10 out 2011

CONCLUSÃO PERICIAL PODE SER EXTRA PETITA?

Nenhum comentário.
Prezados leitores.Segue abaixo o texto de um e-mail que recebi.

“Dr. Marcos.

Sou engenheiro de segurança em XXXX onde sou também perito judicial. Em um processo, onde o empregado dizia fazer jus ao adicional de insalubridade, o juiz solicitou a perícia para que eu fizesse essa análise. Em minha avaliação do ambiente de trabalho detectei periculosidade (e não insalubridade). E agora: na sua opinião, devo descrever a periculosidade ou me ater apenas ao tema insalubridade?

Abraço e parabéns pelo blog!

YYYYY”

Eis minha opinião.

O Art. 139 do Código de Processo Civil (CPC) nos ensina que o perito é um auxiliar do juiz (como também é o escrivão, o oficial de justiça, o depositário, o administrador e o intérprete). Daí presumo que as condutas relativas à defesa da imparcialidade que o juiz adota, devem ser aproveitadas pelo perito. Algumas dessas condutas, inclusive, são expressas em lei, senão vejamos:

“Art. 460 do CPC: É defeso (proibido) ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.”

O que o legislador quis, através desse artigo, foi inibir o que a doutrina chama de “decisão extra petita”, ou seja, sentença na qual o juiz concede ao autor coisa diversa da que foi requerida por este em sua petição inicial. Por exemplo: o advogado do reclamante solicita apenas o pagamento das horas-extras não quitadas, mesmo tendo direito também à percepção de um eventual adicional de férias. Nesse caso, esse adicional de férias não será concedido ao reclamante pelo fato de não ter sido feito o pedido pelo seu advogado.

Toda vez que o magistrado, pelo seu próprio arbítrio, concede à alguma das partes algo que esteja além daquilo que foi pedido na peça vestibular (petição inicial), sua imparcialidade configura-se maculada.

Se ao juiz não foi dado o direito da decisão extra petita, por que o perito (como auxiliar do juiz que é) teria direito ao “laudo pericial extra petita”? Não vejo sentido nessa possibilidade pelo mesmo motivo já narrado: mácula à imparcialidade, nesse caso, do perito.

Assim, repouso meu entendimento no sentido de que o perito deve se limitar àquilo que consta nos autos, e que fora estabelecido pelo juiz (a quem o perito verdadeiramente auxilia). Se o magistrado solicita informações sobre insalubridade ao empregado, mas o trabalho pericial descobre a existência de periculosidade, e isso é atestado no laudo pericial por vontade exclusiva do perito, na minha opinião, houve favorecimento incontestável do trabalhador.

Alguém dirá: “mas o Princípio da Fungibilidade não pode ser aplicado nesse caso?” Em respeito aos leitores que não são da área jurídica, devo explicar que fungibilidade é o atributo pertencente aos bens móveis que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade ou quantidade. Pensando assim, o adicional de insalubridade por ruído contínuo até poderia ser substituído pelo o adicional de insalubridade por vibração, pois ambos são de grau médio e repercutem num acréscimo de 20% sobre o salário mínimo à remuneração percebida pelo trabalhador. Já em casos onde os adicionais de insalubridade não são pagos sobre o mesmo percentual (ex.: grau médio e grau máximo), penso que a fungibilidade viria acompanhada de certa parcialidade. Indo além, tornar fungível o adicional de insalubridade (pago sobre o salário mínimo) com o adicional de periculosidade (pago sobre o salário base), é um ato de parcialidade inquestionável, à luz do meu entendimento.

Ainda que fosse possível a fungibilidade imparcial de todos os tipos de adicionais (insalubridade e periculosidade), faz-se necessário lembrar que: cabe apenas ao julgador (e não aos seus auxiliares, como é o perito) definir o que pode, e o que não pode ser fungível. Na mesma esteira, Didier, Braga e Oliveira advertem:

“Ao perito não é dado, outrossim, intrometer-se na tarefa hermenêutica. Opinar sobre questões jurídicas, interpretando lei ou citando jurisprudência ou doutrina jurídica.”

