26 mar 2020

Quem tem sintomas de coronavírus e não toma cuidados comete crime?

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A fórmula do que se pretende expor é simples: seria criminosa a conduta daquele que, conhecendo ou não podendo ignorar o perigo de contágio, expõe outras pessoas ao risco de contrair uma doença que, sabendo-se atacado — ou devendo presumi-lo pelas circunstâncias —, descumpre as orientações sanitárias mínimas para convivência social? Em poucas palavras, em meio ao inegável acesso de informações sobre coronavírus e mecanismos mínimos para a sua contenção, a pessoa que com sintomas mínimos quem mantém interação social e propaga a doença, deve responder criminalmente?

Não é de hoje que a legislação penal tutela a saúde e a vida por meio de tipos penais próprios. Ainda que seja necessário conhecer a gravidade das doenças transmissíveis por meio de ciências médicas, algumas se tornaram popularmente reconhecíveis, como a aids, tuberculose, sarampo, meningite e, (talvez agora) coronavírus (pelo estágio de estudo que se encontra).

Dificilmente alguém terá vontade dolosa de transmitir para outro a doença, ainda que tenha conhecimento dos riscos. Mas o dolo no Direito Penal também é retratado naquele que assume tal risco. Cabe observar que a transmissão de doença que se origina em um vírus, que causa infecções respiratórias, não requer meio específico para sua prática, bastando, por vezes, o simples convívio social e condutas urbanas como um simples abraço ou aperto de mãos.

Por isso, questiona-se, haveria crime na conduta de quem propaga a doença por assumir o risco de interação social?

O primeiro enfrentamento deveria ser de política pública de educação sanitária, não somente para os momentos de riscos de epidemia, mas como conduta social para com o próximo em um mundo globalizado e de dimensões complexas. Por exemplo, a sífilis no Brasil vem registrando aumento nos diagnósticos, sendo que em Salvador, na Bahia, os casos representam uma elevação que já alcança 40%[1] no comparativo entre o ano de 2018 e 2019.

A normativa criminal vem sendo abordada por diversos ângulos, muito bem sendo observada a sua caminhada errante pelas teorias utilitaristas[2], em uma zona cinza que não se visualiza onde se separa a política-ideológica do fato penal propriamente dito. O debate sobre critérios qualitativos de distinção dos limites materiais do Direito Penal, delimitando aquilo que seria não-penal, em casos de saúde pública, oportuniza revisitar o desvalor da conduta humana como concreta ou abstrata ofensa a bens jurídicos. Registra-se, desde logo, a defesa que se faz sobre a necessidade em visualizar resultados jurídicos concretos (e não somente no mundo das probabilidades). Em outras palavras, a conduta de circular com uma doença não pode ser, somente por este fato, qualificado como ato perigoso ou de risco abstrato a sociedade. Mas, determinadas interações, como relação sexual sem preservativo no caso da aids, passam a romper a barreira do abstrato e adentram em um risco concreto. A criminalização não pode se dar no fato do sujeito portar uma doença ou vírus, mas nas condutas reais que o mesmo adota e que geram ofensas mensuráveis no bem jurídico tutelado. Em uma fórmula, esta concepção poderia ser verificável pela exigência de ofensividade ao bem jurídico, não insignificante[3].

Na forma que se acirra, pode ser ventilada a ideia de liberdade, no embate que existe entre o fato do que “eu quero e o eu posso não são a mesma coisa[4]”, havendo causas e consequências a que não se pode negar, isto é, dentro de um contexto jurídico estruturado, a ideia de controles públicos e democráticos é boa[5]. Visto assim, e com base no Direito Comparado¸ onde noticias da Itália dão conta do uso do Direito Penal[6], ao ponto que o país implementou controles pela polícia e pelo Exército, volta-se ao que se questionava no início: haveria crime na conduta de quem propaga a doença por assumir o risco de interação social?

O Código Penal brasileiro prevê a infração de medida sanitária preventiva, com pena de um mês a um ano de prisão, para aquele que infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa. Nestes casos, deverá haver uma norma de cunho obrigatório e específica, que não deve ser desobedecida. Difere-se, por tanto, de orientações sanitárias de higiene e bom senso, as quais são de políticas educativas, no entanto não geram obrigação no cumprimento.

Há, ainda, um tipo penal que trata da epidemia, tanto dolosa quanto culposa, inclusive prevendo resultado morte, pelo qual é possível penalizar aquele que a causa, mediante a propagação de germes patogênicos, com até 30 anos de prisão.O termo epidemia quer dizer irrupção de doença que atinge, em uma mesma localidade e a um só tempo, grande número de indivíduos, por moléstia grave e de fácil difusão na população[7].

Usando de uma imaginação mais fértil, pode-se ainda trabalhar o caso do agente que sabe ter coronavírus e visita parente de mais idade desejando lhe causar a morte visando herança, por saber do alto índice de mortalidade entre as pessoas idosas. Nestes casos, para além da intenção de contaminar pessoa certa, que seria retratada nos crimes de periclitação da vida e da saúde, pode-se ser debatido o crime de homicídio, inclusive qualificado pelo perigo comum.

A propagação do coronavírus, assim como de outras doenças, pode (e deve) ser merecedora de interesse penal nos casos de concreta ofensa a bem jurídicos, no mínimo pela forma culposa quando cabível. Mas isso não quer dizer um combate contra os doentes; não se deve levar a uma histeria jurídico-penal ou higienização social, pois, via de regra, devem os fatos serem tidos como atípicos. Não se pode ignorar a responsabilidade penal sobre aqueles que, assumindo o risco e sem tomarem contra medidas, insistem na convivência social (e familiar), principalmente quando o ambiente propicia propagação da doença e tem, no outro, um público que pode desenvolver resultados gravosos – como de morte em pessoas que estão debilitadas por idade ou outras circunstâncias.

 

Fonte: Conjur.com.br

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