13 jan 2018

A participação do advogado nas perícias como direito humano fundamental

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Advogado é indispensável a administração da justiça, sendo o guardião da liberdade do cidadão e da sociedade, na esfera judicial e administrativa, gozando de imunidade profissional no exercício do múnus publico, direitos e prerrogativas.

Entrementes, relatos de violações aos direitos e prerrogativas dos Advogados são evidenciados quando o cidadão tem restringida sua autonomia de ter o direito de contar com a presença do Advogado no ato pericial, judicial e administrativo no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o que impede gravemente o escorreito exercício da advocacia e coloca em risco a própria administração da justiça.

Esse cenário que se desvela é um afronta aos princípios constitucionais do devido processo legal, do direito ao contraditório e a ampla defesa, a postulados da Bioética, um desrespeito a dignidade da pessoa humana do periciado e um atentado a construção efetiva de um Estado Democrático de Direito.

1) DA PERÍCIA MÉDICA À PERÍCIA EM SAÚDE

Cabe aperfeiçoar a nomenclatura etnocêntrica que é dada para as perícias nesse campo: “perícia médica.” Não é. A propósito, o termo correto é “perícia em saúde”. O médico não é o detentor de todos os conhecimentos da vasta área das Ciências da Saúde, que abrange mais de 10 (dez) cursos superiores. Não cabe essa reserva de mercado realizada para monopolizar as perícias, que são em verdade, perícias em saúde.

A celeuma apoia-se em uma interpretação enviesada da Lei n° 12.842/2013, que dispõe em seu inciso XII, art. 4°, que a realização da “perícia médica” é ato privativo médico. Isso significa que a perícia “médica” deve ser realizada a sua anamnese e o exame físico por um “médico”. Então, reforçado se encontra o uso do termo “perícia em saúde” quando da nomeação do perito judicial de um profissional da área da saúde. Ora, a perícia “médica” continua sendo ato privativo “médico”, enquanto a perícia “em saúde” é ato privativo do profissional “de saúde”.

E, sendo privativo do médico ou do profissional da saúde não impede o acompanhamento do Advogado, pois em momento algum o Advogado pretende substituir o perito e realizar o exame médico, mas sim acompanhar seu cliente que assim expressou a sua vontade, o que derruba qualquer argumento que a supracitada lei impede o direito do paciente em exigir a presença de um acompanhante de sua confiança, no caso o Advogado.

Além do mais, em casos judicias, obviamente a perícia médica é ato do médico, assim como a perícia fisioterapêutica é ato do fisioterapeuta e a perícia arquitetônica é ato do engenheiro e/ou do arquiteto. À vista disso, a nomenclatura correta para uma perícia judicial na área de saúde deveria ser “perícia em saúde”, jamais “perícia médica”, visto que outros profissionais da saúde podem legalmente realizar perícias judiciais, como os fisioterapeutas, conforme as Resoluções 464, 465 e 466 do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO).

A Súmula n° 27 do TRT-6 (Pernambuco), definiu a possibilidade da realização de perícias judiciais por fisioterapeutas:

PERÍCIA TÉCNICA. FISIOTERAPEUTA. VALIDADE. É válido o laudo pericial elaborado por fisioterapeuta para estabelecer o nexo de causalidade entre o quadro patológico e a atividade laboral, bem assim a extensão do dano, desde que precedido de diagnóstico médico. (BRASIL, TRT-6, Súmula n. 27)

Em igual sentido, a Súmula n° 19 do TRT-13 (Paraíba) e a Súmula n° 6 do TRT-19 (Alagoas).

Avaliando o órgão máximo do Poder Judiciário Trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), vem reconhecendo reiteradamente a legalidade de laudo de Fisioterapeuta que constatou o nexo entre doença ocupacional e o trabalho, conforme decisões das seguintes turmas: 1ª , 2ª, 3ª , 5ª, 6ª , 7ª e 8ª.

