20 nov 2015

Afinal, para que servem os exames toxicológicos propostos para os motoristas profissionais?

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Prezados amigos e clientes.

Comunicamos a publicação, no Diário Oficial da União de 16/11/2015, da Portaria MTPS n. 116, regulamentando a realização dos exames toxicológicos para motoristas profissionais do transporte rodoviário coletivo (passageiros e cargas), previstos nos §§ 6º e 7º do art. 168 da CLT (acrescentados pela Lei n. 13.103/2015) e cuja redação transcrevemos:

“Art. 168 – Será obrigatório exame médico, por conta do empregador, nas condições estabelecidas neste artigo e nas instruções complementares a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho:

(…)

§ 6o Serão exigidos exames toxicológicos, previamente à admissão e por ocasião do desligamento, quando se tratar de motorista profissional, assegurados o direito à contraprova em caso de resultado positivo e a confidencialidade dos resultados dos respectivos exames.

§ 7o Para os fins do disposto no § 6o, será obrigatório exame toxicológico com janela de detecção mínima de 90 (noventa) dias, específico para substâncias psicoativas que causem dependência ou, comprovadamente, comprometam a capacidade de direção, podendo ser utilizado para essa finalidade o exame toxicológico previsto na Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, desde que realizado nos últimos 60 (sessenta) dias.”

Não querendo adentrar o campo da medicina, por absoluta falta de conhecimento técnico para tal, mas fazendo uma análise finalística das normas (CLT e Portaria 116/2015), confessamos que não nos foi possível compreender qual o pensamento do Poder Executivo a respeito do tema, já que o ato normativo, no subitem 3.1, determina expressamente que:

“3.1 – Os exames toxicológicos não devem:

a) ser parte integrantes do PCMSO;
b) constar de atestados de saúde ocupacional;
c) estar vinculados à definição de aptidão do trabalhador.”

Ora, estamos tratando de motoristas profissionais, que trabalham no transporte de passageiros e cargas, colocando em risco não somente suas próprias vidas como a de terceiros, e sem dúvida alguma foi um avanço enorme a publicação da Lei n. 13.103/2015 autorizando o empregador à realização do exame toxicológico, cuja finalidade, conforme item 5 da referida Portaria, é identificar, no mínimo, a presença de substâncias psicoativas, como por exemplo:

“a) maconha e derivados;
b) cocaína e derivados, incluindo crack e merla;
c) opiáceos, incluindo codeína, morfina e heroína;
d) anfetaminas e metanfetaminas;
e) “ecstasy”(MDMA e MDA);
f) anfepramona;
g) femproporex;
h) mazindol.”

A substância psicoativa, química, age no sistema nervoso alterando a função cerebral e por um determinado lapso de tempo pode alterar não somente o humor e o comportamento, mas também a consciência, a percepção de tempo/espaço e os reflexos. Inúmeros são os acidentes de trânsito envolvendo caminhões e ônibus e, como assim, não pode o exame toxicológico ser parte integrante do PCMSO? E ainda, como assim não pode seu resultado estar vinculado à definição de aptidão do trabalhador?

Nos termos da referida Portaria (116/2015), não somente não podem ser parte integrante do PCMSO como também não pode a empresa ter conhecimento dos níveis ou do tipo de substância utilizada. E mais: o trabalhador poderá entregar o relatório (sem essas informações) no extenso prazo de 15 dias após seu recebimento, conforme disposto no item 4, que ora transcrevemos:

4 – Os laboratórios devem disponibilizar Médico Revisor – MR para proceder a interpretação do laudo laboratorial e emissão do relatório médico, sendo facultado ao empregador optar por outro Médico Revisor de sua escolha.

4.1. Cabe ao MR emitir relatório médico, concluindo pelo uso indevido ou não de substância psicoativa.

4.1.1. O MR deve considerar, dentre outras situações, além dos níveis da substância detectada no exame, o uso de medicamento prescrito, devidamente comprovado.

