07 maio 2015

A ALTERIDADE E OS ACIDENTES DE TRABALHO.

postado em: Direito do Trabalho

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Tema bastante discutido e controverso na seara trabalhista é sobre a aplicação do princípio da alteridade nos casos de acidente de trabalho.

Introdutoriamente, o princípio da alteridade é aquele que versa correr para o empregador os riscos do empreendimento. Portanto, em caso de insucesso do empreendimento, o dono é quem assume os prejuízos advindos.

Neste contexto, o princípio da alteridade determina que, nos casos de dívidas, despesas ou prejuízos, o risco da atividade empreendedora corre por conta e risco do empregador. O que é tido como correto, não podendo o empregado ter seu salário abatido em detrimento do pagamento de dívidas da empresa, até mesmo nos casos de falência, por exemplo.

Deste modo, este princípio defende que os riscos do empreendimento correm para o empregador.

Ocorre que alguns tribunais teem ampliado a aplicação do princípio da alteridade, aplicando-o nos casos de acidente de trabalho. Por exemplo:

ACIDENTE DE TRABALHO. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. REQUISITOS. CULPA. LINHA DE PRODUÇAO EM FRIGORÍFICO. ABATE E INDUSTRIALIZAÇAO DE CARNE. SERVIÇO PROLONGADO EXERCIDO E EM PÉ. ATIVIDADE DE RISCO. De acordo com o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, se a atividade desenvolvida pelo empregador expuser seus empregados a risco, aquele responderá objetivamente pelos eventuais danos causados, isto é, independentemente de culpa. Nesse passo, cumpre salientar que os trabalhadores que atuem na linha de produção de frigorífico, em funções típicas de abate e industrialização de animais, de forma prolongada e em pé, exercem uma clara atividade de risco, haja vista que é considerável a probabilidade de acidentes, acima da média. Em casos como tais, é de se aplicar a responsabilidade objetiva, desobrigando a comprovação da culpa empresarial, principalmente por conta do princípio da alteridade, em que os riscos do empreendimento correm por conta do empregador. Assim, caso fique demonstrada a comprovação dos demais pressupostos básicos de configuração da responsabilidade civil (impulso do agente, dano e nexo de causalidade), o causador do infortúnio deve ser condenado numa indenização equivalente.parágrafo único927Código Civil (109800 RO 0109800, Relator: DESEMBARGADOR VULMAR DE ARAÚJO COÊLHO JUNIOR, Data de Julgamento: 09/09/2010, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DETRT14 n.0165, de 10/09/2010)

Adotando este posicionamento, mesmo nos casos em que a culpa pelo acidente de trabalho é exclusiva do empregado, em decorrência da aplicação irrestrita do princípio da alteridade, a responsabilidade pelo infortúnio é do empregador, ou seja, da empresa, pois os riscos correm para o empregador. No entanto, acredita-se que esse não é o posicionamento mais adequado.

Nos casos de acidente de trabalho, deve ser analisado ponto a ponto para que se chegue àquele que teve conduta negligente, imprudente ou imperita para que se faça o elo de ligação entre a conduta do agente e o resultado, para, assim, constatar se existe o nexo causal entre ambas.

Ocorre que em alguns casos, conforme dito, o acidente se dá por culpa exclusiva do empregado, não tendo o empregador meios para evitá-lo, como, por exemplo, o empregado que, mesmo após passar por cursos de prevenção e segurança no trabalho, mesmo utilizando todos os Equipamentos de Proteção Individual – EPI’s, e sendo treinado para o seu serviço, resolve realizar atividade alheia ao seu trabalho habitual, vindo a se machucar. A empresa tem alguma culpa sobre o ocorrido?

Acredita-se que não, pois a empresa tomou todas as cautelas devidas, adotou medidas de proteção e treinou o empregado para o seu setor, se este por sua própria vontade se retirou do seu local habitual de trabalho e se inseriu em outro diverso do seu sem autorização, que culpa tem a empresa?

Embora pareça ser um exemplo impossível, é corriqueira a situação em que isso ocorre, sendo, também, comum a aplicação do princípio da alteridade para condenar a empresa pelo ocorrido.

No entanto, o princípio da alteridade não pode ser recebido como de aplicação integral às atividades trabalhistas, pois, caso assim fosse, os empregados poderiam, inclusive, cometer delitos sem ser responsabilizados, pois, conforme a ótica do citado posicionamento, o princípio da alteridade determinaria que todos os riscos correriam para o empregador.

Seguem jurisprudências no sentido defendido, ipsis litteris:

ACIDENTE DE TRABALHO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. Quando o acidente do trabalho acontece por culpa exclusiva da vítima não cabe qualquer reparação civil, em razão da inexistência de nexo causal do evento com o desenvolvimento da atividade da empresa ou com a conduta do empregado. Recurso conhecido e provido. (1274201001616004 MA 01274-2010-016-16-00-4, Relator: LUIZ COSMO DA SILVA JÚNIOR, Data de Julgamento: 01/02/2012, Data de Publicação: 07/02/2012)

ACIDENTE DE TRABALHO. PROVA TESTEMUNHAL. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. Demonstrado durante a instrução processual que o acidente trabalhista ocorreu por culpa única do empregado e não havendo nos autos elementos que desmereçam as testemunhas ouvidas em juízo, deve-se manter inalterada a sentença de primeiro grau. (696 RO 0000696, Relator: DESEMBARGADORA MARIA CESARINEIDE DE SOUZA LIMA, Data de Julgamento: 30/11/2011, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DETRT14 n.222, de 01/12/2011)

ACIDENTE DE TRABALHO. PROVADA A CULPA EXCLUSIVA DO EMPREGADO. A culpa exclusiva do trabalhador, vitimado por acidente de trabalho, afasta o nexo causal entre a conduta patronal e o infortúnio, isentando o empregador, por consequência, da obrigação de indenizar o empregado acidentado pelos danos sofridos (…) (870000220085040461 RS 0087000-02.2008.5.04.0461, Relator: MARIA MADALENA TELESCA, Data de Julgamento: 24/11/2011, Vara do Trabalho de Vacaria)

Nesse contexto, acredita-se que o posicionamento mais razoável e adequado é o de não aplicar o princípio da alteridade nos casos de acidente de trabalho, tendo em vista que, via de regra, os empregados são pessoas maiores, capazes e dotados de discernimento para selecionar quais as atividades seguras a se realizar e quais possui perícia para tanto, não podendo a responsabilização por todo e qualquer acontecimento no âmbito do trabalho ser agregada ao empregador que, muitas das vezes, é taxado pela jurisprudência como “babá de empregado”.

No entanto, a título de esclarecimento, defende-se esse posicionamento sobre as empresas que respeitam as normas laboristas, ou seja, disponibilizam os EPI’s necessários, treinam os seus funcionários, ministram cursos sobre prevenção e segurança no trabalho, ou seja, agem de modo a prevenir acidentes. Não se aplicando àquelas empresas que não se atentam à segurança do trabalhador, pois estas sim devem ser responsabilizadas por suas condutas negligentes.

Autora: Amanda Fagundes (advogada).

Título original: A aplicação do princípio da alteridade nos casos de acidente de trabalho.

Fonte: clique AQUI.

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