Cabe ressaltar novamente, que os fisioterapeutas têm plena capacidade e competência intelectual para redigir primorosos laudos periciais, abrangendo avaliação cinésio-funcional, estabelecimento do nexo de causa cinesiológica funcional ergonômica, determinação do diagnóstico e prognóstico fisioterapêutico, emissão de laudos de nexo de causa laboral, desenvolvendo uma relação respeitosa com o periciado, considerando sua dignidade como pessoa, tudo conforme dispõe legalmente seu conselho de classe.

Dessa maneira, com fundamento na jurisprudência de Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho, com respaldo do órgão máximo de regulação da atividade profissional e com assento na legislação, fica claro que os Fisioterapeutas podem atuar como peritos judiciais e assistentes técnicos. Cabe acentuar que, os peritos médicos judiciais não podem recusar a participação de assistente técnico Fisioterapeuta indicado pela parte, pois é um mero auxiliar eventual do Juízo, não cabendo tomar decisões processuais que são de competência exclusiva do magistrado, devendo prezar pelo respeito profissional mútuo, sob pena de violação do direito ao trabalho do fisioterapeuta, lesão ao contraditório e ampla defesa da parte reclamante.

Ressalta-se, ainda, que incabível e eivado de vícios insanáveis qualquer dispositivo, como um parecer, de órgão de classe que verse sobre norma processual, inovando no mundo jurídico e definindo que fisioterapeutas não podem atuar como peritos judiciais ou assistentes técnicos ou que advogados não podem acompanhar a perícia, haja vista que não tem qualquer competência para atuar nessa matéria, diante de que compete privativamente a União legislar sobre norma processual, conforme o art. 22, inc. I da Constituição da República de 1988; assim como eivado de vícios dispositivo de órgão de classe que busca regular outra profissão, reduzindo ilicitamente seu campo de atuação; pois não tem qualquer legitimidade para regulamentar outra profissão.

2) AS PRERROGATIVAS DO ADVOGADO: o guardião da liberdade

A Constituição da República de 1988 (CR/88) definiu no art. 133 que o Advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão. Nessa esteira constitucional, a Lei n° 8.906, de 4 de julho de 1994, estabeleceu o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Determina o art. 7° do Estatuto da OAB as prerrogativas do advogado.

O STF, no Recurso Extraordinário 277.065/RS, decidiu pelo Ministro Marco Aurélio que “descabe impor aos advogados, no mister da profissão, a obtenção de ficha de atendimento”. Ponderou, que “atua o advogado como guardião da liberdade”.

E, o Advogado é o guardião da liberdade quando da atuação em defesa do cidadão na instituição administrativa do INSS e nas perícias judicias, sendo patente a indispensabilidade do profissional da advocacia.

Em outro momento, a Defensoria Pública da União em Minas Gerais (DPU/MG), em 2011, fez consulta ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que respondeu favoravelmente pelo direito do Defensor Público, um Advogado público, no acompanhamento do ato de perícia médica de assistido.

Por seu turno, o Ministro Celso de Mello no Habeas Corpus no 98.237/SP, traçou que “não constitui demasia assinalar que as prerrogativas profissionais dos Advogados representam emanações da própria Constituição da República”.

3) MEDICINA DEFENSIVA NO ATO PERICIAL MÉDICO COMO UMA VIOLAÇÃO DO DIREITO HUMANO E FUNDAMENTAL À PROVA

Seria a prática de proibir a entrada de um acompanhante do paciente/periciado em um consultório médico derivada da medicina hipocrática, que tem o ser humano como alvo principal da atenção do médico?

Certamente a resposta é negativa. Existe um perigoso desvio de conduta que é a prática da medicina defensiva, um modelo de prática médica surgida nos Estados Unidos, que consiste na tentativa do médico e/ou hospital de eximir-se de quaisquer responsabilidades sobre eventuais erros ou danos.

Conforme Ilário (2002) “[…] a medicina defensiva sugere que o médico veja em todo paciente um potencial inimigo que pode processá-lo a qualquer momento”. Prosseguem Minossi e Silva (2013) revelando que a “A Medicina Defensiva é um desvio da prática médica sensata, induzido, principalmente, pela ameaça de processos por negligência profissional. Além de ineficiente em proteger o médico, ela traz consequências graves ao paciente e à sociedade.”(MINOSSI E SILVA, 2013, p. 499 -500).

