15 set 2016

Reforma trabalhista: uma pauta necessária

Nenhum comentário.

Se o Brasil quiser aumentar a estagnada e baixa produtividade da economia e voltar a crescer de maneira sustentável tem que enfrentar o desafio de mudar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, apontaram especialistas que participaram na última terça- feira do segundo encontro “E agora, Brasil?”, sobre legislação trabalhista, promovido pelo GLOBO com apoio da Confederação Nacional do Comércio ( CNC), na Maison de France. O debate reuniu dois dos maiores especialistas em relações de trabalho: José Pastore, sociólogo e professor da Universidade de São Paulo, e José Márcio Camargo, professor da PUC- Rio e economista- chefe da Opus Gestão de Recursos, mediados pelos colunistas Míriam Leitão e Merval Pereira, e com a presença de colunistas e editores do GLOBO.

O maior problema da legislação trabalhista é que ela gera incentivos à diminuição da produtividade. (…) O crescimento depende de investimento em capital humano, capital físico e progresso tecnológico. Se quer crescer, tem que aumentar produtividade. Sem ganhos de produtividade, não tem crescimento a longo prazo – destacou Camargo.

Na avaliação de Pastore, o empresário vive “o medo de empregar”, diante da insegurança criada pela legislação trabalhista: – Hoje no Brasil faltam as duas coisas: investimentos e segurança para empregar.

O time de colunistas e editores do GLOBO presentes no encontro incluiu, além de Míriam e Merval, Ancelmo Gois, Lauro Jardim, Jorge Bastos Moreno, Ilimar Franco, Ricardo Noblat, José Casado, o diretor de Redação do GLOBO, Ascânio Seleme, o editor executivo Paulo Motta, os editores Aluízio Maranhão ( Opinião), Flávia Barbosa (Economia), Alan Gripp (País) e os chefes das sucursais de São Paulo, Aguinaldo Novo, e de Brasília, Sergio Fadul.

‘INFERNO TRABALHISTA’

A complexidade da legislação é tanta que Camargo classifica o conjunto de leis de “o inferno trabalhista”. Segundo ele, o excesso de regras afasta investimentos e dificulta o conhecimento do real custo do trabalho pelas empresas. Como exemplo, citou que o Brasil recebe quase o mesmo montante de investimentos estrangeiros que o Chile, um país de dimensões muito menores. Além disso, apontou que nações como o próprio Chile, China, Coreia, Taiwan, Tailândia, Colômbia e Peru acabam aparecendo como alternativas ao Brasil, e um dos motivos é a falta de segurança jurídica sobre a contratação do trabalhador.

– O Brasil conseguiu criar o inferno trabalhista. Ninguém investe aqui. A legislação trabalhista brasileira é um emaranhado de coisas difíceis de entender. Ninguém consegue respeitar integralmente. Isso significa que investir aqui tem uma incerteza enorme – diz Camargo.

Os especialistas destacaram algumas mudanças fundamentais. Para José Pastore, a negociação do pagamento e o cálculo de horas extras, a terceirização e o uso de câmaras de arbitragem na área trabalhista são os três pontos principais:

– Essas três coisas estão amadurecidas. E também há outras que podem ganhar fôlego, como o projeto de lei que permite a criação do trabalho intermitente.

A legislação estabelece 50% de acréscimo no pagamento das horas extras em dias úteis e 100% aos domingos e feriados.

Camargo também inclui a terceirização como medida fundamental da reforma trabalhista. Ele é contra a forma como o FGTS é pago ao trabalhador na hora da demissão, como “um prêmio ao demitido”. Ele defende que o FGTS seja uma poupança para a aposentadoria. Outro ponto é a mudança no papel da Justiça do Trabalho, que tem poder normativo e de negociação. Para ele, o ideal é que ela se preocupe somente em garantir o cumprimento da legislação. Camargo disse que essa situação faz com que as negociações ocorram no fim do contrato, e não no início dele:

– O empregador não treina o funcionário porque sabe que ele pode se demitir a qualquer momento. E incentiva o trabalhador a se demitir, porque só assim ele vai receber. Não faz sentido. Isso gera uma enorme incerteza em relação ao custo do trabalho. E o demitido não pode ser premiado com o FGTS. Isso gera um incentivo errado.

Essas regras, segundo o professor da PUCRio, acabam provocando a alta rotatividade no mercado de trabalho. Apesar da rigidez da lei, os salários oscilam muito, diz Camargo. Já Pastore afirma que a negociação, de acordo com os estudos do governo, vai se limitar a jornada e salários:

– Não se trata de negociar acima da lei. É negociar uma coisa diferente da lei.

Para Ascânio Seleme, o debate mostrou a complexidade da legislação trabalhista e a urgência da reforma para adaptá- la aos tempos atuais:

– Estamos com mais de 11 milhões de desempregados no país, e a atual legislação não favorece a criação de vagas.

José Pastore e José Márcio Camargo, dois profundos conhecedores do mercado de trabalho, mostraram como ela impede o aumento da produtividade do país.

Ivo Dall’Acqua Júnior, diretor da CNC, disse que o assunto pode parecer antipático, mas que faz parte do processo de amadurecimento de uma sociedade discutir essas questões:

– Um comportamento protecionista levou o Brasil a ter uma legislação tão cheia de detalhes. Isso prejudica o país e o povo brasileiro.

No debate, Míriam Leitão lembrou que uma das preocupações ao mudar a legislação é não “expor ainda mais os mais vulneráveis”, como é o caso dos trabalhadores que são encontrados em situação análoga à de escravos:

– Já li relatórios de fiscais para saber o que chamam de trabalho escravo. Ali tem servidão por dívida, igualzinho aos livros de Jorge Amado – disse a colunista.

Pastore admitiu que há absurdos, “como negar água potável ao trabalhador”, e disse que “uma grande parte dos milhões e milhões de processos na Justiça trabalhista decorre de violação real”. Ele questionou, no entanto, a classificação do que é considerado trabalho escravo:

– A questão do trabalho escravo precisa ser combatida, mas precisamos tratar do que se considera trabalho escravo de maneira genérica.

OPORTUNIDADE NA CRISE

O diretor- geral da Infoglobo, empresa que edita os jornais O GLOBO, “Extra” e “Expresso”, Frederic Kachar, destacou que o momento é pertinente para o debate, e a crise pode ser uma oportunidade para “resolver pendências que estão paradas há muito tempo”:

– Estudos mostram que andamos de lado na produtividade há 30 anos ou mais, e muito disso está ligado à legislação trabalhista confusa, que gera insegurança jurídica e impede que o empresário tenha visibilidade do que vai acontecer com os investimentos.

O colunista Merval Pereira prevê que o debate será tão intenso no Brasil quanto foi na França, mas acredita que será possível concluir as mudanças:

– A França foi um exemplo. Foi uma confusão, houve brigas na rua, passeatas, mas no fim conseguiram fazer ( a reforma). É o que a gente vai enfrentar nesse debate.

Fonte: O Globo.

Título Original: Mudar CLT vai ajudar o país a crescer

Assine a newsletter
saudeocupacional.org

Receba o conteúdo em primeira mão.