4.2. O MR deve possuir conhecimentos para interpretação dos resultados laboratoriais.

4.3. O relatório médico emitido pelo MR deve conter:
a) nome e CPF do trabalhador;
b) data da coleta da amostra;
c) número de identificação do exame;
d) identificação do laboratório que realizou o exame;
e) data da emissão do laudo laboratorial;
f) data da emissão do relatório;
g) assinatura e CRM do Médico Revisor – MR

4.3.1. O relatório médico deve concluir pelo uso indevido ou não de substância psicoativa, sem indicação de níveis ou tipo de substância.

4.3.2. O trabalhador deve entregar ao empregador o relatório médico emitido pelo MR em até 15 dias após o recebimento.”

Inúmeras dúvidas nos assolam, agora, dada a incoerência das normas. Pontuamos as principais:

1) Nos termos da NR 07, subitem 7.4.3.1, o exame médico admissional deve ser realizado, obrigatoriamente, antes do trabalhador iniciar suas atividades. Indagamos: o exame toxicológico pode ser solicitado na admissão, mas não pode ser parte integrante do PCMSO? Por qual razão se encontra previsto, então, no art. 168 da CLT, que trata justamente do PCMSO? Quem irá custeá-lo, se não é parte integrante do Programa? O próprio trabalhador?

2) Considerando a possibilidade de sua realização para admissão e demissão e considerando que o exame médico demissional precisa ser realizado até a data da homologação (máximo de 10 dias, conforme CLT), que prazo é esse de 15 dias para o trabalhador apresentar à empresa o relatório médico?

3) Se a empresa não pode ter conhecimento da substância utilizada pelo trabalhador, tampouco dos níveis em que foi utilizada, e se não pode tal exame ser parte integrante do PCMSO, qual sua finalidade? O exame servirá para documentar para o próprio trabalhador qual/quanto da substância que ele consumiu?

4) Nos termos da Lista C do Anexo II do Decreto 3.048/99 (RPS), que traz a relação do Nexo Técnico Epidemiológico (CID – CNAE), o INSS pode caracterizar presumidamente o acidente de trabalho, com gravíssimos reflexos trabalhistas, previdenciários e tributários, quando um trabalhador apresentar CID F decorrente do uso de álcool e drogas (F10 a F19) e estiver empregado numa empresa de transporte rodoviário. Perguntamos: a empresa será presumidamente culpada do transtorno mental decorrente do uso da substância psicoativa, mas não pode o exame ser integrante de seu Programa de Controle (PCMSO) e tampouco servir para configurar a inaptidão, quando da contratação?

Confira-se a lista das doenças e os códigos CNAE a elas relacionados, referentes ao transporte:

F10 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool
F11 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de opiáceos
F12 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de canabinóides
F13 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de sedativos e hipnóticos
F14 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso da cocaína
F15 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de outros estimulantes, inclusive a cafeína
F16 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de alucinógenos
F17 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de fumo
F18 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de solventes voláteis
F19 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas

CNAE 4921-3/01: Transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal
CNAE 4921-3/02: Transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, intermunicipal em região metropolitana

5) Se o relatório apresentado pelo candidato ao emprego acusar a utilização indevida de alguma substância e se, nos termos da Portaria 116/2015, a empresa não pode utilizar tal informação para fins de considerar o trabalhador inapto para a função de motorista profissional, deverá contratá-lo, ainda assim? A recusa do emprego será considerada o quê, discriminação? O emprego será dado ao trabalhador que utiliza indevidamente a substância e na ocorrência de um acidente, quem será o responsável?

É lamentável a falta de coerência e o teor absurdo de nossas normas. A quem pretende o Executivo proteger, afinal? Serve o exame toxicológico, então, apenas para fundamentar pedidos de indenizações na Justiça do Trabalho em eventual recusa na contratação? A pretexto de protegê-lo contra discriminação por parte da empresa que lhe recusa o trabalho porque não quer colocar em risco a vida de outras pessoas?

