19 fev 2019

Telemedicina ou o fim da Medicina?

postado em: Coluna do Opitz

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Foi publicado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) neste mês uma Resolução criando nova regulamentação sobre a Telemedicina.

A Resolução CFM 2227/2018, entre outras disposições, permite o diagnóstico e conduta terapêutica sem que o médico examine o paciente.

Consta em seu artigo 4 que a teleconsulta é a consulta médica remota, mediada por tecnologias, com médico e paciente localizados em diferentes espaços geográficos, ou seja, através de um computador ou dispositivo eletrônico o paciente conversaria com o seu médico que estabeleceria um diagnóstico e a conduta a ser tomada.

Seria este procedimento seguro? E o exame físico? E o contato entre médico e paciente?

Todo médico, em algum momento de sua graduação em medicina, cursa uma disciplina chamada de Propedêutica, momento que a maioria dos estudantes de medicina tem o seu primeiro contato com pacientes, após ter cursado as chamadas “cadeiras básicas”.

No meu caso, isto ocorreu no 3 ano da Faculdade de Medicina de Jundiaí, quando pela primeira vez tive contato direto com pacientes, conversando e examinando os mesmos, formulando hipóteses diagnósticas que, posteriormente, eram discutidas com os professores.

Aprendemos, neste momento, as frases mais faladas no meio médico e que interferem diretamente em toda a nossa atuação.

“O exame físico é soberano”

“A clínica é soberana”

Por muito tempo nos foi ensinado que não se define diagnóstico ou se indica tratamento sem examinar o paciente, pois na grande maioria dos casos é o exame físico que define a conduta, que permite um diagnóstico preciso e correto.

É ele que nos permite desconfiar que uma dor lombar pode ser um problema renal ou até mesmo uma doença gastrointestinal, não simplesmente uma dor por ter dormido de “mau jeito”.

Este é só um exemplo, dentre vários que poderíamos indicar, destacando a importância do exame físico do paciente.

As frases citadas acima não são por acaso.

E a Telemedicina, da forma como está sendo proposta pelo CFM, vai contra anos de conhecimento médico, ciência que desde Hipócrates destaca a importância do contato com o paciente, de seu exame físico.

Aprendemos por anos que devemos utilizar os exames de imagem ou resultados laboratoriais como complementares ao raciocínio clínico, não substituindo o exame físico.

Em uma resolução o CFM derruba todos estes conceitos.

Examinar o paciente para que? Basta pedir exames e pedir que ele faça uma consulta por meio de um dispositivo eletrônico, relatando o que sente e pronto!

Antes da referida resolução já havia sido divulgada propaganda de importante hospital paulista sobre o uso da Telemedicina para o atendimento médico, práticas que vêm sendo anunciadas agora por convênios médicos e clínicas.

Em pouco tempo será substituído o atendimento presencial pelo atendimento a distância, principalmente em algumas especialidades médicas. É uma mudança inevitável com a resolução proposta.

Diante deste cenário e do horizonte que vislumbramos, não podemos deixar de manifestar nossa indignação e oposição a tal regulamentação do CFM, que permite diagnóstico e prescrição médica sem exame físico.

Esta prática terá repercussões diretas no atendimento médico da população, que será “empurrada” para o teleatendimento.

Ou alguém acha que a opção do paciente e do médico pelo atendimento presencial, como consta na resolução, será respeitada?

Estamos falando de um país com atendimento de saúde precário, tanto no sistema público como na saúde suplementar.

Falta de medicamentos, falta de recursos, falta de pessoal, falta tudo!

Com a devida vênia, a Resolução CFM 2227/18 não é compatível com a missão do CFM constante de seu próprio endereço eletrônico.

O bem-estar da sociedade, com absoluta certeza, não está sendo promovido com esta resolução, que sem qualquer debate com as sociedades médicas e os conselhos regionais de medicina foi publicada a revelia do bom senso.

A tecnologia sempre será bem-vinda, desde que respeitada as peculiaridades da medicina e o conhecimento acumulado ao longo dos anos.

O exame físico, finado exame físico, restará apenas nos livros de medicina, sendo gradualmente substituído por uma webcam e um scanner.

Lembraremos com saudade do tempo em que o exame físico era soberano.

Autor: Dr. João Baptista Opitz Neto – Médico do Trabalho, Advogado, Mestre em Bioética e Biodireito pela UMSA/AR; Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas; Especialista em Ergonomia; Perito Judicial / Assistente Técnico nas áreas trabalhista, cível e previdenciária. Autor do livro “Perícia Médica no Direito” (Editora Rideel); Colunista do portal SaudeOcupacional.org; Professor e Palestrante nas área de Pericia Médica, Medicina do Trabalho e Meio Ambiente do Trabalho; Diretor do Instituto Paulista de Higiene, Medicina Forense e do Trabalho.

Obs.: o texto acima é de autoria do colunista João Baptista Opitz Neto, e não reflete a opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

 

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