01 jun 2011

INCAPAZ AO TRABALHO = INAPTO AO TRABALHO?

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Prezados leitores.

Quando estudamos a Lei 8.213 / 91, no que tange à concessão do auxílio-doença, ela assim nos traz em seu artigo 59:
“O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.”

Pelo texto, fica claro que o Médico Perito do INSS avalia a incapacidade. Mais do que isso, essa incapacidade é avaliada levando-se em conta o trabalho ou atividade habitual do trabalhador, o que, conforme nosso entendimento, também equivale à função específica que o trabalhador exerce.

Por que acreditar que o Médico Perito do INSS avalia a função específica do trabalhador (e não apenas a capacidade de trabalho para qualquer outra função)? Pois vemos, na prática profissional, várias situações onde haveria possibilidade do segurado estar trabalhando em outra função, diferente de sua função habitual, mas ainda assim esse trabalhador obtém o benefício auxílio-doença. Entendemos como justíssimo!

Da mesma forma, é atividade já sacramentada do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” avaliar aptidão ou inaptidão à função específica do trabalhador. Vejamos o que diz a Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7), em seu item 7.4.4.3, alínea “e”:

“O ASO (Atestado de Saúde Ocupacional) deverá conter no mínimo: definição de apto ou inapto para a função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu.”

Pelo exposto, será que podemos concluir que “incapaz ao trabalho” (qualificação dada pelo Médico Perito do INSS) equivale à “inapto ao trabalho” (qualificação dada pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”)? Ora, considerando que o Médico Perito do INSS e o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” levem em conta a mesma coisa, ou seja, a função específica do trabalhador (conforme fundamentação acima), concluímos que: estar “incapaz ao trabalho” deve ser tratado como equivalente a estar “inapto ao trabalho” (e por analogia, estar “capaz ao trabalho” deve ser tratado como equivalente a estar “apto ao trabalho”).

Sabemos que muitos médicos não pensam assim, opiniões que respeitamos. Essa divergência é compreensível: o Médico Perito do INSS está sujeito às legislações previdenciárias (Lei 8.213 / 91 e outras), enquanto o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” está sujeito às legislações trabalhistas (CLT, NR-7, e outras). As legislações previdenciárias e trabalhistas podem, em alguns temas, não estar em fina sintonia. Essa falta de uniformidade das normas é um terreno fértil para toda sorte de interpretações diferenciadas e inúmeros conflitos, o que é lamentável, especialmente pelo fato de ser o trabalhador o maior prejudicado por esses desentendimentos.

O que propomos aqui é uma visão uniformizada das legislações previdenciárias e trabalhistas. Por quê? Acima de tudo, por uma questão de segurança jurídica para todos os interessados nesse tema, ou seja: trabalhador, empregador, Médico Perito do INSS e Médico do Trabalho / “Médico Examinador”.

É muito freqüente (e angustiante) o conflito de decisões entre o Médico Perito do INSS e o Médico do Trabalho / “Médico Examinador”. Discorremos melhor sobre esse tema em um outro texto desse blog, link: http://bit.ly/hyz0cn . Na vigência desses conflitos, por uma questão legal, entendemos que deve prevalecer a decisão do Médico Perito do INSS, pelos ja motivos expostos em outros textos desse blog.

Assim, o que propomos é que, enquanto perdurar algum eventual impasse, o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” tenha condutas alinhadas com a decisão do Médico Perito do INSS. Isso repercutirá inclusive no seu modelo de ASO (Atestado de Saúde Ocupacional), conforme sugestões abaixo:

Dessa forma, sendo o trabalhador considerado “capaz” pelo Médico Perito do INSS, ele também será considerado “apto” pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”. No entanto, essa aptidão poderá ser qualificada no ASO de 3 formas: (a) “Apto”; (b) “Apto com recomendações”; (c) “Apto com contraindicação à função”.

Alguns devem estar pensando: “a NR-7 só permite colocar apto ou inapto no ASO”. Não é verdade! A NR-7 assim nos traz no item 7.4.4.3, alínea “e”: “o ASO (atestado de saúde ocupacional) deverá conter no mínimo: definição de apto ou inapto para a função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu”. O termo “no mínimo” não deixa dúvidas quanto a possibilidade de haver mais qualificações no ASO, além dos simples “apto” ou “inapto”.

Mais do que isso, o termo “apto com restrições” (que preferimos nomear como “apto com recomendações”) encontra-se respaldado na SCMA (Sugestão de Conduta Médica-Administrativa) da ANAMT (Associação Nacional de Medicina do Trabalho) n. 6 / 2001. Já o termo “contraindicado para função” tem seu uso ratificado pela SCMA da ANAMT n. 5 / 2000. Com essas duas outras possibilidades (além dos já tradicionais “apto” e “inapto”), o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” consegue unir em suas condutas: evidente zelo pela saúde do trabalhador, e prevenção de doenças / acidentes (o que é mais importante). Tudo isso, com embasamento legal, normativo, técnico e ético.

Alguém perguntará: “a qualificação de ‘apto com contraindicação à função’ não equivale a ‘inapto para função’?” De fato, estamos falando de uma linha muito tênue de separação. Pelo que defendemos, a conduta seqüencial determinada para um empregado que seja qualificado como “inapto para função” pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”, em regra, é o encaminhamento desse trabalhador ao serviço de perícias do INSS, que também (esperamos) o considerará “incapaz”, e lhe dará o devido benefício previdenciário (cumpridas as exigências administrativas).

