16 nov 2017

A concausalidade exige identificação efetiva de risco

postado em: Coluna do Penteado

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O estabelecimento de nexo de concausa tem sido um grande desafio e causa de discussões acirradas dentro de processos judiciais. A sua análise deve estar sempre amparada em critérios para minimizar desentendimentos e para proporcionar ao magistrado possibilidade de decisão acertada.

Anos atrás (2011) propusemos os 10 critérios para o estabelecimento ou não de nexo causal de doenças ocupacionais com o trabalho e no ano de 2014, publicamos os critérios de estabelecimento de nexo de concausa, tendo sido estes últimos atualizados no ano de 2017. São os atuais critérios:

1. A doença discutida nos autos tem origem multicausal?
2. No caso de doença multicausal foi encontrada efetivamente nas atividades laborais existência de fator de risco capaz de agravar a doença ou atuar de forma concorrente no aparecimento do dano, considerando tempo e intensidade de exposição?
3. Identificado o risco há como afirmar que este atuou de forma a alterar a história natural de evolução da doença.
4. Trata-se de concausa pré-existente ou concorrente? Identifica-se a presença de concausas supervenientes?
5. Trata-se de uma concausa temporária ou permanente?
6. A empresa deixou de cumprir alguma norma de segurança e prevenção que contribuiu para a ocorrência do dano
7. Qual o grau de contribuição do fator laboral em comparação com os fatores extra-laborais? Pode o perito classificar em Leve(grau 1 – 25%) Moderado(Grau 2 -50%) ou acentuado (grau 3 -75%)?

O novo Manual de Acidentes de Trabalho, publicado pelo INSS em Maio de 2016 veio ao encontro dos critérios por nós publicados desde 2014. Esclarece o referido manual previdenciário que “concausa” é o conjunto de fatores, preexistentes ou supervenientes, suscetíveis de modificar o curso natural do resultado de uma lesão. Trata-se da associação de alterações anatômicas, fisiológicas ou patológicas que existiam ou possam existir, agravando um determinado processo. O manual informa que devem ser considerados, para estabelecimento, a presença de modificação da história natural da doença, o fato da doença ou agravo ser, de fato, multicausal, e por fim deixa claro que deve ser encontrado a existência real do fator de risco ocupacional e que este seja capaz de levar ao dano; e a possibilidade ou a própria existência de atos contrários às normas de proteção à saúde do trabalhador, todos estes já fazendo parte dos critérios de Penteado para avaliação da concausa, como já mencionado.

Conforme o AMA Guides to the Evaluation of Disease and Injury Causation as opiniões sobre o nexo de causalidade devem ser baseadas nas melhores evidências científicas. Para ocorrência de um nexo de causalidade médica deve existir uma associação de causa-efeito entre o resultado e causa postulada e a isso é chamado de associação causal direta, que só existe quando o evento é necessário e suficiente para o resultado ter ocorrido. Cito, como exemplo, uma tendinopatia de supraespinhoso que possui causa direta com trabalho com elevação e abdução de ombro, quando ficar caracterizada uma postura estática ou repetitividade, considerando o tempo de exposição na jornada.

Existe também o que se denomina de causalidade indireta, quando determinado risco ou evento não é capaz de sozinho causar o efeito, produzindo a doença somente quando na presença de outros fatores. Como exemplo na área de saúde ocupacional temos o trabalho em baixas temperaturas, onde o frio por si só é incapaz de causar a doença , mas quando na presença de trabalho com esforço, contribui indiretamente na gênese do dano.

Chamo atenção, então, ao que diz o artigo 21 da Lei 8213/91

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;

Da leitura e interpretação clara do artigo, chegamos a duas conclusões:

1. TEM QUE TER DADO CAUSA JUNTO COM OUTRAS DEMAIS CAUSAS (associação de causas)
2. E A CONTRIBUIÇÃO É DIRETA , ou seja , sozinho teria condição de causar a doença

Portanto, é necessária a efetiva comprovação do risco para estabelecimento de concausa. Infelizmente temos visto ser muito comum peritos, irresponsavelmente, trazerem informação aos autos que o trabalho não causou a doença, mas contribui para a sua ocorrência, sem efetivamente determinar a existência de efetiva ameaça à integridade física do trabalhador no ambiente laboral, levando a sentenças incorretas e danos financeiros às empresas. Se o perito acredita que houve contribuição, deverá definir se foi direta ou indireta. Somente pode ser enquadrado como concausa pelo que diz a lei, a contribuição direta , e esta obriga o expert a demonstrar, sem deixar dúvida, a presença do risco laboral , sem efetiva neutralização com medidas administrativas ou de proteção coletivas ou individuais.

Autor: Dr. José Marcelo Penteado (PR): Médico especialista em Medicina do Trabalho. Pós-graduado em Valoração do Dano pela Universidade de Coimbra (Portugal). Ministra o curso “Imersão em Pericias Médicas de Doenças Ocupacionais”, promovido pela Revista Proteção. Diretor Médico da MedSafe Solution – Software para Gestão de Perícias Médicas.

O Dr. Penteado escreve periodicamente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Penteado”

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista José Marcelo Penteado, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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