A prática da medicina defensiva na área pericial prejudica demasiadamente os direitos humanos materiais e direitos humanos processuais dos cidadãos, que tem dificultado o seu direito a realização da prova. Atentemos que, os Direitos Humanos são os inerentes a pessoa humana, fundamentais para a dignidade da pessoa humana.

Determina o inciso LV do art. 5° da CR/88 que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Assim, a Constituição da República garante o direito à prova. E, reconhecer o direito à prova é um direito imanente da dignidade da pessoa humana.

O direito ao contraditório, é elucidado por Cléber Lucio de Almeida (2011), ao precisar que devem

assegurar às partes o direito ao contraditório, do ponto de vista da prova, significa reconhecer que elas têm o direito à afirmação e demonstração da ocorrência dos fatos que fundamentam as suas pretensões e, com isto, de influenciar séria e efetivamente na definição de seus direitos e obrigações. (ALMEIDA, 2011, p. 123).

Ao que se extrai, é direito da parte, por meio de seu procurador, “influenciar séria e efetivamente na definição de seus direitos e obrigações” quando da formação da prova, entre elas a prova pericial. E, não há como ocorrer essa efetividade se ao Advogado não for garantida o direito e a prerrogativa de participar do ato pericial juntamente com seu cliente.

Assevera Neves (2015), acerca do Código de Processo Civil, que

[…] somente impugnar o laudo pericial não é o suficiente para atender ao princípio do contraditório, devendo-se facultar às partes uma ampla participação, inclusive com objetivos fiscalizadores, durante toda a fase de produção de prova pericial. Limitar o contraditório na prova pericial à impugnação depois do laudo pronto e acabado seria o mesmo que impedir a presença das partes e seus patronos na audiência de instrução e julgamento, limitando-se sua participação na prova testemunhal a impugnar o depoimento das testemunhas. (grifo nosso). (NEVES, 2015, p. 560).

Esse comparativo é medular em revelar a imperiosidade de uma participação efetiva, que respeite o contraditório, no processo pericial. É tão absurdo impedir a presença do Advogado em uma prova testemunhal, limitando-o a somente impugnar o depoimento das testemunhas, como é kafkiano impedir a presença do Advogado em uma prova pericial, limitando-o a somente impugnar o laudo pronto e acabado.

4) A PARTICIPAÇÃO DO ADVOGADO NA PERÍCIA MÉDICA COMO UM DIREITO HUMANO E FUNDAMENTAL

Manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná (OAB/PR) sobre a negativa da participação do advogado na perícia médica define que ocasiona prejuízo ao cliente pela

a) não realização de audiência para apuração de outros elementos desconsiderados pelo perito. Exatamente isto que vos digo, a única prova nos benefícios por incapacidade tem sido o laudo pericial, não há oitiva do requerente ou mesmo de testemunhas que poderiam esclarecer dados do caso, tudo fica restrito ao que o perito indicar no laudo;

b) no que identifica o direito ou não de uma pessoa ao benefício, pois não se trata de simplesmente analisar a existência de uma doença, mas de verificar a idade da pessoa, o grau de escolaridade, seu histórico pessoal, o impacto da deficiência ou doença em sua capacidade laboral. (BRASIL, OAB/PR, 2015).

Prosseguindo o estudo, a nota técnica do CFM n° 31/2015, que tem o mesmo entendimento da nota técnica do CFM n° 44/2012, aprovada em 06 de dezembro de 2013, trata da participação do advogado em perícia médica, concluindo que

[…] pelas razões jurídicas acimas expendidas, entendemos que o advogado, no exercício de sua profissão, tem direito assegurado pelo art. 7°, inc. I, III e VI, letras “c” e “d” do EOAB, Lei 8.906/94 de fazer-se acompanhar de seu cliente, quando solicitado, nos exames periciais em âmbito judicial ou administrativo. (BRASIL, CFM, 2015).

Dispõe a nota técnica do CFM n° 31/2015, acerca da dignidade da pessoa humana que deve ser reconhecida ao paciente, afirmando que

falar em dignidade da pessoa humana na relação médico/paciente é respeitar a vontade deste ao expressar que deseja ter ao seu lado um advogado quando tiver que participar de reuniões, assembleias, audiências (judiciais e extrajudiciais), perícias (judiciais e extrajudiciais), etc. (BRASIL, CFM, 2015).

