27 fev 2018

Luz na passarela: direitos e saúde de modelos e manequins

postado em: Coluna da Zafalão

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A Classificação Brasileira de Ocupações – CBO classifica os modelos e manequins como profissionais autônomos que exercem sua atividade profissional sem o vínculo empregatício, ou seja, por conta própria e assumindo os riscos do ofício. (3764 :: Modelos; 3764-05 – Modelo artístico; 3764-10 – Modelo de modas; e 3764-15 – Modelo publicitário).

Há uma discussão na doutrina jurídica quanto à possibilidade de se encaixar tais profissionais como sendo profissionais “parassubordinados”, que, muito resumidamente, é uma espécie intermediária entre o trabalho autônomo e o subordinado, eis que se dá através de uma prestação continuada e predominantemente pessoal, porém sem a subordinação convencional ao empregador, haja vista o modo de execução do trabalho e os sujeitos envolvidos: modelos; manequins, agências e agenciadores.

O assunto ainda é pouco discutido no âmbito dos Tribunais, no entanto, a esse respeito, observa-se o seguinte do TRT 3ª Região, de Relatoria Desembargador Luiz Otávio Renault:

“EMENTA – PARASSUBORDINAÇÃO – JORNALISTA CORRESPONDENTE – NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO RELACIONADO COM A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – Encontra-se sob o manto da legislação trabalhista, porquanto presentes os pressupostos do art. 3º., da CLT, a pessoa natural que prestou pessoalmente os serviços de correspondente jornalístico, onerosamente. Ao exercer a atividade relacionada com a busca de notícias, bem como com a respectiva redação de informações e comentários sobre o fato jornalístico, o profissional inseriu-se no eixo em torno do qual gravita a atividade empresarial, de modo que, simultaneamente, como que se forças cinéticas, a não eventualidade e a subordinação, esta última ainda que de maneira mais tênue, se atritaram e legitimaram a caracterização da relação empregatícia. As novas e modernas formas de prestação de serviços avançam sobre o determinismo do art. 3º., da CLT, e alargam o conceito da subordinação jurídica, que, a par de possuir diversos matizes, já admite a variação periférica da parassubordinação, isto é, do trabalho coordenado, cooperativo, prestado extramuros, distante da sua original concepção clássica de subsunção direta do tomador de serviços. Com a crescente e contínua horizontalização da empresa, que se movimenta para fora de diversas maneiras, inclusive via terceirização, via parassubordinação, via micro ateliers satélites, adveio o denominado fenômeno da desverticalização da subordinação, que continua a ser o mesmo instituto, mas com traços modernos, com roupagem diferente, caracterizada por um sistema de coordenação, de amarração da prestação de serviços ao empreendimento por fios menos visíveis, por cordões menos densos. Contudo, os profissionais, principalmente os dotados de formação intelectual, transitam ao lado e se interpenetram na subordinação, para cujo centro são atraídos, não se inserindo na esfera contratual do trabalho autônomo, que, a cada dia, disputa mais espaço com o trabalho subordinado. Neste contexto social moderno, é preciso muito cuidado para que os valores jurídicos do trabalho não se curvem indistintamente aos fatores econômicos, devendo ambos serem avaliados à luz da formação histórica e dos princípios informadores do Direito do Trabalho, de onde nasce e para onde volta todo o sistema justrabalhista. O veio da integração objetiva do trabalhador num sistema de trocas coordenadas de necessidades cria a figura da parassubordinação e não da para-autonomia. Se a região é de densa nebulosidade, isto é, de verdadeiro fog jurídico, a atração da relação jurídica realiza-se para dentro da CLT e não para dentro do Código Civil, que pouco valoriza e dignifica o trabalho do homem, que é muito livre para contratar, mas muito pouco livre para ajustar de maneira justa as cláusulas deste contrato. DECISÃO: A Turma, à unanimidade, conheceu do recurso; no mérito, sem divergência, negou-lhe provimento. (TRT/MG – Proc 00073.2005.103.03.00.5 – Rel. Designado: Juiz Luiz Otávio Renault. DJ/MG 1 de outubro de 2005).”

