11 abr 2012

“SOU HIV POSITIVO E NÃO QUERO REVELAR NA EMPRESA: POSSO?”

1 comentário.
Prezados leitores.Quando se fala na solicitação de sorologia para HIV em exames relativos ao trabalho, a polêmica facilmente se instaura.

Pela efervescência da matéria sobram normativas entre as quais citamos algumas:

Portaria 1.246 / 2010 do Ministério do Trabalho e Emprego, art. 2º:

“Não será permitida, de forma direta ou indireta, nos exames médicos por ocasião da admissão, mudança de função, avaliação periódica, retorno, demissão ou outros ligados à relação de emprego, a testagem do trabalhador quanto ao HIV.

Parágrafo único: O disposto no caput deste artigo não obsta que campanhas ou programas de prevenção da saúde estimulem os trabalhadores a conhecer seu estado sorológico quanto ao HIV por meio de orientações e exames comprovadamente voluntários, sem vínculo com a relação de trabalho e sempre resguardada a privacidade quanto ao conhecimento dos resultados.”

Essa portaria foi emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e é direcionada apenas aos que estão sujeitos à relação de emprego. Mas o que é relação de emprego? Trata-se de uma relação de trabalho que está calcada no regime celetista (CLT), como estabelece com seus empregados a maior parte das empresas. Os servidores públicos estaduais e municipais, por exemplo, podem estar submetidos à estatutos próprios que são omissos quanto a esse tema. Nesses casos essa portaria do Ministério do Trabalho e Emprego não teria validade, a menos que fosse objeto de discussão judicial ou administrativa, onde os efeitos da portaria fossem requeridos por analogia. Nesse sentido, veio a seguinte decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul:

EMENTA: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONCURSO PÚBLICO DE FORMAÇÃO PARA SOLDADO DA POLÍCIA MILITAR – TUTELA ANTECIPADA – PRESENÇA DA VEROSSIMILHANÇA DO DIREITO ALEGADO – EXIGÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE EXAME DE HIV – ATO DISCRIMINATÓRIO – PERIGO DE DANO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO – PREJUÍZO ÀS PESSOAS PORTADORAS DO VÍRUS – MANUTENÇÃO DA DECISÃO SINGULAR – RECURSO IMPROVIDO.” (AGV 1257 MS 2008.001257-3)

Para os servidores públicos federais já existe a Portaria Interministerial 869 / 1992, que “proíbe, no âmbito do Serviço Público Federal, a exigência de teste para detecção do vírus de imunodeficiência.”

Na mesma esteira, vem a Resolução 1.665/2003 do Conselho Federal de Medicina, Art. 4º: “é vedada a realização compulsória de sorologia para HIV.”

Pelas normativas expostas, concluímos que não se deve solicitar sorologia para HIV de forma compulsória, em nenhuma hipótese.

Algumas perguntas são freqüentes sobre o tema:

a) No exemplo de um instrumentador cirúrgico: não há o risco de contaminação dos pacientes, caso ocorra um acidente com perfurocortante, e esse instrumentador seja HIV positivo? O Médico do Trabalho/”Médico Examinador” não deveria pedir o teste de HIV no exame admissional para os instrumentadores cirúrgicos?

R.: Há um incontestável risco de contaminação de pacientes, caso ocorra um acidente com perfurocortante envolvendo um profissional que seja HIV positivo (seja instrumentador cirúrgico, seja o próprio médico, etc.). Nossa legislação, no entanto, entende que apesar do risco evidente, não há fator impeditivo para que este profissional exerça a função de instrumentador cirúrgico, apenas pelo fato de ser HIV positivo. A razão é compreensível: que tipo de cuidado diferente para se evitar um acidente com perfurocortante tem o trabalhador que é HIV positivo, quando comparado a um trabalhador que tem sorologia desconhecida? Absolutamente nenhum! A prevenção deve seguir o mesmo rigor, para TODOS os trabalhadores (independente da sorologia). Dessa forma, a solicitação do teste de HIV é proibida, inclusive para trabalhadores da área da saúde, sob pena de ser qualificada como conduta discriminatória. Para reflexão: já imaginaram se todos os pacientes tivessem o direito de exigir sorologia de HIV, Hepatite, etc., para os cirurgiões que os fossem operá-los?

b) Voltando ao exemplo de um instrumentador cirúrgico, caso já tenha ocorrido o acidente com perfurcortante, mas não há confirmação que este instrumentador seja HIV positivo: poderá esse trabalhador se recusar a fazer o teste anti-HIV, caso solicitado?

R.: Sim. Vejamos o que diz o Manual de Condutas em Exposição Ocupacional à Material Biológico, do Ministério da Saúde:

“A solicitação de teste anti-HIV deverá ser feita com aconselhamento pré e pós-teste do paciente-fonte com informações sobre a natureza do teste, o significado dos seus resultados e as implicações para o profissional de saúde envolvido no acidente.”

E continua:

“A recusa do profissional para a realização do teste sorológico ou para o uso das quimioprofilaxias específicas deve ser registrada e atestada pelo profissional.”

