor: Marcos Henrique Mendanha – Médico do Trabalho / Advogado, especialista em Direito do Trabalho.

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