14 maio 2020

A condução do ato pericial médico e o mito do obrigatório exame físico e mental direto

postado em: Coluna do Cenci

Nenhum comentário.

Os cidadãos brasileiros, seja lá qual for a circunstância, óbvia ou não, têm seus deveres e direitos garantidos pela Constituição Federal. Por tal garantia, embora possa parecer que isso raramente poderia ocorrer, mesmo que seja vontade minoritária, num estado de direito democrático, devemos considerar também que é direito da pessoa se negar a submissão ao exame direto do seu corpo ou mente. Minorias também devem ser respeitadas!

“O direito das minorias deve compor a agenda desta Corte…” Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Não obstante ter tal direito, isso não possibilita às pessoas, vantagens ou outros direitos decorrentes dessa recusa, já que o nosso ordenamento legal delimita que, por essa recusa, dela não poderá se aproveitar.

            Código Civil:

Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.

Art. 232. A recusa à perícia ordenada pelo juiz poderá suprir prova que se pretendia obter com o exame.

Essa mesma Constituição Federal, garante a liberdade de atuação profissional, incluindo a dos médicos, como lá está definida e reforçada pelo Código de Ética Médica:

Constituição Federal

Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XIII — é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; (…)

Código de Ética Médica

Capítulo I

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

VII – O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.

VIII – O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.

Então, para o médico, nem mesmo conselheiros do Conselho Federal de Medicina (CFM) podem tirar essa liberdade profissional, pelo contrário, devem garanti-la. Ao CFM cabe estabelecer limites, porém, subordinado à Constituição Federal e às Leis Federais, Estaduais e Municipais, não podendo, mesmo que majoritariamente pareça justificado, alterar essa hierarquização.

Isso posto, também é fácil compreender que a relação que se estabelece entre a pessoa – periciando – e o perito médico, não é a mesma que habitualmente se estabelece entre o paciente e o médico assistente, pois é condição precípua do perito, de tudo duvidar. Assim sendo, a propedêutica pericial médica é substancialmente diferente daquela que o médico deve fazer quando há relação de confiança com a pessoa examinada e, nos vivos, variará caso a caso, devendo o perito ser autônomo para conduzi-la. Sobre isso, mais adiante acercaremos a questão.

Voltando à questão do direito individual das pessoas, já que a ponto se impõe, é certo que, para se dirimir uma condição quando se pleiteia algum direito, benefício etc., decorrente de fator  físico ou mental, seja ele solicitado pela própria pessoa ou por uma autoridade, é que se convoca o auxílio um perito médico, quando necessário manifestação em uma demanda, administrativa ou judicial, e para decidir sobre esse fato, até mesmo os magistrados, inclusive os das mais altas cortes, devem se socorrer de perícia médica. Sabemos que cabe à autoridade determinar o objeto da perícia, mas nem mesmo essa autoridade pode determinar o comportamento técnico do perito médico. O que pode essa autoridade é criticar, pugnar ou impugnar, aproveitar ou não a conclusão expressada, se com ou sem aproveitamento de parte ou do todo do laudo ou conclusão expedida. Então, nada mais justo e acertado que facultar a escolha da modalidade pericial à pessoa e/ou à autoridade solicitante de uma perícia médica.

Pode-se pensar que no desenvolvimento desse mister, caso o perito tenha a colaboração do examinado, poderá ter a coleta de evidências, físicas ou mentais, facilitadas, todavia, é aí onde o perito deve ter o máximo de cuidado, pois, essa “facilidade” poderá comprometer todo o seu trabalho, seja pelos simuladores, seja pelos maus intencionados etc., visto que não se pode perder de mente que a pessoa a ser examinada, de forma direta ou indireta e na imensa maioria das vezes, tem interesses, sejam objetivos ou relativos, ao que pode externar no exame físico e/ou mental a que será submetido. Aliás, não se pode dar “peso” ao sentido de que o exame direto supostamente, por si só, irá revelar o âmago da controvérsia para o atingimento do que se está prospectando, investigando e a relação com o que se deve concluir.

Classicamente os médicos sabem que a clínica é soberana, entretanto, clínica não se traduz por exame direto. Clínica é um conjunto de achados, onde, muitas vezes, se descarta até mesmo o que revela o exame direto no curso do raciocínio clínico, fundamentando-se em outros dados para diagnosticar, prescrever etc., e ao que se conclui numa perícia médica.