Nesse tom, o Ofício n. 1863/2013 do próprio CFM, dirigido ao Presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo, expedido em 22 de fevereiro de 2013, conclui que é direito do Advogado estar presente durante toda a prova pericial médica.

A nota técnica do CFM n° 31/2015 traz em seu bojo a decisão da 2a Câmara Recursal da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo (OAB/SP) sobre a matéria, que determinou que

[…] a presença do advogado na perícia médica, em momento algum põe em risco a liberdade profissional do médico ou possa provocar restrições ou imposições que venham a prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho. E quanto ao dever do sigilo profissional, de fato não pode o médico revelar fatos decorrentes de sua atuação profissional a terceiros ou pessoas estranhas. Todavia, o advogado não pode assim ser considerado, pois é o legítimo representante da parte, tendo ciência de todos os fatos que dizem respeito ao patrocínio assumido e, portanto tem interesse e dever de acompanhar todas as fases processuais, principalmente a colheita de provas, especialmente a pericial. Ademais, a regra do sigilo profissional deve ser interpretada em favor do paciente/cliente, e não em favor do médico/advogado. O instituto do sigilo tem como destinatário final o cidadão. O Código de Ética Médica, ressalta reiteradamente a importância do representante legal do paciente, bem como, deve o médico respeitar a vontade e interesse do paciente e não o seu interesse (Art. 31, 34, 24, 28, 88 e 41). Portanto, caracterizadas violações às prerrogativas profissionais, conforme se verifica do Art. 7°, inc. I, III e VI, letras “c” e “d” do EOAB, Lei 8.906/94. (BRASIL, OAB/SP).

Prossegue a aludida nota técnica do CFM, citando o parecer-consulta n° 125.633/2005, em que dispôs que “[…] é direito do paciente apresentar-se acompanhado para a realização da perícia, bem como de qualquer outra consulta médica, assumindo com isto a responsabilidade do segredo médico, nada tendo a reclamar”.

O INSS após pleito da OAB/PR, pela permissão que os Advogados acompanhem as perícias médicas previdenciárias desse órgão, publicou o Memorando-Circular Conjunto n° 10 INSS/PRES/PFE, de 23 de março de 2011, que estabeleceu o direito do segurado solicitar a presença de um acompanhante durante o ato pericial.

Impende destacar que, eticamente, assim como o médico, o Advogado também tem o dever de preservar o sigilo profissional, conforme o art. 35 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados, o que afasta qualquer argumento teratológico acerca da impossibilidade da participação do Advogado no ato pericial, o legítimo representante da parte.

O cidadão se encontra prejudicado diante das violações das prerrogativas do Advogado, o que merece uma clara sanção Estatal. Nessa perspectiva é louvável a criminalização da violação dos direitos e prerrogativas dos Advogados. O Projeto de Lei n° 8.347/2017 avança para sua aprovação, e altera o Estatuto da OAB para tipificar penalmente a violação de direitos ou prerrogativas do Advogado, acrescentando o art. 43-A, caput:

Art. 43-A. Violar direito ou prerrogativa do advogado relacionada nos incisos I, II, III, IV, V, XIII, XV, XVI ou XXI do art. 7°, impedindo ou limitando o exercício da advocacia:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. […] (BRASIL, PL 8347/2017, grifo nosso).

A partir da aprovação dessa lei, o médico perito previdenciário ou judicial (trabalhista, por exemplo) que violar o direito e a prerrogativa do Advogado de ingressar no ato pericial estará cometendo um crime, podendo receber imediatamente voz de prisão do Advogado violado, nos termos do arts. 301 e 302 do Código de Processo Penal.

Analisando sob a óptica das normativas éticas, o Código de Ética Médica (CEM), em seus princípios fundamentais, estabelece que

XXI – No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas. (BRASIL, CEM, 2009).

