08 jan 2019

Novo Código de Ética Médica de 2019: breves reflexões

postado em: Coluna do Saulo

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Em 01° de novembro de 2018 o Egrégio Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio da Resolução n° 2.217/2018, publicou no Diário Oficial da União o novo Código de Ética Médica, devendo entrar em vigor no dia 30 de abril de 2019 (com base na LC 95/98, art. 8°, §1°). Em 01° de novembro de 2018 o Egrégio Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio da Resolução n° 2.217/2018, publicou no Diário Oficial da União o novo Código de Ética Médica, devendo entrar em vigor no dia 30 de abril de 2019 (com base na LC 95/98, art. 8°, §1°).

O novo Código de Ética Médica é estruturado do seguinte modo: preâmbulo, com seis incisos; capítulo I (princípios fundamentais), com 26 incisos; capítulo II (direitos dos médicos), com onze incisos; capítulo III (responsabilidade profissional); dos artigos 1° ao 21; capítulo IV (direitos humanos), dos artigos 22 ao 30; capítulo V (relação com pacientes e familiares), dos artigos 31 ao 42; capítulo VI (doação e transplante de órgãos e tecidos), dos artigos 43 ao 46; capítulo VII (relação entre médicos), dos artigos 47 ao 57; capítulo VIII (remuneração profissional), dos artigos 58 ao 72; capítulo IX (sigilo profissional), dos artigos 73 a 79; capítulo X (documentos médicos), dos artigos 80 a 91; capítulo XI (auditoria e perícia médica), dos artigos 92 ao 98; capítulo XII (ensino e pesquisa médica); dos artigos 99 ao 110; capítulo XIII (publicidade médica), dos artigos 111 ao 117 e o capítulo XIV (disposições gerais), com quatro incisos.

No campo dos princípios fundamentais, pode-se destacar do novo Código de Ética Médica os seguintes, dentre outros: o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano; o médico necessita ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa; ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da medicina, bem como pelo prestígio e bom conceito da profissão; compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimento; o  médico  guardará  absoluto  respeito  pelo  ser  humano  e  atuará  sempre  em  seu  benefício; o  médico  exercerá  sua  profissão  com  autonomia,  não  sendo  obrigado  a  prestar  serviços  que contrariem  os  ditames  de  sua  consciência  ou  a  quem  não  deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente; o  médico  não  pode,  em  nenhuma  circunstância  ou  sob  nenhum  pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir  quaisquer  restrições  ou  imposições  que  possam  prejudicar  a eficiência e a correção de seu trabalho; o médico  guardará  sigilo  a  respeito  das  informações  de  que  detenha  conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei; o médico empenhar-se-á pela melhor adequação do trabalho ao ser humano, pela eliminação e pelo controle dos riscos à saúde inerentes às atividades laborais; o médico será solidário com os movimentos de defesa da dignidade profissional; as relações do médico com os demais profissionais devem basear-se no respeito mútuo; o médico  terá, para  com  os  colegas,  respeito,  consideração  e  solidariedade,  sem  se  eximir de denunciar atos que contrariem os postulados éticos.

São alguns dos direitos dos médicos definidos no novel diploma, entre outros: exercer a medicina sem ser discriminado; apontar falhas em normas,  contratos e práticas internas das instituições em que trabalhe quando as julgar  indignas do exercício da profissão ou prejudiciais a si mesmo, ao paciente  ou  a terceiros, devendo comunicá-las ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver; recusar-se  a  exercer  sua  profissão  em  instituição pública ou privada onde as condições  de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais; suspender  suas  atividades,  individualmente  ou  coletivamente,  quando  a  instituição  pública  ou privada para a qual trabalhe não oferecer condições adequadas para o exercício profissional ou não o  remunerar digna e justamente, ressalvadas  as  situações  de  urgência e emergência; decidir, em qualquer circunstância,  levando  em  consideração sua experiência e capacidade profissional, o tempo a ser  dedicado ao paciente sem  permitir que o acúmulo de encargos ou de consultas venha prejudicar seu trabalho; recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência; é direito do médico com deficiência ou com doença, nos limites de suas capacidades  e  da segurança dos pacientes, exercer a profissão sem ser discriminado.

Entre os direitos, poderiam ser dedicadas mais disposições a respeito dos médicos que são empregados, ou seja, subordinados; reforçando sua liberdade de consciência e impossibilidade de normativos internos de empresas confrontar disposição ética de cumprimento obrigatório pelo médico; diante de que a Medicina vem se tornando cada vez mais vinculada a contratos trabalhistas ou normas administrativas.

Dos 164 postulados éticos do novo Código de Ética Médica são 117 normas deontológicas, todas de vedação; e somente 11 normas diceológicas, de direitos dos médicos.

Novamente o Código de Ética Médica prossegue na atipicidade do Código anterior, pois não delimita previsão prévia e expressa do preceito secundário (pena) para cada um dos preceitos primários estabelecidos (infrações éticas); como ocorre devidamente com o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Assim, para a Medicina, independente do ilícito ético pode o médico sofrer qualquer das penas previstas: advertência confidencial em aviso reservado; censura confidencial em aviso reservado; censura pública em publicação oficial; suspensão do exercício profissional até 30 (trinta) dias; cassação do exercício profissional, ad referendum do Conselho Federal.

