18 out 2016

NTEP, um degrau entre a Doença Ocupacional e a Responsabilidade Objetiva?

postado em: Coluna do Lenz

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A subnotificação do acidente do trabalho é uma prática ainda comum sob os mais variados argumentos, entre eles, o de confissão da culpa, ou seja, notificar o acidente é confessar a culpa. Mas, será mesmo? Será que isto faz algum sentido?

Vamos aos fatos. Machucou no trabalho e afastou, é acidente do trabalho, mesmo que o empregador não tenha qualquer culpa. Ou seja, se um trabalhador “em condição de subordinação”, for vítima de acidente, com consequente lesão ou distúrbio e, daí gerar uma incapacidade, será caracterizado como sendo acidente do trabalho, independentemente de o patrão ter ou não ter culpa.

Concorde ou não, assim determina a lei 8213 em seu artigo 19, ao definir o acidente do trabalho e, em seu artigo 21, ao equiparar ao acidente do trabalho inclusive aqueles acidentes em que há exclusão de culpa do empregador (excludentes de culpa), como em ocorrências em que há culpa (fato) exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior ou fato de terceiro, entre outros. Ora, a lei 8213 por ter como base a responsabilidade objetiva, não depende da presença da culpa para a caracterização do acidente do trabalho, que só é imprescindível quando se discute a responsabilidade civil e criminal do empregador, como nos ensina de modo brilhante Sebastião Geraldo de Oliveira. Portanto, a notificação de um legítimo acidente do trabalho em nada se relaciona à confissão de culpa. A presença ou ausência de culpa será determinada conforme a sentença do juiz em uma eventual ação judicial, que muitas vezes conclui pela ausência de culpa, mesmo na presença de notificação do acidente do trabalho, como ao contrário, pela presença de culpa mesmo na ausência de notificação do acidente, tanto por parte do empregador, quanto pelo INSS, como em situações de emprego informal, em que não é registrada a CAT por não ser o trabalhador formalmente registrado como empregado, consequentemente não sendo segurado do INSS. Portanto não há uma relação condicionante de causa-efeito entre notificação de acidente do trabalho e confissão de culpa.

Olhando assim parece tudo muito simples.

Mas, alto lá! Curiosamente, esta condição de responsabilidade objetiva, sem a exigência da presença da culpa, vale apenas para o acidente típico, ou seja, para aquele acidente que apresenta data, hora e local definidos, não se aplicando à doença ocupacional (doença profissional e doença do trabalho), condição equiparada ao acidente do trabalho pelo artigo 20 da lei 8213, de instalação lenta e causa multifatorial, sem definição de data, local e muito menos horário da ocorrência. Ou seja, o acidente do trabalho típico, devido a subtaneidade tanto da sua ocorrência (data, hora e local definidos), quanto dos danos imediatos dele decorrentes (quebrar, cortar, escoriar, etc.), é de mais simples caracterização pela facilidade na identificação da condição de “subordinação” do trabalhador no momento da ocorrência do acidente.

O advento do NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico de Previdenciário) trouxe um fato novo, ou seja, o nexo entre o acidente e o trabalho é presuntivo, estabelecido por uma relação estatística entre a doença (CID: Classificação Internacional de Diagnóstico) do acidentado segurado e a respectiva atividade econômica do seu empregador (CNAE: Classificação Nacional de Atividade Econômica), de tal forma que, “abrir um negócio” significa assumir automaticamente as doenças constantes na relação CID/CNAE da atividade econômica do “negócio aberto”, como sendo doenças ocupacionais. Assim, ocorreu a chamada inversão do ônus da prova, de maneira tal que se o empregador não contestar, o nexo causal está estabelecido. Ou seja, basta a presença da doença na respectiva atividade econômica que o nexo estará estabelecido, tendo como base a responsabilidade objetiva, sem se falar em culpa.

