20 mar 2012

ASSISTENTE TÉCNICO PODE SER O PRÓPRIO MÉDICO DA EMPRESA?

3 comentários.

Prezados leitores.

Com o advento da Resolução n. 1.488/1998 do CFM (Conselho Federal de Medicina), muitas polêmicas têm sido levantadas naquilo que tange à atuação do Médico do Trabalho como assistente técnico, em processos judiciais, para empresas nas quais presta (ou prestou) serviços. À luz da legislação em vigor, (não) pode ou (não) deve o médico do trabalho fazer essa atuação?

O art. 12 da Resolução n. 1.488/1998 assim nos traz:

“O médico de empresa, o médico responsável por qualquer Programa de Controle de Saúde Ocupacional de Empresa e o médico participante do Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho, não podem ser peritos judiciais, securitários ou previdenciários, ou assistentes técnicos da empresa, nos casos que envolvam a firma contratante e/ou seus assistidos (atuais ou passados).” (Redação dada pela Resolução n. 1.810/2006 do CFM)

Na mesma linha, vem o Parecer do CRM-RN n. 004/2010:

EMENTA: “Comete ilicitude ética o médico do trabalho que atua como assistente técnico indicado pela empresa com a qual mantém qualquer vínculo.”

No entanto, o Código de Processo Civil, em seu art. 422, assim coloca: “os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimento ou suspeição”. Tal redação foi dada pela Lei n. 8.455/1992.

Verifica-se, aqui, o que no estudo do Direito recebe o nome de antinomia, ou seja, a presença de duas normas conflitantes, gerando dúvidas sobre qual delas deverá ser aplicada ao caso singular. Para solucionar esse conflito de normas, a doutrina jurídica apresenta algumas alternativas, avaliadas sucessivamente: (a) critério hierárquico (norma superior revoga a inferior); (b) critério da especialidade (norma especial revoga norma geral); (c) critério cronológico (norma posterior revoga norma anterior). Juridicamente (e não administrativamente, em nível de sindicâncias nos CRMs), no caso em tela, a Lei n. 8.455/1992 goza de uma posição hierárquica privilegiada ante a Resolução n. 1.488/1998 do CFM, uma vez que se classifica como Lei Ordinária, enquanto a última, como Ato Administrativo (norma hierarquicamente inferior quando comparada a uma Lei Ordinária) de um ente da administração pública indireta (trata-se de uma Resolução do Conselho Federal de Medicina).

É sabido, entretanto, que os CRMs (Conselhos Regionais de Medicina), balizados pelas Resoluções do CFM, possuem a prerrogativa de penalizar os médicos pelas infrações éticas eventualmente cometidas. Sendo assim, não obstante a maior força jurídica hierárquica da Lei n. 8.455/1992 diante das Resoluções do CFM, para efeito administrativo, muitos Médicos do Trabalho ainda têm sido penalizados em seus conselhos por atuarem como assistentes técnicos de empresas para as quais prestam/prestaram serviços, com base na Resolução n. 1.488/1998. Na óptica jurídica, tal atitude dos conselhos é ilegal, se não vejamos:

“Normas inferiores não podem inovar ou contrariar normas superiores, mas unicamente complementá-las e explicá-las, sob pena de exceder suas competências materiais, incorrendo em ilegalidade.” (Supremo Tribunal Federal — Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.398. Relator Ministro Cezar Peluso, julgado em 25/06/2007)

Tanto assim que, por ordens judiciais, o art. 12 da Resolução n. 1.488/1998 (que tem a redação dada pela Resolução n. 1.810/2006) já não tem aplicação para várias empresas (ex.: Funasa, Copel, Transpetro e Codesa). Isto é, para essas instituições, seus respectivos Médicos do Trabalho estão “liberados” para atuarem como assistentes técnicos nos processos judiciais que as envolvam. Numa das decisões judiciais, o magistrado assim sentenciou:

“Ante o exposto, concedo a segurança para, confirmando a liminar, tornar definitiva a determinação de não-aplicação da Resolução CFM nº 1.810/2006, a quaisquer médicos empregados das impetrantes, permitindo a sua atuação como assistentes técnicos das impetrantes em processos judiciais, vedada a abertura de qualquer tipo de processo ético-disciplinar em relação a esses médicos empregados em virtude da simples assunção dessa função de assistente técnico em processo judicial.” (Processo 2007.34.00.032067-4)

Percebemos então, que a manutenção dessa visão condenatória por parte dos CRMs deixa os próprios conselhos vulneráveis à futuras indenizações por danos morais, pleiteadas juridicamente pelos próprios Médicos do Trabalho que eventualmente vierem a ser penalizados administrativamente.

Todavia, a interpretação coerente dos arts. 93 e 94 do novo Código de Ética Médica parece esclarecer definitivamente tal questão, dando mais autonomia aos Médicos do Trabalho, e protegendo assim os próprios conselhos de indenizações desnecessárias, senão vejamos:

“Art. 93. É vedado ao médico ser perito ou auditor do próprio paciente, de pessoa de sua família ou de qualquer outra com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho ou de empresa em que atue ou tenha atuado.”

Obs.: percebemos que esse artigo excluiu a figura do assistente técnico para atuação junto às empresas.

“Art. 94. É vedado ao médico intervir, quando em função de auditor, assistente técnico ou perito, nos atos profissionais de outro médico, ou fazer qualquer apreciação em presença do examinado, reservando suas observações para o relatório.”

Obs.: percebemos que esse artigo não excluiu a figura do assistente técnico, mostrando que não houve omissão ou esquecimento na redação do art. 93.

Importante ressaltar que o novo Código de Ética Médica, em seu art. 3º, revoga todas as disposições contrárias ao próprio código, o que, segundo nosso entendimento, também inclui o art. 12 da Resolução n. 1.488/1998.

Concluindo, à luz de toda a legislação vigente, incluindo o novo Código de Ética Médica, entendemos que o Médico do Trabalho pode sim atuar como assistente técnico para empresa na qual presta/prestou serviços, valendo-se, para aceitação do nobre encargo, apenas dos ditames de sua consciência. No entanto, apesar da permissividade legal constatada, sugerimos que tal mister deva ser elegantemente recusado para que não se coloque em risco a credibilidade e necessária imparcialidade que o Médico do Trabalho deve ter, tanto perante os gestores da empresa, quanto perante os próprios empregados.

Um forte abraço a todos.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha

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