24 maio 2016

Saiba mais sobre a Síndrome de Burnout

postado em: Medicina do Trabalho

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Acostumada a ver sua atuação elogiada pelos empregadores, Alessandra Riscado assumia metas cada vez mais ambiciosas em nome da superação pessoal. O reconhecimento continuou mas, logo, corpo e mente começaram a falhar. Dores crônicas, taquicardia e até apagões mentais passaram a integrar a sua rotina. Alguma coisa andava mal. Alessandra havia desenvolvido a síndrome de burnout.

— Trabalhava como consultora de grandes empresas e assumia funções que demandavam resultados muito específicos e respostas rápidas. Fui muito premiada e ganhei respeito, o que fez com que entrasse numa roda viva. Queria sempre mais resultados, em cargas horárias exaustivas — relata. — Como não mudei a rotina diante dos sintomas, os problemas se agravaram. Em alguns casos, era como se tivesse perdido as funções cognitivas. Lia uma frase num e-mail, e não conseguia entender. Também havia situações em que um colega falava comigo, mas eu não assimilava a mensagem.

O ápice foi quando Alessandra acordou para ler um e-mail durante a madrugada e teve uma síncope nervosa, cena que se repetiu mais vezes até um médico deixar bem clara a gravidade da situação:

— Ele me intimou a tirar licença por 15 dias. Mandou ficar em casa e deixar meu corpo falar. Foi muito difícil, porque tinha vergonha de admitir isso para a empresa. Mas, quando parei, as sensações vieram à tona com força. Senti uma forte depressão e não conseguia levantar da cama. Então, comecei um tratamento de nove meses para me restabelecer. Tive que tomar ansiolítico e antidepressivo, mas também estudei meditação e comecei a fazer pinturas e escrever.

POUCO CONHECIDA, MAS RECORRENTE

Por mais extrema que soe a experiência de Alessandra, o quadro não é raro. Uma pesquisa feita pela sede brasileira da International Stress Management Association com mil profissionais identificou que 72% dos entrevistados sofriam com estresse, sendo que 30% deles apresentavam o burnout. Segundo a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da entidade, o Brasil só perde para o Japão, em termos de incidência.

Ela explica que a síndrome se apresenta com algumas variações, conforme o caso, mas não existe sem três características básicas: exaustão, em que a pessoa não tem recursos físicos e emocionais para lidar com situações; ceticismo, quando o paciente assume uma postura negativa e alienada; e ineficácia, cujas consequências são baixos índices de produtividade.

— As causas são muitas. Uma delas é a pessoa não se sentir recompensada no trabalho, assim como notar que não é tratada com justiça. A sobrecarga com a falta de equipamentos e equipe também entra nessa lista, bem como situações em que a pessoa é responsabilizada por executar tarefas que não seriam de sua responsabilidade — lista Ana Maria, acrescentando o conflito de valores entre funcionário e empresa como outro forte motivador. — É o caso daquela pessoa que sabe o quanto um determinado produto é ruim, mas precisa vendê-lo para garantir o salário.

Sócia da Be Coaching, Marie Bendelac é especialista em carreira e bem-estar e observa que o burnout tem afetado, sobretudo, profissionais cuja atuação se relaciona ao cuidado. É o caso de médicos e professores.

— São pessoas muito solicitadas para ajudar ao outro, mas que não conseguem cuidar de si — observa. — E temos notado a ocorrência numa parcela cada vez mais jovem, o que chama muito atenção. É gente na casa de 25 a 30 anos, com alto nível de estresse crônico. Geralmente, sofrem com muita cobrança e o desejo de abraçar o mundo.

DE QUEM É A CULPA?

A prevenção, segundo Marie, vem com um trabalho de conscientização.

— A pessoa precisa compreender que está num cenário capaz de levá-la a consequências graves. Tenho uma conhecida que sofreu burnout e, depois de nove anos, não conseguiu voltar a trabalhar. Ou seja, é importante conhecer os sinais físicos para evitar o desenvolvimento de quadros como este — recomenda. — O caminho é o equilíbrio entre produtividade alta e dedicação aos cuidados com a vida pessoal, com boa alimentação, sono de qualidade e atividades físicas.