Ou seja, seria como afirmar que antes do NTEP a lei 8213 se comportava como se fosse “flex”, tendo como base a responsabilidade objetiva no acidente do trabalho típico e a responsabilidade subjetiva na doença ocupacional.
Mas, a coerência aparentemente trazida pelo NTEP, como que unificando a lei 8213 em uma base única, a responsabilidade objetiva, traz algumas incoerências com tal intensidade pruriginosa, a ponto de levar a escrever este artigo, como que dividindo com você estas angústias: quem sabe alguém consiga amenizar um pouco tais contradições!

Algumas doenças ocupacionais como PAIR e LER-DORT apresentam limites definidos de exposição aos seus respectivos riscos ambientais.

Vamos a um exemplo de PAIR por ser uma situação bem definida pela nossa legislação trabalhista. Ao notificar uma perda auditiva com sendo decorrente do trabalho é porque a exposição laboral ao ruído foi eficiente para produzir tal doença, tornando implícita a culpa por ter exposto o trabalhador a um nível acima do limite legalmente tolerável, já que exposição dentro do limite de tolerância não gera dano, conforme a nossa legislação, através da NR 15.1.5 que determina que limite de tolerância é uma exposição a um risco em que “não causará dano à saúde do trabalhador, durante a sua vida laboral”. Portanto, exceder os limites de exposição implica em ato ilícito, daí a culpa. Ou seja, a caracterização do acidente do trabalho-tipo não depende da presença da culpa do empregador, enquanto que a caracterização de doenças ocupacionais como LER-DORT e PAIR implica na presença da culpa.
Assim, algumas reflexões são inevitáveis.

Uma delas, é a de que a culpa é presumida em doenças ocupacionais com limites de tolerância definidos, o que resultaria em insegurança jurídica para a empresa, em relação às indenizações decorrentes de ações ajuizadas tanto pelo trabalhador, quanto pelo INSS, nas chamadas ações regressivas do INSS. Afinal, ambas dependem da presença da culpa.

A outra reflexão, é a de que a exposição acima dos limites de tolerância, é uma condição suficiente para determinação automática de adicional de insalubridade e aposentadoria especial, como por exemplo em PAIR.

Concluindo, todas as ações trabalhistas com nexo positivo em doenças ocupacionais como PAIR e LER-DORT, com a presença de dano, pela presença da culpa implicam invariavelmente em reparação de dano? Assim também como todos os nexos positivos em PAIR e LER-DORT poderiam resultar em proposição de ações regressivas do INSS contra os responsáveis, conforme determina o artigo 120 da lei 8213, em situações de “negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva”?

Assim, o que resta para o profissional responsável pela saúde ocupacional é avaliar os riscos ambientais e estabelecer ou descartar o nexo causal dentro do mais alto padrão técnico-legal, com toda a segurança jurídica sustentada em uma consistente documentação, pois em caso contrário, poderá ser cobrado por alguém da relação tripartite do trabalho, ou mesmo até pelas três partes: empregado reclamando por indenização de danos decorrentes de culpa do empregador, pagamento de adicional de insalubridade e aposentadoria especial por se expor acima dos limites toleráveis; INSS reclamando por indenização decorrente de negligência quanto às normas de segurança e exigindo adequação de SAT como contrapartida de aposentadoria especial até então “sonegada pelo empregador”; e, o próprio empregador reclamando, quem sabe até judicialmente (que Deus nos livre e guarde!)dos integrantes do SESMT por permitirem tais aberrações.

É, peço até desculpas aos leitores por tanta acidez e, sinceramente espero escrever outros artigos mais despojados, digeríveis, alegres e até mais engraçadinhos! Mas, é o que tem pra hoje!

Autor: Dr. Lenz Alberto Alves Cabral (MG) – Médico do Trabalho, Especialista em Ergonomia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Professor convidado da Pós-Graduação em Medicina do Trabalho da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Diretor da PROERGON – Assessoria e Consultoria em Segurança e Saúde do Trabalhador / Ergonomia, autor do livro “Abre a CAT?” (Editora LTr). Contato: www.proergon.com.br

O Dr. Lenz escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Lenz”

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