05 dez 2011

A PERÍCIA É MÉDICA, MAS O ASSISTENTE TÉCNICO É VETERINÁRIO. E AGORA?

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Prezados leitores.Imaginem uma perícia judicial, deferida por um juiz atuante na Justiça do Trabalho, para detecção (ou não) de uma doença ocupacional. Na sala da perícia estão: o médico perito, o periciando, e apenas um assistente técnico. No entanto, ao ver a documentação desse assistente técnico, o médico perito descobre que ele seja, por exemplo, um médico veterinário. E agora? O médico perito deve ou não permitir a participação desse outro profissional como assistente técnico dessa perícia médica?

Se estivéssemos falando de uma perícia previdenciária junto ao INSS, o assistente técnico necessariamente deveria ser um médico, tal qual o perito. Vejamos o que diz a Lei 8.213 / 1991, em seu Art. 42, § 1º:

“A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.”

O “médico” ao qual se referiu esse artigo, é o próprio assistente técnico do segurado. No entanto, vale a pena lembrar que a Lei 8.213 / 1991 é específica para questões relacionadas à Previdência Social.

Para uma perícia médica na Justiça do Trabalho, a lei mais específica é a Lei 5.584 / 1970. Porém, sobre qual qualificativo deve ter o assistente técnico, ela nada fala. Dessa forma, subsidiariamente, aplicamos o Art. 422 do Código de Processo Civil (CPC) – redação dada pela Lei Ordinária n. 5.869 / 1973:

“Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimentos ou suspeição.”

O texto do CPC não deixa dúvidas: assistente técnico pode ser qualquer profissional, desde que seja de confiança da parte.

É importante lembrarmos que a escolha de um assistente técnico é uma opção (e não uma obrigação) dada às partes do processo. Com ou sem a escolha do assistente técnico, a perícia ocorrerá! Ora, se é uma opção, todo ônus e todo bônus pela escolha de um assistente técnico, será da parte que o escolheu.

Do Art. 422 do CPC extraímos que as partes são livres para escolherem os assistentes técnicos que desejarem, entre quaisquer profissionais: não há nenhum tipo de impedimento ou suspeição nessas escolhas. Todavia, se escolherem bem, a chance de um bom resultado no processo aumenta. Se escolherem mal, a chance de um mau resultado também será considerável.

Nesse contexto, imaginem-se como técnicos de uma determinada equipe de futebol. Vocês escalariam um exímio piloto de Formula 1 para ser o zagueiro do seu time? Penso que não, pois se assim fizessem, não estariam escolhendo o melhor profissional para defendê-los, por mais brilhante que esse profissional fosse numa outra área. Assim deve ser o pensamento das partes na hora de escolherem seus assistentes técnicos. A pergunta a ser respondida é: qual profissional é o mais qualificado para atuar na defesa dos interesses da parte que o contratará? Na confecção dessa resposta, devem ser obrigatoriamente avaliados itens como: formação acadêmica, currículo e experiência pericial desse candidato.

Mas e com relação aos aspectos éticos da perícia médica? Caso o perito (médico) verifique a presença de um assistente técnico (não médico), como deverá se portar?

Enquanto o Art. 422 do CPC diz que “os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimentos ou suspeição”, assim coloca o Parecer n. 09 / 2006 do CFM (Conselho Federal de Medicina):

“O exame médico-pericial é um ato médico. Como tal, por envolver a interação entre o médico e o periciando, deve o médico perito agir com plena autonomia, decidindo pela presença ou não de pessoas estranhas ao atendimento efetuado, sendo obrigatórias a preservação da intimidade do paciente e a garantia do sigilo profissional, não podendo, em nenhuma hipótese, qualquer norma, quer seja administrativa, estatutária ou regimental, violar este princípio ético fundamental.”

E agora? Se verificado o conflito entre as duas normas acima, qual deve seguir o perito?

Vale lembrar que em um processo judicial o juiz é o árbitro, e os peritos são seus auxiliares, como nos ensina o Art. 139 do CPC. Os auxiliares não devem obedecer regras processuais próprias, mas sim, as mesmas regras estabelecidas ao/pelo magistrado, o grande árbitro do processo.

Apenas para ilustrar, imaginem um juiz de futebol e seus auxiliares (bandeirinhas). Imaginem que um desses auxiliares não entenda nada das regras do futebol, mas apenas de regras de basquete. Não precisamos de muito esforço para prever que alguma coisa não vai dar certo nessa arbitragem. Esse jogo será terrível! Nessa ilustração, o magistrado é o juiz de futebol; e os bandeirinhas são os peritos. Estes últimos devem, obviamente, conhecer e seguir as mesmas regras do juiz.