Ora, será com base na necessária expertise técnica do perito médico e o que detém como conhecimento científico que, com toda dificuldade inerente a qualquer ato pericial, não pode se deixar influenciar por aquilo que parece óbvio, já que atua nos limites da busca aproximada da verdade e exatidão. Os fundamentos que adotar, o perito médico deverá demonstra-los detalhadamente no laudo, visando esclarecer como obteve sua convicção para expressar seu parecer conclusivo, tendo total responsabilidade sobre isso.

Demanda aceitar, não se pode negar, que uma pessoa submetida ao exame físico e mental diretos, se mau intencionada, poderá “esconder” ou “alterar” inúmeros sinais clínicos por vontade consciente, ou até inconsciente. O simulador, o mau intencionado etc., pode assumir postura ativa nem sempre percebida pelo médico, mesmo os mais experientes. Então, exame físico e mental direto, sim, pode ter valor em casos específicos, todavia, não são o de maior “peso” ou importância na anamnese pericial médica. Antecedentes, histórico etc., podem revelar muito, mas muito mais que o exame físico e mental direto em diversas ocasiões.

Diante dessas considerações, já é possível depreender que o exame direto não é panaceia. Realizar o exame físico direto não pode simplesmente ser usado para se supor uma perícia médica como bem feita. Por si só, o exame físico direto realizado tampouco pode servir como base para se afirmar que uma perícia médica ou laudo pericial médico é suficiente ou não do ponto de vista técnico para ser apresentado, administrativa ou juridicamente, visando dirimir a dúvida que motivou a realização desse ato técnico.

De mesma sorte, o perito médico responsável sabe que não pode negar e tampouco conceder o que depende exclusivamente do exame direto, pois, se assim proceder, seria tendencioso, desonesto etc., o que, na prática, não é a regra.

Então, o que deveria ser liame para se ponderar se cabível ou não a telemedicina na perícia médica, mesmo parecendo óbvio, mas por vezes desvalorizado por pareceristas, inclusive pelo próprio CFM, é a expertise e soberania do perito médico no seu mister. Para ser bom perito médico, não basta ser médico, deve ter mais, por exemplo, deve ter astucia, perspicácia, experiência, prudência, zelo, muita responsabilidade, capacidade técnica, ou seja, deve ter expertise!

Para superarmos mitos, vejamos o significado das palavras exame, vistoria e avaliação, entre outros, sem perdê-los da mente para o que adiante vamos considerar:

– Exame: apuração, análise, averiguação, estudo, pesquisa, investigação;

– Vistoria: auditoria;

– Avaliação: parecer, opinião, julgamento, ponderação.

Assim, o que delimita uma prova pericial é a nossa lei e lá consta:

CPC 2015:

Art. 464.  A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.

  • 1o O juiz indeferirá a perícia quando:

I – a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico;

II – for desnecessária em vista de outras provas produzidas;

III – a verificação for impraticável.

  • 2o De ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em à perícia, determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido for de menor complexidade.
  • 3oA prova técnica simplificada consistirá apenas na inquirição de especialista, pelo juiz, sobre ponto controvertido da causa que demande especial conhecimento científico ou técnico.
  • 4o Durante a arguição, o especialista, que deverá ter formação acadêmica específica na área objeto de seu depoimento, poderá valer-se de qualquer recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens com o fim de esclarecer os pontos controvertidos da causa.

  Ou seja, a finalidade de uma perícia médica também é a de esclarecer os pontos controvertidos da causa pedida – benefício etc., com destaque que será feita na busca aproximada da verdade e da exatidão.

“Assim, a perícia poderá ser direta ou indireta; naquela, o exame pericial é feito (diretamente) na pessoa, na coisa, ou no objeto, a fim de que seja identificada a verdade do que foi alegado; nesta, o exame pericial é realizado (indiretamente) nos elementos, ou documentos, ou peças que possam existir, para a apuração sobre a exatidão do que foi afirmado. Pedrotti, 2006, p. 293.

Em análise, no ano de 2.010, o CREMESP assim ponderou:

CREMESP – Parecer Consulta n. 150.138/10.

Assunto: Sobre realização de perícia indireta.

Ementa: A perícia médica indireta, a exemplo da perícia médica direta, mostra-se perfeitamente factível de realização, constituindo importante elemento de prova à elucidação dos pontos controvertidos com a consequente formação de convicção do solicitante. Entendemos que tal procedimento não afronta o art. 92 do Código de Ética Médica, que reza ser vedado ao médico assinar laudos periciais, auditoriais ou de verificação médico-legal quando não tenha realizado pessoalmente o exame, já que na perícia médica indireta, o exame clínico e eventuais exames complementares inexistem, e a prova pericial médica há de ser realizada com base exclusivamente nos documentos médicos do falecido, sendo que tal situação deve ser referida no laudo que deve ser assinado pelo próprio médico que procedeu a análise documental na presença dos interessados, legalmente habilitados. APROVADO NA REUNIÃO DA CÂMARA TÉCNICA DE MEDICINA DO TRABALHO E PERÍCIAS MÉDICAS, REALIZADA EM 13.12.2011. APROVADO NA REUNIÃO DA CÂMARA DE CONSULTAS, REALIZADA EM 23.3.2012. HOMOLOGADO NA 4.474ª REUNIÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 27.3.2012.

