O Carnaval sempre foi um encontro de grande euforia e energia contagiante. Entretanto, estamos vivendo no contexto de uma pandemia desde o início de 2020 e o que tem contagiado grande parte da população nos últimos tempos é o coronavírus em suas diversas variantes. Diante da explosão de casos de síndromes respiratórias, governadores e prefeitos tomaram medidas impopulares de cancelar ou adiar o Carnaval 2022. Além das medidas de segurança, como uso de máscaras, de álcool em gel e distanciamento social, o avanço da vacinação e a proibição de festas privadas e aglomerações são exemplos de orientações para frear a pandemia.
No atual cenário, a pandemia ainda não está controlada, principalmente diante do avanço da variante ômicron. Em circunstâncias normais, o carnaval já não era mesmo considerado feriado nacional, mas poderia ser local, dependendo da legislação do estado ou do município. Os feriados nacionais são aqueles descritos nas Leis Federais nº 662/1949 e nº 10.607/2002. Os dias de carnaval (segunda, terça ou quarta-feira) não são considerados feriados nacionais, já que não foram mencionados nessas leis. Temos apenas a exceção da Lei Federal nº 5010/1966, que considera segunda e terça-feira de Carnaval como feriados apenas no âmbito do Poder Judiciário Federal. Nesse caso, é preciso ter atenção também com a quarta-feira de cinzas, quando haverá suspensão de trabalho ou expediente parcial em alguns tribunais federais. Em âmbito nacional, a festividade é considerada ponto facultativo, pelo que fica a critério do empregador decidir se seus empregados terão ou não a pausa.
Caso haja a previsão de ponto facultativo na lei estadual ou municipal, o empregador pode exigir o dia normal de trabalho. É o caso de São Paulo, que estabeleceu o ponto facultativo nos dias 28 de fevereiro e 1º de março (segunda e terça-feira), além do dia 2 de março (quarta-feira de cinzas) até o meio-dia, por meio de um decreto do governo estadual. Alguns estados que são conhecidos por seus carnavais, como a Bahia, Pernambuco e Ceará, não implantarão o feriado e nem mesmo o ponto facultativo. Portanto, serão dias de expediente normal.
Minas Gerais e BH – No Rio de Janeiro e em Minas Gerais, o feriado estava previsto na legislação, mas haverá mudanças por conta de decretos. Em Belo Horizonte, não haverá ponto facultativo nem feriado, enquanto no Rio o feriado acontece apenas no dia 1º, com ponto facultativo em 28 de fevereiro e 2 de março.
Apesar do cancelamento das festividades, mesmo sem festa oficial, há um certo receio de que o carnaval possa levar a um disparo no número de casos de Covid-19 e, consequentemente, a um desfalque nas equipes das empresas, devido ao afastamento de trabalhadores contaminados pelo coronavírus, fato que pode prejudicar a economia.
Observa-se que vem crescendo o número de empresas que estão precisando fechar as portas por alguns dias por não terem empregados para atendimento. Recentemente, uma Portaria do Ministério do Trabalho e do Ministério da Saúde reduziu de 15 para dez dias o período de afastamento para trabalhadores com casos confirmados ou suspeitos da doença. Esse período pode ser reduzido para sete dias, caso o trabalhador apresente resultado negativo em teste por método molecular (RT-PCR ou RT-LAMP) ou teste de antígeno, a partir do quinto dia após o contato com o vírus. A redução para sete dias também vale caso o trabalhador esteja sem apresentar febre há 24 horas, sem tomar remédios antitérmicos e sem sintomas respiratórios.
O Carnaval sempre teve impacto e reflexos nas questões trabalhistas, mesmo antes da pandemia. Acompanhe, a seguir, alguns casos analisados pela Justiça do Trabalho mineira. Nos dois primeiros casos, os números dos processos foram omitidos para preservar a privacidade das pessoas envolvidas.
Mantida a justa causa de seis atendentes de pizzaria que combinaram falta coletiva ao trabalho no carnaval de 2019
Na 4ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, o juiz Paulo Emílio Vilhena da Silva se deparou com o caso de seis mulheres que se amotinaram para faltar ao trabalho em plena terça-feira de carnaval, provocando um verdadeiro “caos” na pizzaria onde trabalhavam. Ele constatou que, das oito empregadas do setor, somente duas compareceram ao trabalho no referido dia, e isso apenas porque tiveram a escala remanejada para poderem suprir a ausência das demais colegas. Surpreendida pela falta inesperada das trabalhadoras, a empresa decidiu aplicar a elas a pena máxima da dispensa por justa causa. Inconformada com a atitude patronal, uma das ex-empregadas da pizzaria ingressou na Justiça do Trabalho, pedindo a reversão da justa causa aplicada.