No entanto, caso esse segurado não tenha critérios de incapacidade verificada (seja pelo Perito do INSS, seja pelo próprio Médico do Trabalho / “Médico Examinador”), mas não seja recomendável que ele exerça determinada função em virtude de seu quadro clínico, aí sim caberá o “apto com contraindicação à função”. Nesse caso, em decisão conjunta com os gestores da empresa, ao empregado será oferecida uma das alternativas abaixo:

a) ou ser dispensado do emprego sem justa causa, após análise da equação risco / benefício jurídico, que inclui:

· gozo – ou não – de estabilidade provisória no emprego por esse trabalhador (por exemplo: se em virtude de acidente de trabalho / doença relacionada ao trabalho, esse empregado tenha recebido auxílio-doença acidentário, fará então jus a uma estabilidade no emprego pelo período mínimo de 12 meses, contados a partir do término do benefício, nos termos do art. 118 da Lei 8.213 / 91);

· ofensa – ou não – ao aludido e constitucional princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1, inciso III da Constituição Federal de 1988), tema explorado noutros textos desse blog.

· risco – ou não – de manutenção desse empregado na empresa, independente da função que voltará a ocupar (por vezes, a manutenção desse trabalhador na empresa, também poderá ofender ao princípio da dignidade da pessoa humana);

· presença – ou não – de outra função mais segura e inócua, para que se possa realocar esse empregado;

· etc.

b) ou exercer (temporariamente ou definitivamente) uma nova função que não coloque em risco, nem o empregado, nem terceiros (o que nesse caso não se confunde com o tão propagado “desvio de função”, uma vez que o que se busca é preservar a integridade do empregado e de terceiros, e não apenas o pagamento de salários diferenciados). Nessa situação, dependendo da nova função, as qualificações possíveis a serem dadas para esse trabalhador pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”, quando do exame de mudança de função, são: ou apenas “apto”; ou então “apto com recomendações”(quando as recomendações / restrições devem estar elencadas no prontuário médico e no próprio ASO – vide modelo de ASO proposto).

c) ou ficar sem trabalhar, com salários pagos pela própria empresa (falta justificada nos termos do art. 131, inciso IV, da CLT) enquanto não haja uma completa convalescença de seu quadro conforme critério clínico estabelecido pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador” (e/ou enquanto se aguarda novo posicionamento do INSS ou da justiça: pedido de reconsideração, recurso, alguma outra perícia, liminar, sentença, etc.).

No caso do empregado ser qualificado como “apto com contraindicação à função”, ou “apto com recomendações”, como regra, defendemos a idéia de que o empregador (ou responsáveis diretos pelo trabalhador) saibam do quadro clínico deste funcionário, na parte que os interessa. Alguém dirá: “isso configura infração ética gravíssima, pois trata-se de quebra de sigilo médico-profissional.” Ousamos discordar. O próprio Código de Ética Médica, assim coloca em seu artigo 76:

“É vedado ao médico revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.”

Entendemos que, se o quadro clínico não for compatível com determinada função, e ao mesmo tempo o Perito do INSS (ou o Médico do Trabalho / “Médico Examinador”) não tenha visto critérios de incapacidade (inaptidão), deixar de falar os motivos dessa contraindicação e/ou recomendações ao empregador se configura como uma omissão (e não infração ética). Sim! O silêncio, nesse caso, poderá colocar em risco a saúde do(s) próprio(s) empregado(s).

Ressaltamos porém que, apesar de segura em seu aspecto jurídico, a conduta que ora propomos exige do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” um novo e contínuo trabalho de educação e diálogo junto ao empregador e ao empregado, uma vez que não se trata de uma conduta costumeira. Todos os atores envolvidos devem estar cientes dos motivos de cada qualificação dada pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”.

No entanto, uma vez incorporado esse modelo de gestão médica, a atividade do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” se torna mais transparente, confiável, coerente (critérios idênticos para exames admissional, periódico, demissional, etc.), juridicamente mais embasada, e com menos “achismos”. Por sua vez, o empregado passa a entender, por exemplo, que estar, ao mesmo tempo, apto e contraindicado para determinada função, é perfeitamente possível, de acordo com a (muitas vezes cruel) legislação vigente. Já o empregador passa a assumir o seu poder potestativo – defendido constitucionalmente – e entender que, por exemplo, quando o empregado está, simultaneamente, apto e contraindicado para determinada função, cabe ao empregador assumir todos os riscos, e não contratá-lo (ou dispensá-lo), caso assim o deseje (ao invés de obrigar ao Médico do Trabalho / “Médico Examinador” ter que qualificar esse trabalhador como “inapto”, de forma errada, para justificar a dispensa desse trabalhador pela empresa).

Vale lembrar que, ao qualificar um trabalhador como “inapto” sem que haja critérios clínicos para isso, e encaminhá-lo ao INSS, o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” correrá o risco de ser o autor de uma longa e trágica novela, e ter que ver esse empregado (parte mais frágil de toda história) voltando ao seu consultório com o benefício acertadamente indeferido pelo Perito do INSS, inúmeras vezes.

Difícil o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” sair de seu consultório e ser um propagador de novos conceitos e soluções, gerenciando melhor os conflitos? Dificílimo! Mas acreditamos que seja desse profissional que o mercado esteja carente.

Estejam à vontade para discordar e opinar.

Um forte abraço a todos.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
Twitter: @marcoshmendanha

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