Defende o doutrinador médico e advogado Edmilson Barros de Almeida Júnior (Carta Forense, 2011) que: “Resumidamente, se pode dizer que todas as sanções éticas aplicadas pelos Conselhos (Lei 3268/57 – art. 22) são inconstitucionais por atipicidade. O CEM prevê os ilícitos éticos (preceito primário), mas inexiste qualquer previsão normativa de sua correspondente penalidade (preceito secundário). Cada conselheiro julgador vota pela sua subjetividade. É comum a existência de sanções diferentes para um mesmo ilícito ético, divergências essas presentes até mesmo em julgados de um mesmo Conselho Regional.”

Com razão o eminente doutrinador, haja vista ser inconstitucional norma de natureza sancionatória atípica, assim como definir pena perpétua de cassação sem reabilitação. São condições que ainda devem ser solucionadas em um futuro Código de Ética Médica.

Dispõe a Constituição da República de 1988, no art. 22, inc. XXIX que compete privativamente à União legislar sobre propaganda comercial. Deste modo qualquer autarquia profissional, nesse campo, somente pode interpretar a lei federal, mas não pode inovar definindo alguma restrição não prevista anteriormente em lei.

No que se refere aos documentos médicos foi realizada uma alteração no artigo acerca da liberação de cópia de prontuário médico. Com o novo art. 89 é vedado liberar cópias do prontuário sob sua guarda exceto para atender a ordem judicial ou para sua própria defesa, assim como quando autorizado por escrito pelo paciente; e quando requisitado judicialmente, o prontuário será encaminhado ao juízo requisitante; sendo que quando o prontuário for apresentado em sua própria defesa, o médico deverá solicitar que seja observado o sigilo profissional.

Importante manutenção do novo Código de Ética Médica foi determinar no art. 24 que é vedado ao médico “deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo” e no art. 38 que é vedado ao médico “desrespeitar o pudor de qualquer pessoa sob seus cuidados profissionais”. Portanto, quando o paciente/examinado, seja homem ou mulher, solicita a presença de um acompanhante de sua confiança em qualquer consulta médica (como no DETRAN, INSS, medicina do trabalho, perícia judicial) ou realização de exame não pode o médico vetar, pois não pode limitar o direito do paciente/examinado decidir sobre seu bem-estar e ofender seu pudor.  Nesse sentido as notas técnicas do CFM n° 31/2015 e 44/2012. É direito de todo ser humano fazer-se acompanhar em qualquer exame ou consulta médica, seja em entidade pública ou privada, como exame para condução veicular, exame admissional, exame pericial judicial ou qualquer outro.

Conforme o art. 57, é vedado ao médico “deixar de denunciar atos que contrariem os postulados éticos à comissão de ética da instituição em que exerce seu trabalho profissional e, se necessário, ao Conselho Regional de Medicina”. Lamentavelmente alguns empregadores, público ou privados, expedem normativos internos, como memorandos e despachos, que afrontam os dispositivos ético-profissionais. Logo, é um dever ético do médico denunciar a instituição pública ou privada que atue e venha a exigir comportamentos antiéticos. No Brasil, é um desafio para o médico subordinado pela relação de emprego manter sua autonomia, garantir seus direitos e o respeito as normas éticas em uma realidade de massacre aos direitos trabalhistas, mesmo os profissionais de grande qualificação profissional.

Por fim, com aplausos e apreciação crítica construtiva, ressalta-se que o novo Código de Ética Médica é o basilar documento na seara ética para todo médico que atue no Brasil; devendo ser de conhecimento geral pela sociedade,  pacientes, trabalhadores e empregadores; com a finalidade precípua de efetivar um dos princípios fundamentais do Código: o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano!

Artigo publicado na Revista CIPA, ed. 471, atualizado.

Autor: Dr. Saulo Soares – Médico do Trabalho, Advogado, Professor e Perito Judicial. Doutor em Direito, com distinção Magna Cum Laude, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas (CAPES 6). Mestre em Direito, com distinção Magna Cum Laude, pela PUC Minas (CAPES 6). Especialista em Direito Médico (UNIARA), Direito do Trabalho (PUC Minas) e Medicina do Trabalho (FCMMG). Detentor do Título de Especialista em Medicina do Trabalho pela Associação Médica Brasileira (AMB). Bacharel em Direito pela Faculdade Mineira de Direito (FMD). Leigo da Igreja Católica Apostólica Romana. Autor dos livros “Ser Médico ‘examinador’ do Trabalho: subserviência e precarização do jaleco branco – uma abordagem jurídico-científica” (Editora Buqui) e “Direitos Fundamentais do Trabalho” (Editora LTr). Coordenador dos livros “Temas Contemporâneos de Direito Público e Privado” (Editora D’Plácido); “Fluxo de Direito e Processo do Trabalho” (Editora CRV); “Ciência Trabalhista em Transformação” (Editora CRV) e “Direitos das Pessoas com Deficiência e Afirmação Jurídica” (Editora CRV).

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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