Pelo exposto, já tenho a minha convicção formada quanto ao tema, embora acredite que ela não seja majoritária. No caso da perícia médica na Justiça do Trabalho, realizada com um assistente técnico não médico, o Art. 422 do CPC é a regra que deve imperar, pois possui status de Lei Ordinária, e está hierarquicamente superior às normativas expedidas pelo CFM, como o Parecer n. 09 / 2006. O Art. 422 do CPC é a regra que, provavelmente, norteará o magistrado. Sendo assim, no meu entendimento, o perito médico, como auxiliar do juiz que é, não deve impedir a participação de um assistente técnico (não médico) no ato pericial. Na mesma esteira, vem o julgado abaixo:

“EMENTA: RECURSO DA RECLAMADA. NULIDADE PROCESSUAL POR CERCEAMENTO DE DEFESA. PARTICIPAÇÃO DE ASSISTENTE TÉCNICO NA PROVA PERICIAL. Configura cerceamento de defesa a proibição da participação de assistente técnico indicado pela reclamada para acompanhar a perícia médica, pelo fato de possuir formação em fisioterapia e não em medicina, diante da ausência de vedação a respeito. Caracterizada ofensa ao art. 421, § 1º, inciso I, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho por força do art. 769 da CLT, bem como ao art. 5º, inciso LV, da Constituição da República. Determina-se o retorno dos autos à origem, a fim de que seja oportunizada ao assistente técnico da reclamada a participação na prova pericial. Recurso parcialmente provido.” (RO 0018100-45.2008.5.04.0241 – TRT – 4a Região)

Em caso de lamentáveis conflitos, por que o perito médico optar pela regra usada pelo juiz (e não pela regra emanada, por exemplo, pelo CFM)? Vejamos:

· Num caso hipotético, se alguma provável sindicância do CFM concluir que um médico não cometeu nenhuma infração ética, mas por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz entender que o registro desse médico deva ser cassado. Nesse caso, qual decisão prevalecerá: a do CFM ou a do juiz?

· De maneira inversa: se uma provável sindicância do CFM cassar o exercício profissional de um determinado médico, mas por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz o absolver de qualquer acusação. Mais uma vez, que decisão prevalecerá: a do CFM ou a do juiz?

Como nas 2 perguntas a resposta foi a mesma (prevalecerá a decisão do juiz), pra mim, dúvidas não restam que, em casos de lamentáveis conflitos normativos, mesmo procedendo todas as tentativas pertinentes de preservação da intimidade do periciando, e fazendo sempre o uso do bom senso, é melhor obedecer as regras do juiz (no caso, o CPC), do que as eventuais regras divergentes estabelecidas pelo CFM. Ressalto aqui, a extrema importância das regras confeccionadas pelo CFM. Esse texto enfoca uma rara situação onde poderá haver conflito entre norma ética (editada pelo CFM) e legal (contida no CPC).

Mas ao permitir a entrada de um assistente técnico não médico, o perito médico não estaria sendo conivente com o “exercício ilegal da medicina”?

Sinceramente, acredito que não. O outro profissional não assinará como médico, mas como profissional que é. E sobre isso, vejamos o que diz a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5o, inciso IX:

“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”

Alguém dirá: “mas ele está exercendo uma atividade que é própria da medicina.” Eu pergunto: em que lei está escrito quais são as atividades próprias do médico numa perícia judicial trabalhista? Resposta: nenhuma. A Lei do Ato Médico já está em vigor? Resposta: Não.

Apenas para ilustrar: outro dia cheguei espirrando num supermercado. A caixa do estabelecimento me disse: “isso é gripe, portanto, tome azitromicina, se não, irá ficar uns 30 dias com esses sintomas”. Percebam que interessante! A caixa do supermercado me deu: diagnóstico, tratamento e prognóstico. Por acaso, agiu ela com “exercício ilegal da medicina”? Claro que não! Qualquer pessoa pode opinar sobre algum tema médico, mesmo não gozando de credibilidade para isso.

Por tudo isso, estou convencido de que esse outro profissional não médico (na figura de um assistente técnico de uma perícia médica) não realiza o exercício ilegal da medicina. Ele apenas dá uma opinião sobre um tema médico, e se identifica por isso. Ratifico: qualquer pessoa pode opinar sobre algum tema médico, mesmo não gozando de credibilidade para isso.

Corrobora com esse raciocínio, o mesmo Art. 422 do CPC, que assim coloca:

“Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimentos ou suspeição.”

Pelo que diz a lei acima, independente da profissão, o assistente técnico de uma perícia judicial não pode ter impedida a sua participação.

Senhores, longe de ser uma verdade inquestionável, é o que sinceramente penso.

Um forte abraço a todos, e até quinta-feira (08/12), data provável para postagem de um novo texto nesse blog!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
Twitter: @marcoshmendanha

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