Sendo assim, caso o magistrado entenda haver fungibilidade entre os diversos adicionais, cabe ao julgador pronunciar-se sobre o tema já na intimação pericial que definirá o objeto da perícia. Assim, o perito cumprirá escrupulosamente o seu ofício, nos termos do Art. 422 do CPC, auxiliando integralmente o juiz naquilo que for requerido.

A luta pela “Saúde do Trabalhador” deve ser contínua e fomentada em todos os níveis, isso é insdicutível. Mas num processo judicial, a função do perito não é a de favorecer ninguém, seja trabalhador ou empregador. Ao contrário, sua função maior é de inegociável imparcialidade. Tudo que for objeto de menção, seja na petição inicial pelo advogado; seja na intimação pericial que definiu o objeto da perícia; seja durante a diligência pericial pelo assistente técnico; deve ser avaliado com o maior rigor possível pelo perito. No entanto, caso o advogado do empregado ou seu assistente técnico, por exemplo, deixem de contemplar algo que interessa apenas ao seu cliente, não pode ser do perito o papel de “consertar” essa negligência. De maneira análoga, não cabe ao perito extrapolar suas competências e fazer o papel de julgador, tornando fungível aquilo que só o juiz, caso entenda dessa forma, poderá fazê-lo.

Alguns dirão: “mas o advogado, muitas vezes, não tem conhecimento técnico para distinguir entre agentes insalubres ou perigosos. Sendo assim, o perito deve descrevê-los em sua plenitude.” Respeitosamente discordo dos que assim pensam. Justamente por falta de conhecimento específico, a lei deu às partes a prerrogativa de serem auxiliadas por um assistente técnico. Se o advogado do empregado não usou dessa prerrogativa na confecção de sua peça processual (independente dos motivos que o levaram a isso), não cabe ao perito fazer o papel conjunto de assistente técnico do trabalhador. Assim como não é possível ser juiz e advogado de alguém no mesmo processo, não dá para associar a função de perito e de assistente técnico numa mesma causa. Em ambos os casos a imparcialidade (seja do juiz, ou seja do perito) estaria completamente comprometida, e seus atos passivos de nulidade.

Mas curiosamente, vejamos o texto da Súmula 293 do TST:

“A verificação mediante perícia de prestação de serviços em condições nocivas, considerado agente insalubre diverso do apontado na inicial, não prejudica o pedido de adicional de insalubridade.”

Pela interpretação da súmula acima, por exemplo, se o reclamante solicita adicional de insalubridade por ruído, mas o perito percebe que há no ambiente insalubridade por risco biológico (e não insalubridade pelo ruído), e atesta isso voluntariamente em seu laudo pericial, isso não configuraria um “laudo pericial extra petita”, e o reclamante faria jus ao recebimento do respectivo adicional de insalubridade por risco biológico. É a aplicação (na minha opinião, questionável) do já mencionado Princípio da Fungibilidade.

Discussão: o que o TST considera quando o empregado pede apenas insalubridade, mas só há a descoberta de periculosidade no ambiente laboral? Seria uma interpretação análoga à mencionada Súmula 293?

Independente de qualquer coisa, percebam que a referida súmula não obriga o perito a adotar a conduta de descrever o risco diverso daquele ao qual foi analisar. Não! A súmula apenas entende que não há quebra de imparcialidade caso o perito descreva todos os riscos encontrados, independente de terem sidos mencionados na peça inicial (especificamente falando de insalubridade), uma vez que seriam fungíveis. Humildemente, eu discordo. Ainda bem que ao perito é mantido o direito de falar apenas sobre o assunto delimitado pelo juiz e/ou abordado pelo assistente técnico quando do momento pericial.

Entendo que o perito que voluntariamente atesta em seu laudo riscos diversos dos que foram mencionados na petição inicial; na intimação que definiu o objeto da perícia; ou durante a diligência pericial pelo assistente técnico (ainda que relativos apenas à insalubridade), age privilegiando uma das partes no processo, o que na minha opinião deve ser contraindicado por ferir a imparcialidade, o grande qualificativo de um bom perito. Além disso, também extrapola suas competências tornando fungíveis os respectivos adicionais, algo que só poderia ser feito pelo magistrado.
Essa é a minha opinião.

Um forte abraço a todos e até quinta-feira (13/10), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
Twitter: @marcoshmendanha

Assine a newsletter
saudeocupacional.org

Receba o conteúdo em primeira mão.