02 set 2020

A nova Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT): COVID-19 é reconhecida como doença relacionada ao trabalho

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O Ministério da Saúde alterou a Portaria de Consolidação nº 5, de 28 de setembro de 2017, atualizando a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), por meio da Portaria nº 2.309, de 28 de agosto de 2020, publicado no Diário Oficial da União em 01º de setembro de 2020, com vigência imediata.

A Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho destina-se, no âmbito da saúde, às seguintes finalidades, entre outras: I – orientar o uso clínico-epidemiológico, de forma a permitir a qualificação da atenção integral à Saúde do Trabalhador; II – facilitar o estudo da relação entre o adoecimento e o trabalho; III – adotar procedimentos de diagnóstico; IV – elaborar projetos terapêuticos mais acurados; e V – orientar as ações de vigilância e promoção da saúde em nível individual e coletivo.

A LDRT está organizada nas seguintes estruturas: Lista A: Agentes e/ou fatores de risco com respectivas doenças relacionadas ao trabalho; e Lista B: Doenças relacionadas ao trabalho com respectivos agentes e/ou fatores de risco.

Foi previsto que a LDRT será revisada no prazo máximo de 5 (cinco) anos, observado o contexto epidemiológico nacional e internacional.

Destaca-se na atualização, que para a Síndrome de Burnout foram reconhecidos como agentes e/ou fatores de Risco: “fatores psicossociais relacionados a: gestão organizacional; e/ou contexto da organização do trabalho; e/ou característica das relações sociais no trabalho; e/ou conteúdo das tarefas do trabalho; e/ou condição do ambiente de trabalho; e/ou interação pessoa-tarefa; e/ou jornada de trabalho; e/ou violência e assédio moral/sexual no trabalho; e/ou discriminação no trabalho e/ou risco de morte e trauma no trabalho”.

É salutar a atualização da lista ao indicar uma série de doenças relacionadas ao trabalho que tem a discriminação no trabalho como agente e/ou fator de risco psicossocial. Ainda, apresenta doenças que tem como fator de risco a violência física ou psicológica relacionada a aspectos do trabalho. O assédio moral é reconhecido como causador de uma série de doenças.

O trabalho noturno é reconhecido como fator de risco para algumas neoplasias malignas, transtornos mentais, diabetes, obesidade, entre outras doenças.

Conquanto, o ponto que vem gerando mais debate da LDRT é a inclusão da doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 (COVID-19), quando da exposição a coronavírus SARS-CoV-2 em atividades de trabalho. Deste modo, o empregado que tenha mais de 15 dias de afastamento e seja enquadrado pelo perícia médica federal como doença ocupacional, fruirá de auxílio-doença acidentário na Previdência Social, tendo direito a no mínimo 12 meses de garantia provisória de emprego após a cessação do benefício e recolhimento do FGTS. E, as empresas estarão sujeitas a condenação por indenização de danos morais e materiais. Assim, não basta ser acometido de COVID-19 e ser encaminhado à perícia médica federal, pois é necessário o reconhecimento do nexo de forma comprovada ou suspeita, nos moldes do art. 169 da CLT. É preciso ficar atento a este ponto.

A primeira referência perícia médica federal não é a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT) do Ministério da Saúde, mas sim o Anexo II do Decreto n° 3048/1999, que até então eram similares. Entretanto, sem razão o argumento que o perito médico federal é proibido de fazer uso da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT) do Ministério da Saúde e logo COVID-19 nunca poderia ser considerada doença ocupacional, visto que ela é uma referência das doenças e agravos oriundos do processo de trabalho, consoante dispõe o art. 423 da Portaria de Consolidaçõa n° 5 do Ministério da Saúde.

Aliás, o Supremo Tribunal Federal (STF) já tinha suspendido a eficácia do artigo 29 da Medida Provisória 927, permitindo assim a caracterização do COVID-19 como doença ocupacional.

Ademais, a Lei n° 8.213/1991 define no art. 20, § 2º que “em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.”

Ressalta-se que a a inexistência de uma doença nas listas A ou B do Decreto n° 3048/1999, não impede, de modo algum, que o médico do trabalho, o perito judicial, o perito médico federal ou o magistrado do trabalho considerem uma doença como ocupacional e, por sua vez, acidente do trabalho, pois o Brasil adota o sistema de lista mista, que enumera algumas doenças ocupacionais e fatores de risco, mas que permite o enquadramento de quaisquer outras. Inclusive, é o que dispõe o art. 7° da Recomendação 121 da OIT que:

Quando na legislação nacional existe uma lista que se estabelece a presumida origem ocupacional de certas doenças, se deve permitir a prova da origem ocupacional de outras doenças ou das doenças incluídas na lista quando se manifestam em condições diferentes daquelas em que foi estabelecido sua origem ocupacional presumida. (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 1964).

A Lei n° 8.080/1990 determina, no inc. VII do §3°, do art. 6°, que está incluído no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) promover a “revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho, tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais”.

E, é uma das estratégias da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e Trabalhadora (PNSTT) garantir a “revisão periódica da lista de doenças relacionadas ao trabalho”, conforme art. 9°, inc. II, alínea ‘e’ do Anexo XV, da Portaria de Consolidação do Ministério da Saúde n° 2/2017.

