29 jan 2016

Vai um ASO aí?

Nenhum comentário.

Frequentemente o médico do trabalho tem que tomar decisões complexas, com grandes repercussões, que afetam várias pessoas e instituições.

Nem sempre a sua decisão como médico do trabalho é aquela que você gostaria de tomar, seja por convicções pessoais, religiosas, políticas, filosóficas, etc. Ora, o ideal é que a decisão a ser tomada seja aquela que está mais fundamentada no critério técnicolegal, pois se alguém “discordar” da sua decisão, você estará amparado pela ciência e a legislação trabalhista vigente, tendo como sustentação o critério técnico-legal.

Mas afinal, o que faz um médico do trabalho? A resposta não é tão simples. Mas, poderíamos arriscar, com base em nossa legislação brasileira, em especial nas normas regulamentadoras de números 4 (SESMT) e 7 (PCMSO), afirmando que o médico do trabalho promove a saúde, segurança e integridade do trabalhador e elabora a respectiva documentação trabalhista.

Porém, o trabalho é uma relação tripartite, formada pelo empregador, empregado e o governo, cada um com suas atribuições, direitos e deveres. Ora, poderíamos então completar, afirmando que o médico do trabalho promove a saúde, segurança e integridade do trabalhador e elabora a respectiva documentação trabalhista, de tal maneira a garantir os direitos e deveres de todas as três partes envolvidas. Sim, de todas as três partes envolvidas, posto que embora a legislação trabalhista seja considerada paternalista em relação ao trabalhador, todas as três partes possuem direitos e deveres. Isto quer dizer que, assim como um árbitro de futebol que ao beneficiar um time prejudica o outro, da mesma forma, uma decisão inadequada do médico do trabalho resultará seguramente em uma rigorosa cobrança pelos seus direitos da parte prejudicada, que pode ser dirigida à instituição que o médico representa (SESMT, INSS, Justiça do trabalho, etc.), ou diretamente ao próprio médico, em níveis que vão desde o informal, passando por denúncia ao CRM, ação judicial na esfera cível, podendo chegar até à esfera criminal.

Na verdade, uma intervenção inadequada do médico do trabalho compromete a garantia dos direitos e deveres das três partes envolvidas, incluindo aqui, a do próprio médico, ou seja, comprometendo também os seus direitos e deveres. Daí a importância de usar uma fundamentação sólida, baseada em critérios técnicos e legais para embasar as nossas intervenções para não causar prejuízos a nenhuma das três partes, pois você sempre será questionado por uma dessas três partes, às vezes até por todas elas, independente do ator social que você representa, seja você um médico do trabalho de um SESMT, seja com um coordenador de PCMSO ou mesmo um médico examinador, seja você um médico perito do INSS, perito da Justiça do Trabalho ou assistente técnico.

Na verdade, toda intervenção do médico do trabalho resulta em responder uma destas três perguntas: é do trabalho? (nexo causal), o trabalhador está apto? (aptidão laboral) e, por fim, existe o risco ambiental (presença/ausência do risco).

Antes de continuar a ler este artigo, aceite este desafio: pense em algumas das maiores dificuldades que você já teve como médico do trabalho e, ao final, verá que a solução para todas se encontra, invariavelmente em uma destas três perguntas sugeridas.

Assim, com base nestas três perguntas, muitos são os prejuízos provocados por uma intervenção inadequada do médico do trabalho ao concluir equivocadamente sobre um nexo causal, aptidão laboral ou presença/ausência de um risco laboral. Em relação ao trabalhador, podemos citar a não caracterização de legítimos acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, comprometendo assim o seu acesso aos benefícios acidentários e o não depósito de fundo de garantia, a não contagem de tempo de serviço para acertos trabalhistas, o não acesso à estabilidade acidentária e o embaraço no acesso à justiça do trabalho, o não reconhecimento de riscos ambientais e o não recebimento de devidos adicionais de risco (insalubridade e periculosidade), a não contagem de tempo diferenciada para aposentadoria especial, o enquadramento indevido na cota de deficiente de trabalhadores não deficientes, ocupando a vaga de pessoas com deficiências, o cerceamento do direito do trabalhador com “necessidades especiais” de participar da cota, dentre outras.

Em relação ao empregador, os prejuízos são vários, como o pagamento indevido pela empresa de adicionais de risco (insalubridade e periculosidade), indevida majoração do SAT (Seguro Acidente do Trabalho) seja pelo reconhecimento indevido de aposentadoria especial, ou caracterização incorreta de acidente do trabalho ou doença ocupacional com registros de CAT (Comunicação de Acidente do trabalho) para eventos que não se enquadram como acidente do trabalho ou doença ocupacional, ou ignorando legítimos acidentes do trabalho, “maquiando a realidade da empresa”, adiando os problemas para o futuro, não reconhecendo devidos adicionais de risco e aposentadorias especiais, dificultando a empresa em atingir a cota legal estipulada pela lei 8213 por cerceamento indevido de inserção na cota de legítimos portadores de “necessidades especiais”, ou o contrário, de enquadramento indevido de trabalhadores não deficientes, gerando insegurança jurídica para a empresa, situações que resultam em problemas corporativos futuros que vão desde pequenas dificuldades administrativas e financeiras até a falência da corporação por passivo trabalhista, como temos assistido com frequência.

Em relação ao governo, compromete o planejamento de ações devido à falta de informações decorrentes de sonegação de acidente do trabalho, doença ocupacional e presença de riscos ambientais, levando a prejuízos que vão desde as ações de prevenção inadequadas, às dificuldades de tratamento e reabilitação do acidentado, o desequilíbrio atuarial previdenciário (ou seja, comprometimento do balanço financeiro entre a entrada e saída de dinheiro no INSS), dificuldades para a justiça do trabalho, facilitando as chamadas “demandas vazias”, ou mesmo comprometendo a adequada reparação dos danos decorrentes do trabalho resultando muitas vezes em enriquecimento ilícito ora para o empregado, ora para o empregador.

O resultado final dessas ações inadequadas do médico do trabalho é o aumento do chamado custo Brasil, ou seja, o aumento das dificuldades e diminuição da competitividade e eficiência do Brasil.

Vai um ASO aí?

Autor: Dr. Lenz Alberto Alves Cabral (MG) – Médico do Trabalho, Especialista em Ergonomia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Professor convidado da Pós-Graduação em Medicina do Trabalho da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Diretor da PROERGON – Assessoria e Consultoria em Segurança e Saúde do Trabalhador / Ergonomia, autor do livro “Abre a CAT?” (Editora LTr). Contato: www.proergon.com.br

O Dr. Lenz escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Lenz”.

Assine a newsletter
saudeocupacional.org

Receba o conteúdo em primeira mão.