            Ainda, relacionado a autonomia das pessoas, convém lembrar que no morto por morte natural, a autópsia deve ser autorizada!

“Para a realização de necropsia nos casos de morte natural há necessidade de autorização da família”. PROCESSO-CONSULTA CFM nº 7.077/10 – PARECER CFM nº 39/11.

Merece destacarmos que a Resolução CFM 2.056/13, no artigo 56, que se sobrepõem ao Parecer CREMESP supracitado, faz referência a licitude da perícia indireta, não fazendo menção que seja aplicável somente em indivíduos mortos, tornando qualquer parecer noutro sentido, mera impressão pessoal, sem força regulatória de exigência a ser cumprida. Vale ressaltar que essa mesma resolução indica que as perícias “poderão variar em função da natureza e das peculiaridades da perícia”, ou seja, indica com clareza que prevalecem as peculiaridades da demanda solicitada e do seu respectivo órgão/instituição demandante.

“Art. 56. Os relatórios periciais (laudos) poderão variar em função da natureza e das peculiaridades da perícia (cível, criminal, administrativa, trabalhista ou previdenciária; transversal, retrospectiva ou prospectiva; direta ou indireta); entretanto, sempre que possível, deverá ser observado o roteiro abaixo indicado.”

            Sobre as peculiaridades das perícias, incluindo as previdenciárias e todos as outras, os ensinamentos jurídicos apontam com clareza que, em certas circunstâncias, a perícia não pode ser indeferida!

“Sucede, no entanto, que às vezes o que se demanda do perito, é que descubra e reavive, com seus conhecimentos especializados, os traços de um fato já ocorrido, o que não constitui tarefa para quem não possua habilitações de ordem técnica. Claro está que se o juiz não estiver em condições de dizer se o perito pode ou não obter essa restauração do fato que não deixou vestígios captáveis pelo senso comum, a perícia não pode ser indeferida” Fonte: Instituições de direito processual civil. 4ª ed. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1972, vol. III, p. 362-363.

Para mais bem ilustrarmos, voltando ao Parecer do CREMESP que valida como ética a perícia indireta, o fundamento adotado foi o do caso extremo – do morto, apontando que haveria inexistência da expressão clínica, o que, convenhamos, ocorre em situações não menos peculiares e é modo aplicável no vivo, se assim forem as condições. Por conseguinte, é fácil perceber que a perícia indireta não é cabível somente em caso de morte, mas sempre que as expressões clínicas não estejam presentes e/ou que essas não sejam necessárias para a conclusão a ser expressada e quem definirá isso é o perito médico!

Nesse sentido, convém lembrarmos que a OMS (Organização Mundial de Saúde), pela peculiaridade em certas condições, admite a Autopsia Verbal. Também, o tempo contemporâneo está trazendo por cientistas suíços proposta de Autópsia Virtual, ou seja, o ato pericial também deve se ajustar a evolução das relações pessoais, tecnológicas etc.

Portanto, o domínio da modalidade pericial que se realizará não é do perito médico, mas de quem a solicita. Todavia, o ato pericial será exclusivo do perito médico! Caberá também ao perito médico informar como procedeu e concluiu os limites da sua atuação e abrangência da sua conclusão. Aqui convém lembrarmos a questão dos meios de prova no judiciário, pois o Direito rechaça a busca de provas desnecessárias – as inúteis, as supérfluas ou as dispensáveis. Assim sendo, poder-se-ia até dizer que, em alguns casos a perícia direta seria dispensável, prevalecendo como mais bem indicada a perícia indireta.

Nesse sentido, destaco que o próprio CFM considera válida e muito útil a perícia indireta, vejamos:

RESOLUÇÃO CFM Nº 2.164/2017 – (Publicada no D.O.U. em 03 ago. 2017, Seção I, p. 216).

Regulamenta o procedimento administrativo para apuração de doença incapacitante, parcial ou total, para o exercício da medicina e revoga a Resolução CFM nº 1.990/2012, publicada no D.O.U. de 11 de junho de 2012, seção I, p. 103.