Ela exercia uma função estratégica na empresa: era atendente no departamento de call center da rede de franqueados da pizzaria, sendo responsável pelo recebimento e distribuição dos pedidos para as unidades mais próximas, o que garantia a operação regular das atividades das reclamadas. As reclamadas formavam um grupo econômico composto por nove empresas, que incluía lanchonete, pizzaria, call center, indústria e comércio de gelo, estacionamento e locadora de veículos.
No início, a reclamante tentou convencer o magistrado de que a falta ao trabalho resultou das dificuldades dela de se locomover no período de carnaval, em razão da movimentação de blocos carnavalescos e de pessoas na área central de Belo Horizonte, ocasionando insegurança em face de arrastões, além da falta de ônibus para ir trabalhar e voltar do trabalho. Entretanto, ao examinar o conjunto de provas, o julgador avaliou que esses argumentos não tinham credibilidade. Ele verificou, pelos prints das conversas mantidas entre as ex-empregadas da pizzaria, que existiam risadas e frases ditas em tom jocoso, palavras de baixo calão contra o sócio das reclamadas e seus prepostos, respostas ensaiadas com a clara intenção de ajustarem entre as colegas para que todas não fossem trabalhar. As conversas das mulheres foram obtidas a partir de um grupo formado no aplicativo de mensagens WhatsApp e os prints foram anexados ao processo.
Nas conversas analisadas pelo juiz, uma das ex-empregadas narrou que não havia qualquer tipo de movimento excessivo que impedisse a passagem ou ameaçasse a segurança das trabalhadoras, chegando a descrever o ambiente como “tranquilo” e “quase deserto”. Nesse mesmo sentido, uma das atendentes pediu para que ficassem “de olho nos jornais” porque “deve falar alguma coisa”. Horas depois, outra colega mandou uma reportagem de um portal de notícias, na qual se lê que a “PM afirma que houve redução em mais de 50% de crimes violentos durante o carnaval do ano de 2019”.
Em determinada conversa, uma das empregadas que compareceu ao trabalho afirmou que sozinha já tinha atendido a quase 240 pedidos, e que a gerente estaria desesperada – todas riram da situação. No mesmo sentido, quando uma das colegas questiona se “ninguém das 18h foi” e obtém resposta negativa, todas riem e debocham da situação. Sobre os danos causados pela falta da reclamante e demais colegas ao trabalho, nos dias que se sucederam, algumas das franquias enviaram e-mails reclamando do atendimento, citando que foi precário e deficitário, conforme documentação anexada.
Uma das testemunhas ouvidas pelo juiz participava do mesmo grupo de WhatsApp. Ela contou que foi excluída do grupo quando começaram a conversar sobre uma possível falta coletiva. Ao falar sobre os prejuízos financeiros, ela contou que, em comparação com o carnaval anterior, houve uma diminuição de 280 pedidos. Segundo a testemunha, em 2018, a média de pedidos variava em 500 a 600 por dia e, em 2019, nos dias em que houve a falta de atendentes, o número caiu para 350/400. Informou que o valor médio de cada pedido é de R$ 80,00 e que houve reclamações das empresas franqueadas em relação aos pedidos não atendidos no carnaval de 2019.
Para o magistrado, ficou evidenciado que, apesar das declarações de que cada uma das operadoras faltou por motivos pessoais, muitas vezes ligados ao transporte público, tais alegações não retratam a realidade. Isso porque ele constatou, a partir da análise da prova produzida no processo que, no período do carnaval de 2019, não houve problemas de locomoção decorrentes da redução do transporte público, muito menos de segurança pública, “denotando-se que o intuito da falta ao serviço foi causar tumulto e prejuízos para a empresa, conforme se depreende das conversas mantidas”.
Diante dessa constatação, o juiz entendeu por não afastar a justa causa aplicada à autora, já que foram observados o princípio da imediatidade e os critérios de gradação pedagógica. A sentença foi confirmada pelos julgadores da Segunda Turma do TRT-MG. O processo já foi arquivado definitivamente.
