11 dez 2015

E se o sindicato não homologar a demissão, o que acontece?

postado em: Direito do Trabalho

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A interpretação da lei permite certos “efeitos colaterais” em sua aplicação. Isso ocorre, dentre outras causas, quando a interpretação benéfica é aplicada de forma tão extensiva que gera desequilíbrios que terminam por afetar negativamente aqueles a quem a lei, em sua origem, pretendia beneficiar.

Pois bem. Vejamos o que diz o parágrafo 1º do artigo. 477 da CLT:

“É assegurado a todo empregado, não existindo prazo estipulado para a terminação do respectivo contrato, e quando não haja ele dado motivo para cessação das relações de trabalho, o direito de haver do empregador uma indenização, paga na base da maior remuneração que tenha percebido na mesma empresa.

*Caput com redação determinada pela Lei 5.584, de 26 de junho de 1970.

§ 1º – O pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão do contrato de trabalho, firmado por empregado com mais de 1 (um) ano de serviço, só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho”.

O artigo expressa a vontade legislativa de invalidar a rescisão contratual por pedido de demissão de empregado com mais de um ano de serviço, caso essa não tenha a chancela da homologação sindical.

É fácil entender que o legislador pretendeu proteger o empregado da pressão ou coação do empregador. O legislador elegeu o empregado com um tempo de contrato que reputou suficiente para que o Estado manifestasse seu interesse em adentrar a seara privada, ditando sua vontade pública.

O sindicato haveria, pois, de chancelar o ato de vontade do empregado, afastando a influência maléfica do empregador que teria o presumido interesse em minorar os efeitos remuneratórios da rescisão.

Mas qual a importância e alcance da chancela sindical? A importância e o alcance teriam o condão de invalidar totalmente o ato de vontade? Seria tal invalidade (nulidade) absoluta ou relativa?

A jurisprudência já respondeu, v.g. da S. 330, que a chancela sindical não possui importância significativa, a resultar na quitação liberatória plena. O ato sindical não tem o condão de validar, de forma absoluta, o ato rescisório, em qualquer uma de suas modalidades legais possíveis. O efeito de compensação do valor quitado dado pela homologação sindical não é maior que o oriundo de qualquer recibo firmado pelo empregado.

Mas se a chancela sindical não pode validar absolutamente o ato rescisório, como sua ausência poderia invalidá-lo, também de forma absoluta?

Ora, parece hialino que, se a chancela sindical presente pouco significa para a validade e consequentes efeitos do ato de rescisão, sua ausência não pode significar tudo, nulificando o ato.

Mas não seria tal conclusão a única a afirmar que a invalidade de que fala o parágrafo único do artigo 477 da CLT não é absoluta. Ora, se o fosse, os pedidos de demissão de empregados com mais de um ano não homologadas pelo sindicato haveriam de resultar na reintegração do empregado, uma vez que, nulo o ato, não haveria o efeito rescisório, retornando as partes ao status quo antes.

A reintegração seria imperativa, pois os atos nulos não se convalidam, tem efeito ex tunc e encerram uma presunção absoluta de ilicitude.

Sabemos, porém, que isso não ocorre e que a rescisão é considerada válida mesmo sem a homologação sindical, mas na modalidade ordinária da dispensa sem justa causa.

Assim é que a chancela sindical da homologação para a rescisão de iniciativa do empregado com mais de um ano de contrato não pode ser uma solenidade que a lei considera essencial para a validade do ato de rescisão, ou a única forma de validação do ato rescisório (artigo 166, IV e V do CC).

Não pode ser essencial, porque tal qualidade não se transmuda e não pode ser circunstancial. O que é essencial ao ato é de sua natureza, e a essencialidade não se lhe é retirada para favorecer uma parte em detrimento da outra, a depender da situação de fato.

Não é única forma de validação do ato rescisório, pois a rescisão contratual remanesce, havendo a convolação em outra espécie rescisória, a rescisão sem justa causa, forma rescisória ordinária.

Se a nulidade não é absoluta, a conclusão é que é relativa e, portanto, o ato é válido até que, comprovado algum vício, notadamente o de coação, mereça perder sua validade. Há uma presunção apenas relativa de ilicitude e a declaração de invalidade do ato tem efeito ex nunc.