Também ponderando a respeito do aludido artigo do CEM, acerca da autonomia garantida ao paciente, Barros Júnior (2011, p. 95) define que “o princípio da autonomia se refere à capacidade de o paciente conhecer, buscar e decidir tudo aquilo que julga ser o melhor para si mesmo”.

Nessa linha, o art. 24 do CEM, que está justamente no Capítulo de Direitos Humanos do Código, determina que é vedado ao médico, sendo uma infração ético-disciplinar punível

Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo. (BRASIL, CEM, 2009).

É crime de constrangimento ilegal, com pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, previsto no art. 146 do Código Penal (CP), obrigar o paciente/periciado/segurado realizar o exame médico sem a presença do acompanhante Advogado que solicitou. O bem jurídico que se pretende proteger é a liberdade individual física e psíquica, e a autodeterminação da pessoa, que tem a liberdade de fazer ou não fazer o que quiser, nos limites do ordenamento jurídico.

A CR/88 determina em seu art. 5°, II que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, e dessarte, ninguém é obrigado a deixar de ter o suporte de um acompanhante ou de um Advogado em um exame pericial, se não a lei que a proíba, nos termos que se não está proibido, está permitido ao cidadão.

A jurisprudência ver firmando que cabe ser condenado por danos morais a pessoa que prejudica a atuação profissional escorreita do Advogado e viola prerrogativa prevista em lei federal, impedindo sua participação no ato pericial.

Adentrando a seara ética, determina a Resolução n° 2.056/2013 do CFM, em seu art. 52 que “os médicos peritos estão submetidos aos princípios éticos da imparcialidade, do respeito à pessoa, da veracidade, da objetividade e da qualificação profissional”.

A Resolução n° 2.153/2016 do CFM, determina que na área de Medicina Legal e Perícias Médicas, inclusive a previdenciária, no consultório médico seja necessário a presença de “2 cadeiras ou poltronas – uma para o paciente e outra para o acompanhante”.

Assim, é manifesto que no consultório médico previdenciário e no consultório do perito judicial é obrigatória a colocação de 2 cadeiras ou poltronas – uma para o paciente e outra para o acompanhante. E, o que o CFM quer dizer com a obrigatoriedade de uma segunda cadeira para o acompanhante no consultório pericial? À vista disso, de forma subjacente, obviamente a Resolução n° 2.153/2016 do CFM, que tem força vinculativa, garante a presença do acompanhante no ato pericial.

A resolução n° 2.069/2014 do CFM estabelece a padronização de identificação dos médicos, considerando que todas pessoas necessitam identificar a quem estão se dirigindo nos estabelecimentos “de assistência médica, de hospitalização ou qualquer outro onde, de forma direta ou indireta, o médico protagoniza atos de sua competência”. Nestes termos, que explicitamente indica “qualquer outro onde”, fica cristalino que é vinculativo a Perícia Médica Previdenciária, visto ser um ambiente em que “o médico protagoniza atos de sua competência”. Determina a supracitada resolução do CFM que “é dever do médico” se identificar como médico, acrescentando sua especialidade, quanto não detentor apenas da graduação, devendo constar em crachás, placas de identificação de consultórios, bolsos ou mangas em batas ou roupas que o médico utilize.

Nessa matéria, o parecer-consulta n° 127.697/07 do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) determinou que

[…] o periciado tem o direito de saber o nome e o número do CRM do perito, até porque é seu direito procurar o Conselho Regional de Medicina para denunciar atos do perito que estejam em desacordo com o contido no Código de Ética Médica e Resoluções dos Conselhos Regional e Federal de Medicina. (grifo nosso). (BRASIL, CREMESP, Parecer-Consulta n. 127.697/07).

Nesse diapasão se constata a prática da medicina defensiva na conduta de não se identificar com nome e número do registro profissional para o periciado.

Cabe destacar que, a atuação dos peritos médicos judiciais de intimidar o periciado a não exigir a presença de um acompanhante que foi devidamente solicitada pelo periciado pode configurar assédio processual pelo constrangimento ao periciado e tumulto processual gerado. Configurada essa condição, o juiz pode de ofício fixar danos morais em favor do periciado vítima, ofendido em sua honra e dignidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Advogado é indispensável a administração da justiça, detendo direitos e prerrogativas para atuar como o guardião da liberdade do cidadão em prol da sociedade. Entre as prerrogativas da advocacia está a de atuar efetivamente na formação da prova, entre elas a pericial, devendo acompanhar o ato pericial médico no consultório, a chamada “perícia em saúde”.