Justiça do Trabalho confirma justa causa de mulher que pediu atestado médico para faltar ao trabalho e foi pular carnaval
Na 6ª Vara do Trabalho de Uberlândia, a juíza Melânia Medeiros dos Santos Vieira analisou um caso inusitado. No carnaval de 2016, uma trabalhadora conseguiu atestado médico para faltar ao serviço durante dois dias, já que estava com dor abdominal e pélvica. No entanto, foi flagrada, pelas câmeras, viajando e se divertindo na folia e blocos carnavalescos. Não demorou muito e as fotos já estavam publicadas, circulando pelo Facebook e outras redes sociais.
Ao se deparar com as fotos que revelavam a diversão da trabalhadora que deveria estar afastada por problemas de saúde, a empresa não teve dúvida: dispensou a empregada por justa causa. Inconformada, a trabalhadora ingressou na Justiça do Trabalho, pedindo a reversão da justa causa. Entretanto, após exame do conjunto de provas, a juíza deu razão à empresa. Isso porque os dias de atestado médico não são dias de folga ou de lazer. Ao contrário, o empregado precisa ficar em casa, porque está doente e precisa se recuperar, situação que não se compatibiliza com a retratada no caso.
Na sentença, a magistrada não questionou a autenticidade do atestado médico apresentado. Mas, constatou o fato de a reclamante ter participado de folias carnavalescas a partir de 6/2/2016, data em que ela ainda se encontrava em afastamento médico, devido às dores. Dessa forma, a julgadora considerou inegável o comportamento inadequado de quem estava afastada em face de atestado médico, entendendo que ficou demonstrada a realização de atividades totalmente incompatíveis com o problema de saúde apresentado.
De acordo com as ponderações da julgadora, uma vez superadas as dores físicas, a ponto de permitir as viagens e participações nas festividades de carnaval, fatos incontroversos, a conduta exigível da empregada seria a reconsideração, comunicação ao empregador e reapresentação ao trabalho.
“Optando a Reclamante por ativar-se em viagem e festividade, sem qualquer satisfação ou comunicação ao empregador, o qual imaginava que ainda estivesse doente, é certo que tal ato implica a destruição dos requisitos de confiança e boa-fé, indispensáveis ao prosseguimento do vínculo de emprego”, finalizou a magistrada, entendendo que o fato que motivou a justa causa foi comprovado de forma satisfatória.
Ela confirmou que a aplicação da justa causa foi baseada em ato de improbidade, que significa conduta faltosa, de cunho desonesto, capaz de resultar em dano ao patrimônio do empregador, de terceiros, ou mesmo dos próprios colegas de trabalho. Essa conduta objetiva alcançar vantagem, para si ou para terceiros, de maneira desonesta e antiética. A trabalhadora recorreu, mas os julgadores da Oitava Turma do TRT-MG confirmaram a sentença. O processo já foi arquivado definitivamente.
Reconhecido o vínculo de emprego entre empresa de vigilância e mulher que fez segurança de bloco carnavalesco
Na 2ª Vara do Trabalho de Pouso Alegre, uma mulher teve reconhecida a sua relação de emprego com uma empresa de serviços de segurança e vigilância. A juíza Eliane Magalhães de Oliveira, titular da vara, entendeu que ficou provado que a mulher foi escalada para trabalhar junto com a equipe de seguranças do bloco carnavalesco “Bloco do Urso”, de Santa Rita do Sapucaí (MG), o qual teve duração de quatro dias e demandou uma jornada compreendida das 16h às 05h30min.
Em seu exame, a magistrada concluiu que não é possível afastar a habitualidade, pois os serviços prestados pela trabalhadora estavam inseridos na necessidade permanente da reclamada, sendo irrelevante a inexistência de trabalho diário. Trata-se de uma empresa de vigilância (que, inclusive, prestava serviços de segurança para outras empresas) e a autora foi contratada como vigilante, a atividade desenvolvida era permanente e necessária à consecução dos fins do empreendimento.
