16 ago 2016

Quando uma situação implica em um Risco Diferenciado?

postado em: Coluna do Lenz

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Após um caso de dermatite de contado causado pela alergia ao látex presente na luva de um trabalhador a equipe do SESMT discute sobre a elaboração do próximo PPRA: afinal registra ou não registra o látex como sendo um risco ambiental?

Alguém mais afoito esgoela:

– Claro que não, como não existe citação deste risco em nenhuma das normas regulamentadoras, o que eu asseguro, apenas um idiota faria o seu registro!

Ainda no eco da exaltada voz, outro componente da equipe exige:

– Então você assume as consequências de retornar este trabalhador para o mesmo posto de trabalho após a sua melhora, pois como você mesmo afirmou, tal risco nem existe!

E um silêncio desconcertante parece esfriar os ânimos de todos, ninguém mais arriscava qualquer palpite, trazendo até um clima de abdicação coletiva, transformada em uma espécie de cumplicidade. E o dilema continuava…

Mas afinal, o látex é, ou não é um risco? Na verdade, é um risco apenas para alguns trabalhadores a ele alérgicos, uma idiossincrasia, situação em que uma predisposição particular do indivíduo faz com que ele reaja de maneira pessoal à influência de agentes exteriores (alimentos, produtos ou medicamentos), como algumas situações previstas no grupo III de Schilling em que o trabalho atua provocando um distúrbio latente, ou agravando uma doença já estabelecida, como o caso de dermatite de contato alérgica, asma, transtorno mental e do comportamento, etc.

Ou seja, o risco existe para alguns, de tal forma que, para a maioria, o látex não é um risco.

Várias são as outras situações de trabalho em que, embora não sejam riscos ambientais para a população em geral, porém para alguns pode provocar um distúrbio latente, ou agravar uma doença já estabelecida.

Não é risco laboral para a população em geral elevar os membros superiores até 1000 vezes por jornada de trabalho (consenso de limite de repetitividade por jornada de trabalho), assim como laborar em ambiente com ruído ambiental abaixo do nível de ação (dose inferior a 0,5, ou abaixo de 80 dB por 8 horas), ou a presença de poeira “não respirável” no ambiente laboral, a elevação de carga, na ausência de risco baseada em ferramentas ergonômicas. Mas tais situações devem ser avaliadas individualmente diante de certas particularidades, como evitar a elevação dos braços em portadores de bursite dos ombros (mesmo que abaixo de 1000 vezes por jornada), evitar ruídos ambientais do tipo campainhas ou grito de crianças (mesmo que abaixo do nível de ação) em caso de portadores de perda auditiva com recrutamento, evitar a presença de poeira (mesmo que não seja “respirável”) em caso de portadores de asma agravada pela presença de poeira, assim como também evitar a elevação de carga (mesmo sem risco ergonômico para a população normal) por portadores de doenças discais com episódios recorrentes de dorsalgia incapacitante.

Assim, riscos diferenciados são os riscos laborais inseridos ou exacerbados no ambiente laboral por uma particularidade do trabalhador.

Tal situação pode ser vista, como na equação de NIOSH que determina o limite máximo de 23 quilos de carga a ser elevado nas melhores condições, para a maioria da população, de maneira tal que, para uma minoria restante poderemos encontrar trabalhadores que possam até elevar pesos acima deste limite, como também trabalhadores que podem sofrer danos na coluna mesmo abaixo do permitido limite.

É, as diferenças humanas produzem riscos também diferentes. Cara, gosto e “restrição”, cada um tem a sua! Assim como entre irmãos gêmeos, é só aproximar as semelhanças que aparecem as diferenças.

E, não é fácil atender às exigências das infinitas particularidades de cada um, pois “de perto ninguém é normal”, ou ainda, como dizia Drummond, “todo ser humano é um estranho ímpar”. Mas, se tal restrição implicar em um risco para si ou para terceiro, aí será um “risco diferenciado”, merecendo todos os cuidados do SESMT que, se ignorado será cobrado no futuro. E, muito caro, pois como se sabe, a conta pode ser paga antes ou depois da sua data de vencimento, em ordem crescente de custo.

Voltando à equipe do SESMT, mesmo que o látex não seja inserido como um risco nos documentos de saúde e segurança, visto que realmente não consta no grupo oficial de riscos ambientais, conforme a nossa legislação trabalhista, o que não pode é deixar de proteger o trabalhador a ele alérgico, quanto à sua exposição.

Alguém ainda pode contestar usando um argumento que repetimos com frequência na forma de uma pergunta: onde está escrito? Ou seja, toda, toda e qualquer decisão em saúde e segurança ocupacional somente é validada se passar pelo crivo desta pergunta. Mas, assim como toda a regra, essa também tem a sua exceção. Na verdade, não está escrito. Assim como a fila, por exemplo em um campo de futebol, que mesmo desamparada de sofisticados dispositivos legais, sendo também uma regra que não está escrita, paradoxalmente é uma das mais respeitadas em nosso conturbado Brasil, como que tripudiando sobre aquelas regras devidamente escritas e, com todas as pompas de lei. Sendo assim, mesmo não escritos, é recomendável e prudente que a fila e o risco diferenciado sejam bem respeitados, pois as consequências do desrespeito de ambos podem fazer muito mal para a saúde. Ah! E, também para a segurança!

Autor: Dr. Lenz Alberto Alves Cabral (MG) – Médico do Trabalho, Especialista em Ergonomia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Professor convidado da Pós-Graduação em Medicina do Trabalho da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Diretor da PROERGON – Assessoria e Consultoria em Segurança e Saúde do Trabalhador / Ergonomia, autor do livro “Abre a CAT?” (Editora LTr). Contato: www.proergon.com.br

O Dr. Lenz escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Lenz”

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