Art. 2º – § 8º. Não comparecendo o periciando ao ato pericial, o conselheiro instrutor poderá designar a realização de perícia indireta.

Art. 3º. Realizada a perícia médica, direta ou indireta, o conselheiro instrutor avaliará as provas constantes dos autos, podendo determinar outras diligências eventualmente necessárias para a completa averiguação quanto à possível doença incapacitante ao exercício da medicina.

            Portanto, a autonomia do perito é o ápice da perícia médica! É nessa ocasião que decidirá se será necessário determinar outras diligências eventualmente necessárias para a completa averiguação quanto à possível doença incapacitante ao exercício da medicina ao realizar, por exemplo, uma “teleperícia”, uma perícia indireta etc.

            Alguns citam que o Código de Ética Médica (CEM) traria impedimento à “teleperícia”, o que não é exato, e aí nos socorremos da sinonímia que acima apresentamos. Notemos:

Código de Ética Médica – Capítulo XI  

AUDITORIA E PERÍCIA MÉDICA

É vedado ao médico:

Art. 92. Assinar laudos periciais, auditoriais ou de verificação médico-legal, quando não tenha realizado pessoalmente o exame.

Não consta que a expressão “exame” se restrinja somente ao entendimento de exame clínico direto, pois, se assim fosse estaria explicitado o limite, especialmente designando a necessidade da inspeção física e/ou mental direta. A palavra exame, cujo significado é, além daqueles, tem como sinônimos observação cuidadosa, investigação, pesquisa atenta e minuciosa, estudo, revisão, investigação etc. Como consta no presente artigo do CEM, é claríssimo que remete ao entendimento de “estudo do caso” e não “inspeção direta”. Ora, se o perito médico fez estudo do caso, seja por modalidade pericial direta, indireta, “teleperícia” etc. não se pode imputar infração ética ao médico afirmando que “não realizou pessoalmente o exame”.

Outros citam que o CEM também traria impedimento à “teleperícia” em outro artigo:

Código de Ética Médica – Capítulo XI

AUDITORIA E PERÍCIA MÉDICA

É vedado ao médico:

Art. 98. Deixar de atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou como auditor, bem como ultrapassar os limites de suas atribuições e de sua competência.

Ora, não atua sem isenção, tampouco com imparcialidade, aquele que atua conforme a peculiaridade do ato pericial médico, realizando a “teleperícia” ou a perícia indireta. A isenção se depreende da fundamentação expressada no laudo, na demonstração da obtenção da forma de convicção técnica, resultante da análise personalista realizada sobre os assuntos de interesse do Objeto da demanda delimitada. Nesse diapasão, vejamos um julgado de caso concreto:

“O perito municipal responsável pelo indeferimento da licença-médica não age em nome próprio, mas como representante do ente político”; “O indeferimento do benefício se alinha ao princípio da estrita legalidade que rege os atos administrativos, não havendo abuso de poder ou arbítrio por parte do Município”.  Acórdão da 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Apelação 0014045-10-2006:

Reforçando o conceito de total autonomia para os atos médicos, por óbvio incluindo a perícia médica, temos a Resolução CREMESP n. 126, de 31 de outubro de 2005, alterada pela Resolução CREMESP n. 167, de 25 de setembro de 2007, art. 5º:

“O médico na função de perito não deve aceitar qualquer tipo de constrangimento, coação, pressão, imposição ou restrição que possam influir no desempenho de sua atividade, que deve ser realizada com absoluta isenção, imparcialidade e autonomia, podendo recusar-se a prosseguir no exame e fazendo constar no laudo o motivo de sua decisão”.

Portanto, não podemos admitir que o próprio CFM suscite imposição ou restrição que possa influir no desempenho do perito médico.

É importante considerarmos que a lei reconhece a autonomia técnica e científica do perito, inclusive em situação gravosa – em processo penal – crime:

Lei 12.030, de 17 de setembro de 2.009:

Artigo 2º – no exercício da atividade de perícia oficial de natureza criminal, é assegurado autonomia técnica, científica e funcional, exigido concurso público, com formação acadêmica específica, para o provimento do cargo de perito oficial.

            Se o legislador, as leis, o judiciário reconhecem e respeitam a autonomia e demonstram confiança nos peritos médicos, não parece apropriado que alguns conselheiros, do próprio conselho de classe dos médicos, em parecer, lancem dúvidas, sempre vagas, sobre essa questão, suscitando grau de desconfiança a atos periciais previdenciários, o que é muito grave, pois, deveria apura-los, caso a caso, e não adotar postura generalista contra peritos médicos que atuam no campo previdenciário.

