04 fev 2015

MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO FORAM BOAS PARA MEDICINA DO TRABALHO?

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MP 664 poderia estimular o correto manejo das causas do absenteísmo-doençaNão nos iludamos: as Medidas Provisórias (MPs) 664 e 665, de 30 de dezembro de 2014, trazendo um grande “pacote de maldades” – como trabalhadores e empregadores rotularam – tiveram o objetivo precípuo de reduzir os gastos financeiros públicos, havendo sido, inclusive, já estimados os valores da crescente “poupança” resultante das modificações das regras da concessão de benefícios previdenciários e trabalhistas.

Meu foco, nesta página, são alterações na concessão do auxílio-doença (MP 664), em especial a extensão do pagamento dos primeiros 15 para os primeiros 30 dias de afastamento por incapacidade devida a razões de saúde, isto é, o custeio ampliado do “absenteísmo-doença”. Quase todas as leituras até agora feitas sobre a nova redação dos parágrafos 3º e 4º do artigo 60 da Lei no 8213/91 têm visto apenas o aumento dos custos que essa ampliação da cobertura patronal irá provocar.

No entanto, faz parte das atribuições de um identificador e analista de potenciais fatos portadores de futuro (“sinais ínfimos, por sua dimensão presente, existentes no ambiente, mas imensos por suas consequências e potencialidades”, segundo Michel Godet), fazer leituras alternativas – talvez otimistas, mas não ingênuas – dos mesmos fatos lidos por outros, buscando deles extrair o potencial oculto de transformação das crises em oportunidades. No caso da MP 664, de custos em oportunidades.

Sem a pretensão de transformar as “maldades” do pacote em “bondades”, fui levado a enxergar na ampliação de 15 para 30 dias de responsabilidade financeira do empregador um elenco de oportunidades de atuação, que parte da premissa de que as faltas ao trabalho por motivo de doença de fato incapacitante não são – na maioria das vezes – um “acidente”, no sentido de algo inesperado, “um raio que caiu do céu” (ou de algum outro lugar…), algo marcado pela subtaneidade. Antes pelo contrário: o absenteísmo-doença deve ser visto como um etapa de um processo bem mais longo, quer sob a óptica do “modelo de história natural” proposto por Leavell & Clark, ainda na década de 1960; quer sob a óptica do “modelo da pirâmide”, proposto entre nós por Paulo Reis e por mim. Ambos os modelos coincidem em apontar as etapas anteriores, em que os fatores de risco já estão presentes e atuantes, fase em que poderiam ser detectados e modificados, seja em etapas de alterações precoces da saúde, porém sem incapacidade (que bons PCMSOs poderiam detectar), seja para impedir o agravamento do processo. Muitas outras oportunidades de “intervenção” se apresentam a quem queira e a quem saiba atuar na prevenção das principais causas de absenteísmo-doença, bem como na sua gestão, onde o domínio da informação será condição necessária.

Com efeito, as oportunidades criadas com a ampliação da duração do custeio do absenteísmo-doença, ou melhor, do custeio e gestão, deveriam começar com o entendimento das causas do absenteísmo-doença, o que requereria não apenas um SESMT atuante e capacitado, mas a existência de um bom sistema de informações de SST que interligue informações dos ambientes e condições de trabalho, com informações do espectro completo do processo doença-incapacidade dos trabalhadores-empregados, organizadas, tratadas e analisadas sobre os princípios da Epidemiologia, como, aliás, preconiza a NR 7.2.2, o que, na maioria das vezes, não é feito.

Assim, a correta identificação de fatores de risco relacionados ao trabalho (“ocupacionais”) oportuniza – ou melhor, obriga – a que as empresas tomem esse tempo mais ampliado, para modificar as condições e os ambientes de trabalho, direta ou indiretamente adoecedores. Isto poderia não apenas reduzir a duração do afastamento, como evitar a recidiva ou outros afastamentos de mesma origem ocupacional, como também seria vital para o acolhimento e reinserção do empregado, pós-afastamento previdenciário.

Por outro lado, a verificação competente de causas não ocupacionais poderia estimular as empresas a investir mais em programas de promoção da saúde e de prevenção de doenças, principalmente as doenças crônicas que acompanham o processo de envelhecimento.

Alguns identificam outros ganhos (melhor manejo da tipificação do tipo de afastamento, melhor “gestão de atestados”, eventual redução do FAP, entre outros), mas a transformação de custo em oportunidade irá depender de decisão política da alta direção da organização e, sobretudo, de médicos do trabalho e SESMTs qualificados, tanto na esfera técnica, quanto na esfera ética!”

Autor: Prof. Dr. René Mendes [Médico especialista em Saúde Pública e em Medicina do Trabalho. Livre-Docente em Saúde Pública pela USP. Professor titular do Departamento de Medicina Preventiva e Social, da Faculdade de Medicina da UFMG (Belo Horizonte). Foi presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT) nas gestões 2001-2004 e 2004-2007. Foi membro, por dois mandatos, do Conselho Diretor (Board) da Comissão Internacional de Saúde no Trabalho (ICOH)].

Título original: Custo ou oportunidade?

Fonte: http://www.anamt.org.br/site/noticias_detalhes.aspx?notid=3044

 

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