06 nov 2012

O AMIANTO E O PRONTUÁRIO MÉDICO.

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Prezados leitores.Imaginem a seguinte situação hipotética: um indivíduo trabalhou em uma mineradora, e dela se desligou há 37 anos. Hoje, recebeu diagnóstico de asbestose (doença oriunda do contato profissional com o amianto). Será que ele poderá processar a empresa (caso ela ainda exista) solicitando algum tipo de indenização? Resposta: sim.

Muitos dirão: “a resposta é não, pois no Direito do Trabalho, o (ex)empregado tem apenas 2 anos para acionar juridicamente a empresa, e só poderá questionar os fatos relativos aos últimos cinco anos, contados a partir da data em que ele ingressou com a ação judicial (prescrição qüinqüenal, conforme art. 11 da CLT)”. Isso é bem verdade, mas nos casos de doenças profissionais (equiparadas legalmente a acidentes de trabalho), a regra é diferente. Vejamos o que diz a Súmula 230 do Supremo Tribunal Federal (STF):

“A prescrição da ação de acidente de trabalho conta-se do exame pericial que comprovar a enfermidade ou verificar a natureza da incapacidade”.

Na mesma linha, vem a Súmula 278 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

“O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.”

Explicando: se o diagnóstico de asbestose (naturalmente considerada doença profissional) chegou hoje, então, somente hoje começa o prazo para que esse indivíduo acione juridicamente a empresa da qual se desligou há 37 anos, pleiteando assim uma provável indenização em virtude dessa moléstia ocupacional. Dentro do mesmo raciocínio, veio o julgado a seguir:

EMENTA: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACIDENTE DE TRABALHO, DANO MORAL E MATERIAL. PRESCRIÇÃO. CERCEIO DE DEFESA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. Em se tratando de acidente de trabalho e doença ocupacional, o marco inicial para a contagem do prazo prescricional para a propositura da ação de indenização não é a data do afastamento ou da constatação da doença, e sim a da ciência inequívoca da incapacidade laboral – no caso, da constatação por laudo médico da incapacidade total para o trabalho, apesar da alta previdenciária – por se considerar o critério da actio nata. Esse é o sentido do art. 104, II, da Lei 8.213/91, o qual, conquanto direcionado às ações previdenciárias, aplica-se, por analogia, às ações trabalhistas indenizatórias de acidente de trabalho. Neste sentido, inclusive, o entendimento pacificado no âmbito da jurisprudência do STF (Súmula 230) e no STJ (Súmula 278). Na hipótese, o Regional concluiu estar presente o nexo de causalidade entre a atividade laboral e o acidente que vitimou o Reclamante, o qual, em 5/6/1999, sofreu fratura na coluna, concluindo o laudo pericial que o infortúnio decorreu do labor em carregamentos de sacos de terra de 100 kg. O Reclamante permaneceu em auxílio-doença acidentário até 16/11/2006, quando teve alta definitiva pelo INSS. Entretanto, o laudo médico atestou que o empregado teve incapacidade total para o trabalho braçal. Portanto, em 16/11/2006, o Reclamante teve a ciência inequívoca da incapacidade laboral, sendo este o marco inicial para o fluxo da prescrição de cinco anos previsto no art. 7º, XXIX, CF. Como a ação foi ajuizada em 14/03/2008, dentro do quinquídio legal, não está prescrita a pretensão. Inviável o processamento do recurso de revista quando as razões expendidas no agravo de instrumento não logram infirmar os termos da decisão denegatória, que subsistem por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido.” (AIRR – 22140-11.2008.5.10.0821)

Já que é assim, voltemos ao exemplo da asbestose. E se, diante de um processo judicial instaurado, houver necessidade do prontuário (para melhor avaliação pericial, por exemplo), sob guarda do Médico do Trabalho daquela mineradora, e este prontuário já não exista mais? Isso será lamentável.

Ora, então por quanto tempo esse prontuário deveria ter sido guardado?

Diz a Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7) do Ministério do Trabalho e Emprego, em seu item 7.4.5.1, que o prontuário médico de um empregado deve ser guardado pelo período mínimo de 20 anos, contados a partir da data do desligamento desse empregado da respectiva empresa. Essa regra também se aplica aos hospitais e clínicas de uma forma geral, conforme Resolução 1.821 / 2007 do Conselho Federal de Medicina, que assim resolveu:

“Art. 8º: Estabelecer o prazo mínimo de 20 (vinte) anos, a partir do último registro, para a preservação dos prontuários dos pacientes em suporte de papel, que não foram arquivados eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou digitalizado.”

A mesma resolução determina que, no caso dos prontuários arquivados eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou digitalizado, a guarda desses prontuários deverá ser permanente.

Na esfera da “saúde do trabalhador”, há situações específicas onde, mesmo o prontuário sendo impresso, o tempo mínimo de seu armanezamento é de 30 (trinta) anos. Um exemplo, são os prontuários daqueles que trabalham com asbesto (amianto), conforme item 11.1 do Anexo 12 da NR-15, que assim coloca:

“Os registros das avaliações deverão ser mantidos por um período não inferior a 30 (trinta) anos.”

De maneira análoga é a armazenagem dos prontuários impressos dos trabalhadores expostos às radiações ionizantes (exemplo: Raio X), conforme item 32.4.8 da NR-32, transcrito a seguir:

“O prontuário clínico individual previsto pela NR-07 deve ser mantido atualizado e ser conservado por 30 (trinta) anos após o término de sua ocupação.”

No entanto, mesmo guardando o prontuário por 30 anos, situações como as descritas no início desse tópico (indivíduo que recebe diagnóstico de asbestose 37 anos após ter se desligado da mineradora) poderão ocorrer. Em tais situações, se o prontuário do serviço de Medicina do Trabalho da empresa já tiver sido descartado, talvez, nem todos os fatos relativos à uma determinada doença ocupacional poderão ser satisfatoriamente esclarecidos.

Assim, apesar das legislações citadas, para uma maior segurança de todos os atores envolvidos num processo judicial que envolva alguma hipotética doença ocupacional, o ideal é que a guarda dos prontuários seja permanente (independente do prontuário ser impresso, arquivado eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou digitalizado).

Vale lembrar que até mesmo os familiares de um trabalhador falecido poderão acionar a justiça em virtude de uma eventual doença profissional, ou seja, nem mesmo a morte do trabalhador é indicativo de uma segura destruição do seu respectivo prontuário.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
Twitter: @marcoshmendanha
Facebook: marcoshemendanha

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