Compete à Direção Nacional do SUS, nos termos do art. 11, inc. XIV da PNSTT, “conduzir a revisão periódica da listagem oficial de doenças relacionadas ao trabalho no território nacional e a inclusão do elenco prioritário de agravos, relacionados ao trabalho, na listagem nacional de agravos de notificação compulsória”.

Já a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST) define na alínea ‘c’ do item VII, que “Compete ao Ministério da Saúde: promover a revisão periódica da listagem oficial de doenças relacionadas ao trabalho”.

E o Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PLANSAT) define na sua estratégia 3.1, ação 3.1.3, promover a “realização de estudos para a revisão periódica da listagem de doenças relacionadas ao trabalho e para a adequação dos limites para agentes ambientais nos locais de trabalho”, definindo como responsáveis: “Bancada de Governo da Comissão Tripartite de Saúde e Segurança no Trabalho (CT-SST), e parceiros institucionais: CT-SST, Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP), universidades e instituições de ensino e pesquisa”.

Desse conjunto de normas, verifica-se que no Brasil há um embaralhamento de atribuições para a definição da LDRT e que o Brasil possui duas Listas de Doenças Relacionadas ao Trabalho: uma constante na Portaria de Consolidação n° 5/2017 do Ministério da Saúde (atualizada em 01° de setembro de 2020) e outra no Anexo II (Listas A e B) do Regulamento da Previdência Social – Decreto n° 3048/1999, sendo, atualmente, diversas no conteúdo. Portanto, cabe harmonização, em uma futura atualização do Anexo II do Decreto n° 3048/1999.

Essa peculiariadade do Brasil, identificada pelo fato de possuir uma lista do Ministério da Saúde (MS) e outra do Regulamento da Previdência Social (RPS), é inadequada, pois pode gerar insegurança jurídica.

Por isso, é preciso que se defina uma “lista única nacional”, evitando-se divergências possíveis e garantida a participação sindical na sua formulação, por mandamento expresso no inc. VII, do §3°, do art. 6° da Lei n° 8.080/1990. Faz-se necessário assegurar também a manutenção de um sistema misto, nos termos do disposto pela referida recomendação da OIT.

Por fim, cabem felicitações a todos profissionais envolvidos na atualização da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), por meio da Portaria nº 2.309, de 28 de agosto de 2020 do Ministério da Saúde, em prol da saúde dos trabalhadores, especialmente dos profissionais da saúde expostos ao risco biológico, devendo a LDRT ser tema de eventos na área e sobretudo, de aplicação para salvaguardar os direitos sociais.  

Atualização após publicação:
O Ministro de Estado de Saúde Interino, por meio da Portaria n. 2.345, de 2 de setembro de 2020, em edição extra do Diário Oficial da União, tornou sem efeito a Portaria nº 2.309/GM/MS, de 28 de agosto de 2020.Tal revogação não irá impedir o reconhecimento da COVID-19 como doença ocupacional, visto que o Supremo Tribunal Federal já tinha suspendido a eficácia do dispositivo da MP 927 que prejudicava o reconhecimento da COVID-19 como doença ocupacional. A MP 927/2020 teve sua vigência encerrada em 19 de julho de 2020. Assim, mesmo a doença COVID-19 encontrando- se ausente, hoje, das Listas A e B do Anexo II do Decreto n. 3.048/99 e da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho do Ministério da Saúde, é possível o reconhecimento de sua condição de doença ocupacional, por meio do nexo causal, de forma comprovada ou suspeita, por aplicação do art. 20, § 2º da Lei n. 8.213/1991 c/c art. 169 da CLT. Os critérios do art. 2º da Resolução CFM n. 2.183/2018 são esenciais para o estabelecimento do nexo causal por parte do médico do trabalho. 

Autor: Dr. Saulo Soares – Médico do Trabalho, Advogado, Professor efetivo Adjunto de Direito de Universidade Federal e Perito Judicial. Doutor em Direito, com distinção Magna Cum Laude, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas (CAPES 6). Mestre em Direito, com distinção Magna Cum Laude, pela PUC Minas (CAPES 6). Especialista em Direito Médico (UNIARA), Direito do Trabalho e Previdenciário (PUC Minas) e Medicina do Trabalho (FCMMG). Detentor do Título de Especialista em Medicina do Trabalho pela Associação Médica Brasileira (AMB). Bacharel em Direito pela Faculdade Mineira de Direito (FMD). Leigo da Igreja Católica Apostólica Romana. Autor dos livros “Ser Médico ‘examinador’ do Trabalho: subserviência e precarização do jaleco branco – uma abordagem jurídico-científica” (Editora Buqui); “Direitos Fundamentais do Trabalho” (Editora LTr) e “Direito da Prevenção de Riscos Ocupacionais” (Editora Lumen Juris). Coordenador dos livros “Temas Contemporâneos de Direito Público e Privado” (Editora D’Plácido); “Fluxo de Direito e Processo do Trabalho” (Editora CRV); “Ciência Trabalhista em Transformação” (Editora CRV) e “Direitos das Pessoas com Deficiência e Afirmação Jurídica” (Editora CRV).

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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