Nesse sentido:

“RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. PEDIDO DE DEMISSÃO SEM HOMOLOGAÇÃO PELO SINDICATO. NULIDADE AFASTADA PELO TRT. CASO EM QUE ESTÁ DEMONSTRADA NO ACÓRDÃO RECORRIDO A CABAL E INEQUÍVOCA REGULARIDADE DO PEDIDO DE DEMISSÃO. O caso dos autos é de professor universitário que confessou em juízo que, descontente com a empregadora, pediu demissão, não havendo notícia de vício de vontade. A falta de homologação da rescisão pelo sindicato não implica nulidade absoluta, devendo ser superada quando no acórdão recorrido esteja demonstrada a cabal e inequívoca regularidade da manifestação de vontade do trabalhador. A necessidade de homologação pelo sindicato se destina a proteger o empregado de eventual pressão do empregador para que se afaste do trabalho, de maneira que, se há a confissão real de que a extinção do vínculo ocorreu a pedido sem vício de vontade, não faz sentido anular a demissão. Se a assinatura da CTPS admite prova em sentido contrário, esse caso também admite. Recurso de revista de que não se conhece.” (TST – RECURSO DE REVISTA RR 8251220105090003, Data de publicação: 13/03/2015).

Não é demais ressaltar que a menção ao fato de o reclamante ser professor universitário não possui relevância jurídica. Ora, ausentes os vícios de consentimento, a formação do empregado não tem o condão de modificar a natureza ou efeitos da rescisão contratual.

De outro lado, uma vez aceita a nulidade relativa e a presunção que dela emana, a teoria do ônus ensina que, se esta presunção beneficia uma parte, o ônus da prova recai sobre o adversário. O ônus de provar a validade do ato é, então, do empregador.

Pois bem. O que ocorre na prática é que os pedidos de nulidade do pedido de demissão têm tomado até um quarto da vasta pauta das varas do Trabalho do Tribunal de São Paulo.

Todavia, nesses casos, não é rara a confissão da parte reclamante — que supre o ônus da prova da reclamada —, no sentido de que pretendia a rescisão contratual, mas a empresa assim não quis. E não haveria mesmo de querer, custeando, sem dar causa à rescisão, o aviso prévio e a multa de 40% sobre os depósitos do FGTS.

Ora, se a vontade rescisória é válida, e a chancela sindical apenas cria uma presunção relativa de ilicitude, como poderia se cogitar de inválido o ato? Onde estaria o vício de vontade?

E mais. Antes mesmo da confissão, a própria inicial já é no sentido de que o empregado se viu “obrigado” a pedir demissão em razão de condutas ilícitas da reclamada.

Mas sabemos que se o empregador dá motivos reais para a rescisão de contrato, a modalidade de rescisão prevista em lei de iniciativa do empregado é a rescisão indireta, e tal rescisão não se coaduna com a expressa manifestação de vontade do empregado demissionário.

Assim é que interpretação dúbia acerca da importância, efeitos e alcance da chancela homologatória sindical norteou o comportamento dos empregados demissionários, que lograram, inclusive, o acesso indevido e desmedido ao seguro desemprego. A consequência foi a contribuição para a restrição ao benefício, que de tão amplo ficou sem suficiente custeio. Sofrem hoje aqueles a que a lei originária do seguro desemprego quis proteger.

E mais. Tomada a pauta com processos de demissionários pretendentes ao aviso prévio, multa de 40% sobre o FGTS, seu levantamento e o seguro desemprego, os reclamantes que, dispensados, não receberam os mesmos direitos pretendidos ficam aguardando muito mais tempo para serem atendidos pela Justiça. Sofrem hoje aqueles que a lei quis realmente proteger. É este o chamado “efeito colateral” indesejado de uma interpretação benéfica excessivamente ampliativa.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, por Olga Vishnevsky Fortes (*), 06.12.2015 (Via Granadeiro Guimarães Advogados)

*Autora: Olga Vishnevsky Fortes é juíza titular da 73ª Vara do Trabalho em São Paulo, especializada em Processo Civil pela FMU e em Administração Judiciária pela Fundação Getulio Vargas.

Título original: Interpretação excessivamente ampliada da CLT tem efeito colateral indesejado.

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