31 ago 2012

DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE – COMENTÁRIOS.

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Prezados leitores.Foi publicada hoje no Diário Oficial da União a Resolução CFM n. 1.995/2012, que dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.

Pacientes em estado terminal estão sempre no contexto de discussões éticas, bioéticas, religiosas, legais, etc. Trata-se sempre de uma questão delicada e polêmica. Não obstante às muitas outras discussões (e mudanças de convicções e paradigmas) que certamente virão após a publicação dessa competente resolução, como médico e advogado, tomei a liberdade de tecer alguns comentários sobre o texto (nesse momento, pontuando mais as questões ligadas ao exercício médico). Os comentários estão em azul.

Boa leitura! Estejam à vontade para discordarem, concordarem, levantar novos olhares, etc.

Um forte abraço a todos.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
Twitter: @marcoshmendanha

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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
RESOLUÇÃO CFM Nº 1.995, DE 9 DE AGOSTO DE 2012
Diário Oficial da União; Poder Executivo; Brasília, 31 ago. 2012, Seção 1, p.269-270

Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, e

CONSIDERANDO a necessidade, bem como a inexistência de regulamentação sobre diretivas antecipadas de vontade do paciente no contexto da ética médica brasileira;

CONSIDERANDO a necessidade de disciplinar a conduta do médico em face das mesmas;

CONSIDERANDO a atual relevância da questão da autonomia do paciente no contexto da relação médico-paciente, bem como sua interface com as diretivas antecipadas de vontade;

CONSIDERANDO que, na prática profissional, os médicos podem defrontar-se com esta situação de ordem ética ainda não prevista nos atuais dispositivos éticos nacionais;

CONSIDERANDO que os novos recursos tecnológicos permitem a adoção de medidas desproporcionais que prolongam o sofrimento do paciente em estado terminal, sem trazer benefícios, e que essas medidas podem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo mesmo;

CONSIDERANDO o decidido em reunião plenária de 9 de agosto de 2012, resolve:

Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.

Comentário: Entendo que seria de bom alvitre que essas diretivas antecipadas de vontadefossem acompanhadas de um parecer psiquiátrico que definisse o grau de lucidez e racionalidade do paciente. Há que se considerar também os estados de elevada emoção no momento da redação dessas diretivas, que redundam, de forma frequente, em arrependimento quanto aquilo que fora declarado.

Outra coisa de fundamental importância: pela fragilidade do conhecimento dos médicos no que tange às questões legais (civis, penais, etc.), torna-se imperativo que os médicos sejam educados nesse sentido. Por que? Para que não haja o risco de que essas diretivas (mesmo que bem intencionadas) afrontem questões legais, e acabem penalizando judicialmente os médicos posteriormente. Assim, cabe também uma outra discussão: para dar maior segurança ao ato médico a ser realizado, poderia o médico solicitar um parecer jurídico quanto ao conteúdo dessas diretivas, sem que isso configure quebra de sigilo profissional? Reflitamos.

Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.

Comentário: Particularmente, gostei do termo “levará em consideração”. Pelo texto, não há a obrigação do médico em fazer o que está descrito nas diretivas. Obviamente, que muitos não entenderão assim. Ou seja, discussões (inclusive judiciais) podem surgir no futuro para análise desse tópico na aplicação de casos concretos. Que os médicos estejam preparados.

§ 1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.

Comentário: Mais uma vez, gostei do termo “serão levadas em consideração”. Mesmo assim, essa designação merecia ser melhor definida: deve ser feita por escrito? Com firma reconhecida? Mais: quem pode ser o representante designado (irmão, filho, pai, amante, etc.)? Como isso não foi caracterizado caberá ao médico essa(e) análise/risco: mensurar a confiabilidade das informações que são colocadas em forma de diretivas antecipadas de vontade, quando trazidas pelo tal representante. Teria sido o CFM inocente e desconsiderado as maldades humanas (tão frequentes quando se trata de discussão entre herdeiros, por exemplo)? Creio que não, longe disso. Não tenho dúvidas que a prioridade de toda essa resolução foi assegurar dignidade ao paciente em estado terminal. Mas não nos custa refletir sobre outras abordagens que esse tema pode levantar (e certamente levantará).

§ 2º O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.

Comentário: Na minha opinião, o melhor parágrafo do texto! Como o próprio Código de Ética Médica coloca no Capítulo II, itens II e IX, são direitos do médico: (a) indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente; (b) recusar a realização de atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.

Ou seja, na insegurança e/ou incerteza do médico quanto à confiabilidade do conteúdo das diretivas (independente de quem as tenha feito/redigido), ou quanto ilegalidade do texto, poderá o médico recusar-se do seu cumprimento.

§ 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.

Comentário: Ratifico o comentário que fiz sobre o Art. 1o, e acrescento: como esse parágrafo tem uma tônica aparentemente mais forte e contundente (e porque não dizer: provocador e instigante), julgo que seria bem interessante que esse texto enaltecesse no seu final: “…, respeitada a autonomia médica definida no § 2º.”

§ 4º O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente.

Comentário: Se o conteúdo das diretivas pode influenciar o procedimento médico a ser adotado, nada mais lógico do que descrever (ou até anexar) o conteúdo das diretivas no prontuário. Sabedoria do texto do § 4º.

§ 5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente.

Comentário: O texto do § 5º, na minha opinião, está ótimo.

Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília-DF, 9 de agosto de 2012

ROBERTO LUIZ D’AVILA
Presidente do Conselho

HENRIQUE BATISTA E SILVA
Secretário-geral

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