Argumentos da empresa – Em sua defesa, a empresa de vigilância negou a existência de contrato de trabalho, sustentando que a reclamante era vigilante de eventos, nos moldes previstos na norma coletiva, fazendo jus apenas ao piso salarial, sem gerar vínculo empregatício, já que se trata de trabalho eventual. Argumentou que as atividades narradas pela reclamante foram devidamente remuneradas, sempre tendo como base a convenção coletiva de trabalho vigente à época. A empresa alegou que a categoria de vigilante de eventos tem previsão em instrumento normativo e não pode gerar vínculo empregatício, já que se trata de serviço prestado de modo eventual. Dessa forma, não apresenta pressuposto essencial que determine a anotação na carteira de trabalho. Por fim, acrescentou que a reclamante iniciou a prestação de serviços de natureza eventual em 8/8/2015, em dias alternados e locais diversos, conforme constante dos recibos de pagamento, devidamente assinados pela trabalhadora. Entretanto, esses argumentos não convenceram a magistrada, que ouviu a reclamante, a reclamada e quatro testemunhas.
Conceito de “vigilante de eventos” – Inicialmente, a julgadora apresentou o conceito de trabalhador eventual: “Pode-se dizer que se trata daquele que presta serviços de forma esporádica, descontínua, e de curta duração, ou sem um vínculo de permanência no trabalho, não se fixando a uma única fonte, ou ainda, não correspondendo a sua atividade aos fins normais do empreendimento. Com esses elementos, afasta-se a caracterização da relação de emprego, nos termos do artigo 3º da CLT”. Mas, na visão da magistrada, a trabalhadora não se enquadra nesse conceito e não pode ser caracterizada como vigilante de eventos. Isso porque, no entender da juíza sentenciante, a empresa de vigilância não conseguiu provar o trabalho eventual da reclamante, a ponto de afastar a caracterização da relação de emprego.
Trabalho habitual inserido na necessidade permanente da empresa – A julgadora considerou que a testemunha patronal prestou depoimento frágil, uma vez que não trabalhou no mesmo período que a reclamante, não sabendo informar a respeito das suas condições de trabalho. Por outro lado, a magistrada concluiu que as testemunhas da reclamante trouxeram indícios da existência do vínculo empregatício discutido. De acordo com os depoimentos, ficou confirmada a prestação de serviços da trabalhadora, como vigilante, não só no “Bloco do Urso”, em Santa Rita do Sapucaí, em fevereiro de 2016, por quatro dias, de sábado a terça-feira de carnaval, mas também em casas de show, em um condomínio e no comércio varejista da região, todos trabalhos exercidos com habitualidade.
Além disso, a magistrada frisou que a própria reclamada reconheceu a prestação de serviços de forma contínua e habitual, quando do trabalho na portaria do condomínio. Sem contar que a atividade-fim da reclamada é a prestação de serviços especializados de segurança e vigilância armada e desarmada, funções para as quais a reclamante foi contratada. Portanto, a julgadora concluiu que não há como enquadrar a reclamante na condição de vigilante de eventos, como pretendia a reclamada, uma vez que os locais de trabalho verificados, casas de shows, comércio, na sua maioria, não se enquadram na denominação normativa de eventos em congressos, seminários, shows, campeonatos esportivos, exposições e feiras não permanentes.
Decisão – Assim, diante do reconhecimento da pretendida relação de emprego na função de vigilante, e considerando que o enquadramento sindical do trabalhador fixa-se, em regra, pela atividade preponderante do empregador, a juíza concluiu que devem ser aplicadas as normas coletivas firmadas entre o Sindicato dos Empregados em Empresas de Segurança e Vigilância do Estado de Minas Gerias e o Sindicato das Empresas de Segurança e Vigilância do Estado de Minas Gerais, na forma dos instrumentos normativos juntados ao processo pelas partes.
Quanto à remuneração, diante do enquadramento sindical adotado, ficou reconhecido o salário mensal no valor do piso salarial da categoria, no importe de R$ 1.350,00 até 31/12/2015, com majoração para R$ 1.503,90 a partir de 1/1/2016 (cláusula 3ª das normas coletivas), acrescido do adicional de periculosidade, no importe de 30% sobre o piso (cláusula 13ª), assegurado nos termos do artigo 193 da CLT, regulamentado pela Portaria 1885/2013, do Ministério do Trabalho. A magistrada também julgou procedentes os pedidos de pagamento das diferenças salariais de todo o período contratual, além das demais verbas rescisórias e contratuais decorrentes do reconhecimento da relação de emprego entre as partes.
Fonte: TRT-3ª Região