01 ago 2019

Telemedicina do trabalho

postado em: Coluna do Edu

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Num mundo cercado de polêmicas e discussões sobre tudo, fazia algum tempo que não víamos uma tão acalorada após a publicação da RESOLUÇÃO CFM nº 2.227/2018.

A resolução define e disciplina a telemedicina como forma de prestação de serviços médicos mediados por tecnologias. Já começamos bem, pois diz “mediados” e não “finalizados”.

Vamos nos ater a Teleconsulta, Teletriagem, Telemonitoramento, Teleorientação, Teleinterconsulta e a Teleconsultoria que têm uma relação íntima com a Medicina do Trabalho, deixando o Telediagnóstico e a Telecirurgia para um outro momento.

Logo no primeiro artigo da resolução, a Medicina do Trabalho caminha paralelamente, quase de mãos dadas, a definição de telemedicina: “exercício da medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde”.

Para a realização da teleconsulta, subentende-se como premissa obrigatória o prévio estabelecimento de uma relação presencial entre médico e paciente. Nós médicos do trabalho, largamos à frente, pois a relação presencial com nosso paciente/funcionário ocorre no mínimo na admissão e nos periódicos. Quando a resolução cita os atendimentos por longo tempo ou de doenças crônicas, é recomendado consulta presencial em intervalos não superiores a 120 dias. Mais um ponto para nós, pois geralmente estamos no mesmo espaço físico deste paciente/funcionário, facilitando a sua convocação para a consulta presencial.

A resolução fala de áreas “geograficamente remotas”, discordo desta limitação de aplicação do atendimento virtual, pois o que é remoto e escasso hoje é o nosso tempo e o tempo dos nossos funcionários. Mas para estas áreas, seu uso é indiscutível.

Os exames médicos periódicos, da forma legalista como são feitos hoje, são tratados como um fim e não como um meio. Sempre tenho a sensação que dizemos para nossos pacientes/funcionários ao final do exame – “Até o ano que vem!” – sendo que a frase de despedida ideal seria – “Nos veremos mais vezes este ano, mesmo que seja através de uma tela!”. Nossa abordagem no exame médico periódico continua reativa e episódica.

Não recomendaria a realização dos exames médicos ocupacionais (admissional, periódico, mudança de função e retorno ao trabalho) por teleconsulta, em hipótese nenhuma, mas o acompanhamento pós consulta ocupacional, sim. Resultados de exames, orientações para mudança do estilo de vida, acompanhamento da prescrição, entre outros, poderiam ser feitos por nós médicos do trabalho através do recurso tecnológico. Nossas empresas são globais, transnacionais e mesmo quando estamos num espaço físico delimitado, um mesmo prédio por exemplo, quantas e quantas vezes temos que remarcar consultas pelos inúmeros compromissos, emergências, demandas e imprevistos dos nossos pacientes/funcionários. Pior que dar orientações sobre um resultado de exame por teleconsulta é não o fazer.

Uma pesquisa realizada em mais de 100 países verificou a duração média das consultas no mundo. Bangladesh é o recordista com 48 segundos de duração média. Na Suécia dura 22 minutos e no Brasil 8 minutos. Podemos realizar bons exames médicos periódicos em 15 minutos e ótimos exames em 30 minutos. Nossa população de trabalhadores geralmente é jovem e saudável e este tempo de consulta é mais do que suficiente. Precisamos de mais tempo para alguns grupos de trabalhadores, especialmente os com doenças crônicas não transmissíveis, onde o recurso da teleconsulta poderá ampliar o tempo dedicado a eles.

Será que a tecnologia despersonalizará ainda mais o cuidado/atendimento? Ouvi inúmeras vezes do paciente/funcionário, histórias sobre o exame periódico realizado em todo o Brasil: “Ele nem me examinou!” ou “Ele nem olhou na minha cara!” Já não examinávamos, já não olhávamos na cara e agora somos contra o teleatendimento?! Sei que este grupo de médicos do trabalho são minoria, mas eles estão por aí, “clinicando”, emitindo ASOs e “coordenando” PCMSOs.

Acredito num possível impacto positivo do uso da telemedicina na saúde ocupacional. Podemos ser mais assertivos nas orientações e ter um acompanhamento ainda mais “rigoroso” da adesão e da resposta ao tratamento, além das recomendações para a mudança do estilo de vida, mais promoção da saúde e prevenção de doenças. A redução do número de visitas ao pronto socorro, bem como a não realização de exames desnecessários podem ter um impacto positivo nos custos assistenciais, migrando esta economia para a prevenção. Será o futuro!?

Fica um alerta! Examinando exaustivamente o paciente corremos risco de erros, à distância…

 

Autor (a): Dr. Eduardo Arantes – Dr. Eduardo Ferreira Arantes (SP): Especialista em Medicina do Trabalho pela ANAMT/AMB. Especialização em Ergonomia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e MBA Executivo em Gestão de Saúde pela FGV. Autor dos livros: O Retorno Financeiro de Programas de Promoção da Segurança, Saúde e Qualidade de Vida nas Empresas, Ciências da Vida Humana e o recém-lançado Crônicas de Saúde, Ciência e Cotidiano. Atualmente é Diretor Técnico Comercial na VIDA CARE.

O Dr. Eduardo Arantes escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Edu”.

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Eduardo Arantes, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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