Percebemos que o próprio Ministério da Saúde considerou a possibilidade de recusa do profissional para realização do teste de HIV. Tanto assim, que preconizou o início da quimioprofilaxia preventiva em casos de acidentes com perfurocortantes, mesmo sem a certeza quanto à sorologia do paciente/trabalhador-fonte.

Pelo exposto, constatamos também: de acordo com o Protocolo do Ministério da Saúde, qual a diferença de conduta pós-acidente quando se tem conhecimento que o paciente/trabalhador fonte é HIV positivo, quando comparamos com uma situação onde não se conhece a sorologia do paciente/trabalhador fonte? Novamente, absolutamente nenhuma! A quimioprofilaxia preventiva será realizada nos dois casos.

Ora, se despirmos honestamente de todos os nossos preconceitos, fica fácil entender porque a solicitação de HIV de forma compulsória é proibida, mesmo para trabalhadores que atuem em ambiente hospitalar: se as prevenções pré-acidentes são as mesmas para trabalhadores soropositivos e soronegativos; e se as condutas pós-acidentes não sofrem nenhum prejuízo pelo fato de não se conhecer a sorologia do trabalhador, concluímos que o desconhecimento sorológico do obreiro quanto ao HIV não gera déficit, nem na prevenção do acidente, nem nos procedimentos pós-acidentes. Sendo assim, qual seria então a justificativa da obrigatoriedade do teste anti-HIV, se não a justificativa discriminatória? Reflitamos.

c) Solicitar exame para hepatite também é proibido?

R.: O tema HIV, por toda repercussão que provoca, conseguiu ser mais legislado do que outras temáticas de saúde. Nosso entendimento, é que a análise da hepatite, e de todas as doenças de contaminação através do sangue, seja feita de forma parcimoniosa e dentro do maior bom senso e discrição possível. Não havendo norma específica sobre o tema, vale a regra geral, emanada da Carta Magna de 1988: qualquer conduta que tenha cunho fundamentalmente discriminatório deve ser coibida. Essa será a grande questão a ser avaliada pelo solicitante do exame. Com esse raciocínio, veio a seguinte decisão:

EMENTA: “DISPENSA. NULIDADE. TRABALHADORA PORTADORA DE HEPATITE C. Não se pode conferir validade à dispensa imotivada da obreira portadora de hepatite C, porquanto decorrente de ato discriminatório, indo de encontro aos princípios da função social da propriedade (CF, art. 170, III), da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, a teor do art. 1º, III, IV, da Lei Maior. Apelo patronal parcialmente provido.” (RO 0001417-69.2010.5.01.0491)

d) Já que não é permitido pedir sorologia para HIV nos exames relacionados ao emprego, isso implica dizer que um trabalhador HIV positivo estará sempre apto ao trabalho?

R.: De forma alguma! O que a legislação entende é que não é pela sorologia de HIV que se define o “apto” ou “inapto”. Apenas isso. Agora, se o quadro clínico do trabalhador estiver incompatível com sua função, ele certamente deverá ser considerado “inapto” ao trabalho, sob pena de estar havendo omissão e negligência do Médico do Trabalho/”Médico Examinador” ao expor esse empregado à condições incompatíveis com seu quadro, condições estas que podem oferecer riscos ao próprio empregado e/ou a terceiros.

Percebam: a inaptidão pelo empregado estar debilitado clinicamente é permitida (e necessária). Já a inaptidão e/ou dispensa, apenas pelo fato do empregado ser HIV positivo (mesmo gozando de boas condições de saúde) é discriminatória, nos termos da legislação em vigor. Assim julgou o Tribunal Regional do Trabalho, do Rio Grande do Sul:

EMENTA: “RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. DANO MORAL. DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA. Hipótese em que demonstrado que a despedida resultou de ato discriminatório. Recurso desprovido.” (RO 0467-07.2010.5.04.0611)

No processo acima, a reclamante apresentou um atestado médico constando o CID B24 (HIV). Pouco mais de uma semana depois recebeu aviso-prévio, o qual, no entanto, foi anulado, pois o exame demissional a considerou “inapta”. A auxiliar foi encaminhada ao INSS. Como teve o requerimento de auxílio-doença indeferido, a reclamante recebeu novo aviso-prévio, o qual foi formalizado, após a mesma ser considerada “apta” para demissão em exame realizado por outro médico. Os desembargadores consideraram correta a sentença e o valor indenizatório, arbitrado em 8 mil reais. Para eles, os fatos demonstraram que a dispensa foi discriminatória, pois não houve sequer alegação da ré de que foram despedidos outros empregados, ou de que a despedida da trabalhadora decorreu de alguma justificativa econômica ou financeira.

Concluímos então que, por mais controverso que pareça aos olhos de muitos profissionais da saúde (médicos, inclusive), pelas leis brasileiras, o fato do indivíduo ser HIV positivo não o impede, só por essa circunstância, do exercício de QUALQUER função laboral. Seja no serviço privado, ou serviço público federal (conforme normativas expostas nesse tópico), a solicitação rotineira e obrigatória de teste para detecção de HIV configura-se como prática discriminatória.

É o que acreditamos, com imenso respeito aos que discordam.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
Twitter: @marcoshemendanha

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