            O Conselho Federal de Medicina em resolução específica  relacionada a justiça especializada, assim diz:

RESOLUÇÃO CFM 2183/2018 (D.O.U.: 21/09/2018)

Art. 11º – § 1º No desempenho dessa função no Tribunal, o médico deverá agir de acordo com sua livre consciência, nos exatos termos dos princípios, direitos e vedações previstas no Código de Ética Médica.

Desse modo, não parece lógico que uma Resolução do CFM expresse que é importante a confiança no perito médico e um Parecer vir a sugerir desconfiança.

Segundo relata Oliveira (2005):

“As provas não devem ser avaliadas mecanicamente com o rigor e a frieza de um instrumento de precisão, mas com a racionalidade de um julgador atento que conjuga fatos, indícios, presunções e a observação do que ordinariamente acontece para formar seu convencimento” (p. 357).

O CNJ – Conselho Nacional de Justiça – pela Resolução 317, de 30/04/2020, deu luz a dois aspectos de extrema relevância:

1 – a autonomia das pessoas: “A perícia no formato estabelecido no caput deverá ser requerida ou consentida pelo periciando,…” e,

2 – a autonomia, confiança e responsabilidade depositada nos atos do perito medico: “O perito poderá, expressamente, manifestar entendimento de que os dados constantes do prontuário médico e a entrevista por meio eletrônico com o periciando são insuficientes para formação de sua opinião técnica,…”.

Ora, com tais requisitos atendidos, não importa a modalidade da perícia médica (direta, indireta, teleperícia etc.), certo é que não enseja afirmar desvios ético-profissional no procedimento pericial que sob tal base foi realizado.

Não concordo com o sentido de que o trabalho desenvolvido por peritos médicos, em qualquer setor, notadamente os peritos médicos que atuam no campo previdenciário, judiciário ou administrativo, possa sugerir grau de descrença no desenvolvimento desse mister e que tenham tolhida sua autonomia e confiança. Penso que, pelo contrário, deveríamos reforçar o conceito de que o médico – perito médico, devidamente registrado junto ao seu conselho de classe e sem impedimentos éticos, até prova em contrário, deve ser significativamente respeitado para exercer seu trabalho de forma livre, autônoma, responsável, sem imposições, aliás, como se espera que todo médico faça.

 

Autor: Dr. Rubens Cenci Motta (SP) – Médico – Especialista pela Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina em Medicina Legal e Perícia Médica, Clínica Médica, Hemoterapia e Medicina do Tráfego. Certificado pela Associação Médica Brasileira e SBPM na Área de Atuação Categoria Especial em Perícias Médicas. Especialista em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito. Habilitação para ensino no Magistério Superior (classe A). Professor e Supervisor de Práticas Profissionais do Curso de Pós-graduação em Perícias Médicas e Medicina do Trabalho da Universidade Brasil. Coordenador do Curso de Pós-graduação em Perícia Médica com ênfase em Atuação e Métodos — Universidade Brasil. Perito Oficial Prefeitura do Município de Piracicaba. Autor dos livros “Crônicas em Perícias Médicas, DORT & Reabilitação Profissional” — Editora LTr, 1ª ed., 2011 — 2ª ed., 2012 – 3ª ed., 2014; “Conceitos Básicos de Perícia Médica”. Editora Átomo, 2012; “Manual de Iniciação em Perícias Médicas”. Editora LTr, 1ª ed., 2013 – 2ª ed. 2014. Articulista da Editora LTr — Revista de Previdência Social e Suplemento Trabalhista. Prêmio Nacional de Reabilitação Profissional — CBSSI-OISS — 1º Lugar — 2009. Autor do Trabalho Científico “Ergonomia Cognitiva: promovendo qualidade de vida no trabalho a partir de método diagnóstico participativo”, aprovado e apresentado no 4º Congresso Brasileiro de Perícia Médica Previdenciária, 2.013 – Recife, PE e no 2º Congresso Brasileiro de Medicina Legal e Perícias Médicas, 2014 – Florianópolis, SC. Secretário Municipal de Saúde da Prefeitura do Município de Piracicaba. Disciplinou Setor de Vigilância Sanitária e criou Equipe de Vigilância em Atividade de Trabalho, definindo suas competências – Lei 069/96 – Decreto 7401/96 – 1996. Disciplinou as atividades do Ambulatório de Saúde do Trabalhador com equipe multidisciplinar – Decreto 7509 – 1997.

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

Assine a newsletter
saudeocupacional.org

Receba o conteúdo em primeira mão.