A conduta do médico perito de violar a prerrogativa do Advogado de acompanhar seu cliente periciado é uma prática da medicina defensiva, reprovável por transgredir o direito humano e fundamental à prova e por afastar-se dos princípios da Bioética do respeito a autonomia do periciado, dos princípios da justiça, da não maleficência e da beneficência.

O perito médico deve pautar-se estritamente nos limites da obrigação que decidiu assumir, devendo estar atento as suas responsabilidades para não desrespeitar a prerrogativas do Advogado que são emanadas da própria Constituição da República. Entre as responsabilidades, se destacam as éticas, para tanto deve aceitar a vontade do paciente de ter um acompanhante e um Advogado durante a perícia judicial e administrativa (art. 24 do CEM c/c Nota Técnica CFM n. 31/2015 c/c art. 7º, inc. I, III e VI, letras “c” e “d” do EOAB, Lei 8.906/94), deve identificar-se ao periciado ostensivamente (Res. CFM n. 2069/2014), deve garantir as 2 cadeiras para, obviamente, receber o periciado e seu acompanhante (Res. CFM 2153/2016); as responsabilidades administrativas, de garantir a presença do acompanhante na perícia do INSS (Memorando-Circular n. 10/2011); as responsabilidades cíveis, sob pena de ser condenado por danos morais ao Advogado que viola, condenado por assédio processual ao periciado e desagravado perante a Ordem dos Advogados do Brasil; além das responsabilidades penais, por crime de constrangimento ilegal com prisão em flagrante delito, por crime de demais infrações penais que cometer e a posteriori por crime por violação de direitos ou prerrogativas do Advogado, esse último, com base no Projeto de Lei n° 8.347/2017 que muito em breve tornará crime a violação de direitos e prerrogativas do Advogado.

À guisa de considerações finais, garantir a participação do Advogado nas perícias médicas judiciais e administrativas é consagrar a dignidade da pessoa humana do periciado, seu direito humano e fundamental à prova, efetivar o seu direito constitucional de ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e dos postulados da Bioética, na luta pela concretude de um efetivo Estado Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS

BARROS JÚNIOR, Edmilson de Almeida. Código de Ética Médica: comentando e interpretado. São Paulo: Atlas, 2011.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: dos crimes contra a pessoa. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

FRANÇA, Genival Veloso. Comentários ao Código de Ética Médica. 6 ed. São Paulo: Guanabara Koogan, 2010.

ILÁRIO, Enidio. Medicina defensiva: em defesa de quem? 2002. Disponível em: < http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Revista&id=53> Acesso em 17 dez. 2015.

MINOSSI, José Guilherme; SILVA, Alcino Lazaro da. Medicina defensiva: uma prática necessária? Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(6): 494-501.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 7 ed. São Paulo: Método, 2015.

*Artigo reduzido e atualizado individualmente, do publicado em co-autoria no Periódico Juris Plenum Previdenciária, Editora Plenum, Ano IV, Número 14, Maio 2016, ISSN 2317-210X, p. 151-176.

Autor: Saulo Soares – Médico do Trabalho. Advogado. Professor. Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre Magna cum Laude em Direito pela PUC Minas. Especialista em Direito Médico, Direito do Trabalho e Medicina do Trabalho. Detentor do Título de Especialista em Medicina do Trabalho. Autor do livro “Ser Médico ‘examinador’ do Trabalho: subserviência e precarização do jaleco branco – uma abordagem jurídico-científica” (Editora Buqui). Coordenador do livro “Temas Contemporâneos de Direito Público e Privado” (Editora D’Plácido). Coordenador do livro “Fluxo de Direito e Processo do Trabalho” (Editora CRV). Autor do livro “Direitos Fundamentais do Trabalho” (Editora LTr).

Obs.: esse texto é de autoria do colunista Saulo Soares, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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