É possível verificar que, para evitar a hipótese de burla à subordinação jurídica, ainda que timidamente, a Justiça do Trabalho, venha identificando outro campo de aplicação do Direito Individual do Trabalho, além dos trabalhos autônomo e subordinado: o parassubordinado.

Ora, podem participar da relação de trabalho aqui analisada, como tomador e prestador de serviços, os seguintes sujeitos: Agências (pessoa jurídica), Agenciados, Agenciadores (pessoa natural) e Modelos e/ou manequins.

Superada a classificação acima exposta, cumpre trazer a lume assunto de extrema relevância na prática laboral, principalmente-e infelizmente-, das modelos e manequins: a luta contra a magreza excessiva, muitas vezes resultante de problemas graves como a anorexia e bulimia; bem como contra o glamour proposto em padrões de beleza irreais e inalcançáveis.

De olho neste cenário de problemas que concernem, inclusive, à saúde pública, em 2017 a França editou e colocou em vigor uma lei que obriga modelos a apresentarem um documento médico comprovando que não estão magras demais, ou seja, que têm peso minimamente saudável considerando, principalmente, idade e altura.

Tal legislação adveio do seguinte problema a ser combatido: a superexposição de modelos muito magras pode incentivar a anorexia. Ou seja, o padrão estabelecido por tais modelos não é algo saudável e tampouco deve ser perseguido. Aqueles que não respeitarem a lei- sejam agências, escritórios, revistas etc- terão que pagar uma multa expressiva (de até 75 mil euros).

Segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS[1], uma pessoa é considerada magra em excesso quando o seu Índice de Massa Corporal (relação entre peso e altura: IMC = peso em kg dividido pela altura em metros ao quadrado) é inferior a 18,5.

Sobre essa mesma temática, vale citar o filme produzido e exibido na plataforma digital “Netflix”: “Mínimo para viver” (versão do título original “To the bone”, cuja tradução literal seria “até o osso”, fazendo referência à magreza extrema e doentia de quem sofre com a anorexia, cuja causa se apoia em inúmeros fatores, inclusive na busca por atingir padrões de beleza utópicos).

Nesse passo, a legislação francesa também conta com dispositivos que obrigam marcas e publicações de todos os tipos a avisar seus consumidores; leitores sobre qualquer alteração nas imagens de modelos, por exemplo: retoques digitais, uso de photoshop, etc.

No Brasil, tramitaram no Senado o Projeto de Lei do Senado n° 691, de 2007, que dispunha sobre a exibição pública de Modelo cujo índice de massa corporal inferior a dezoito; e o Projeto de Lei do Senado n° 15, de 2007, que buscava acrescentar artigo 168-A à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre as medidas preventivas da saúde no exercício da atividade de modelo ou manequim e dá outras providências.

Ambos foram arquivados em 2015, mas se norteavam pela saúde pública, como fator preponderante, principalmente a da juventude. Além disso, discutiam, também, o princípio constitucional da isonomia, eis que se consideram desiguais pessoas portadoras de IMC abaixo do referendado. Tal padrão afeta a garantia de exercer o trabalho, que será proibido a tais pessoas e, portanto, se contrapõe à igualdade social; igualdade de oportunidades.

Atualmente- infelizmente- não há em nosso país Lei que trate desta matéria em específico, mas é sempre importante verificar o cenário mundial para que surjam novas ideias e princípios que venham para somar; acrescentar discussões em nossa realidade, para que possamos promover a concreção do Direito.

Por fim e para reflexão, o belíssimo trecho do poema “Retrato” de Cecília Meireles (in Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001):

“Eu não dei por esta mudança,

tão simples, tão certa, tão fácil:

– Em que espelho ficou perdida

a minha face?”

Autora: Elisa Zafalão – Advogada, graduada pela Universidade Federal de Goiás – UFG e Pós-Graduanda em Direito Público pela Instituição Damásio Educacional, atuante nas áreas Cível e Administrativo. Email: elisazafalao@gmail.com.

A advogada Elisa Zafalão escreve periodicamente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna da Zafalão”.

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal da colunista, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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