Se o vício em álcool e outras substâncias é uma doença, maior razão deveria haver para que o exame toxicológico constasse, sim, do PCMSO, inclusive com possibilidade de ser realizado nos exames periódicos e a isso não proíbe o art. 169 da CLT em sua nova redação. Insistimos que estamos a falar de motoristas profissionais, que transitam em nossas estradas em caminhões e ônibus, com cargas e passageiros, responsáveis não somente por suas próprias vidas mas também pela de terceiros e, justamente por isso, pessoas portadoras dessas enfermidades não podem ser contratadas para tal função; não podem permanecer no exercício de tal função.

Um trabalhador portador de epilepsia não deve ser considerado apto para o trabalho em altura. Um portador de cardiopatia não deve ser considerado apto para um trabalho com grande carga de estresse e um trabalhador que faz uso indevido de substância psicoativa não deve ser considerado apto para o trabalho de motorista. É simples assim, ou deveria ser.

Não cabe às empresas realizar a função social que nossa Constituição Federal atribui ao Estado (arts. 194 a 204). Não pode a empresa ser impedida de recusar esse trabalhador, que comprovadamente fez uso indevido da substância psicoativa, e depois ser responsabilizada pelo sinistro que eventualmente ele venha a causar, a si ou a outros. Não pode ser impedida de verificar, periodicamente, se seus motoristas profissionais estão ou não fazendo uso de tais substâncias e, depois, ser condenada em ações trabalhistas, cíveis, regressivas previdenciárias, tributárias (SAT, FAP).

Que normas são essas? Que tipo de valor pretendem conferir? Pensa o Poder Executivo que está a proteger o trabalhador no momento em que exclui do PCMSO tal exame e no momento em que impede a inaptidão por seu resultado? Pensa que retirando-o do PCMSO, ainda assim será solicitado pela empresa e por ela custeado? Como? Com qual fundamento legal? Pensa que está a proteger a população, que utiliza o transporte rodoviário?

A CLT, na nova redação conferida ao art. 168 pela Lei n. 13.103/2015, exige o exame na admissão e na demissão, mas não o proíbe nos periódicos. Muito pelo contrário, trata o referido artigo justamente do PCMSO, cujos exames complementares são obrigatoriamente solicitados pelo médico do trabalho e custeados pelas empresas, justamente com a finalidade de proteger a saúde do trabalhador.

A Portaria 116/2015, sob nosso ponto de vista, não somente deixa de cumprir com a finalidade do exame como, também, extrapola seu limite regulamentar. E como entrará em vigor somente em 02/03/2016, esperamos que, até lá, que um mínimo de bom senso impere, promovendo sua alteração.

Autores:

Cláudia Salles Vilela Vianna
Mestra pela PUC/PR, Conferencista e Consultora Jurídica Empresarial nas Áreas de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário, Coordenadora dos cursos de pós-graduação da EMATRA/PR, Professora do curso de pós-graduação em Direito Empresarial e em Direito do Trabalho e Previdenciário da UNIVALI/SC, Especialista integrante da Confederação Nacional da Indústria, Associada do Instituto dos Advogados do Paraná – IAP – e Associada Benemérita do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP; Título de “Previdenciarista do ano 2009” concedido pela LTr editora; Autora de diversas obras jurídicas, com destaque para “Previdência Social – Custeio e Benefício”, “Manual Prático das Relações Trabalhistas” e “Acidente do Trabalho – Abordagem Completa e Atualizada”, todos da LTr Editora.

Anderson Angelo Vianna da Costa
Advogado e Administrador, Pós-Graduado em Gestão de Recursos Humanos, Pós-Graduando em Direito Previdenciário, Professor do curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho e Previdenciário da Escola da Magistratura do Trabalho do paraná (EMATRA/PR) e da Pós-Graduação em Direito do Trabalho e Previdenciário da UNIVALI, em Itajaí/SC e do Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário da Universidade Positivo em Curitiba/PR; Autor de diversos artigos jurídicos; É Comendador pela Academia Brasileira de Artes, Cultura e História.

Contato com os autores: Vilela Vianna – Advocacia & Consultoria.

Confira a íntegra da Portaria em análise: clique AQUI.

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