Mas, afinal, de quem é a culpa? Na opinião de Marie, é um caso de corresponsabilidade. Ela, por exemplo, costuma sugerir aos clientes uma redução nos níveis de perfeccionismo e críticas internas como táticas para evitar a síndrome.

— Tive uma cliente que fazia tudo correndo, sem perguntar prazos. Conversamos, e ela passou a tomar essa iniciativa. Acabou descobrindo que não precisava fazer tudo imediatamente, sempre — exemplifica.

E existe o outro lado da questão. Marie afirma que também é preciso haver uma evolução na cultura das empresas.

— Os gestores precisam entender que não é fazendo hora extra que conseguimos um desempenho melhor. É necessário questionar se vale a pena levar um funcionário à exaustão. Afinal, pode custar muito caro substitui-lo.

Para a diretora da consultoria em mobilidade de talentos LHH, Margareth Columa, o estresse já ganhou espaço na agenda das organizações há muito tempo. Mas a síndrome de burnout ainda não é tão conhecida. Com isso, as pessoas deixam de observar o quanto as consequências são graves. Para ela, as áreas de RH devem ser proativas, disseminando informações e orientações sobre sintomas e tratamento.

— Incentivar programas dedicados à qualidade de vida pode ser outra iniciativa. Os profissionais devem pedir ajuda ou negociar, de imediato, sua ausência no trabalho por uns dias, ou antecipar as férias, quando possível. É importante tratar este assunto com naturalidade, oferecendo o suporte necessário, sem discriminar o profissional — diz.

VOLTA POR CIMA

Após concluir seu tratamento, Alessandra Riscado, citada no começo da matéria, voltou à empresa onde trabalhava, em condições mais flexíveis. Mas ter atravessado a síndrome de burnout foi tão marcante que ela se viu impossibilitada de continuar a frequentar o mesmo ambiente. Por outro lado, a experiência também foi a deixa para que buscasse uma nova profissão.

— O burnout é o alerta de um AVC, por exemplo. É seu corpo gritando. Não queria ficar lembrando do que vivi — diz ela. — Fiz um curso de especialização e hoje trabalho por conta própria, prestando coaching em autoconhecimento e educação emocional. Continuo com a meditação e estou realizada.

Contornar a síndrome como fez Alessandra é tão difícil quanto necessário. Afinal, como lembra o professor Marcelo Demarzo, do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp, a grande maioria dos pacientes está na fase produtiva da vida. E isso é uma informação estratégica para as empresas.

— Para se ter ideia, quando se compara os trabalhadores mais estressados com os que possuem menores índices, os primeiros têm um gasto até US$ 2 mil maior com saúde, por ano. Além disso, esse quadro acaba se refletindo também sobre os colegas — dimensiona.

De olho nos possíveis prejuízos, algumas empresas saem na frente no que diz respeito à prevenção. A Mongeral Aegon, especializada em seguro de vida e previdência, investe em programas de qualidade de vida e monitoramento do bem-estar de seus empregados.

— Entendemos que a produtividade está diretamente ligada à saúde física e emocional dos nossos funcionários — afirma a superintendente de gestão de pessoas da companhia, Carla Muniz. — Realizamos, anualmente, o mapeamento da saúde de todos os nossos colaboradores e, a partir deste resultado, implementamos ações preventivas. Além disso, em parceria com uma empresa de gestão de saúde, acompanhamos os casos críticos e os funcionários identificados com chance de desenvolver quadros mais graves. Isso inclui orientações clínicas por parte de especialistas, além de palestras.

RISCO MAIOR NO SETOR PÚBLICO

Se os empregadores precisam agir, um aspecto chama a atenção do presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva. Segundo ele, a população mais afetada pela síndrome no Brasil trabalha no setor público.

— E não temos conhecimento de iniciativas por parte dos governos em relação ao tema — alerta.

O professor Demarzo, por sua vez, chama atenção sobre a situação dos profissionais que atuam na saúde primária do SUS.

— Encontramos até 60% desses funcionários com sintomas elevados. Essas pessoas trabalham até 40 horas por semana, em média, sem espaço para intervenção. Com isso, acabam indo até o final da síndrome — relata.

Fonte: O Globo.

Título Original: Síndrome de burnout põe em risco a saúde de profissionais

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