17 abr 2011

QUAIS OS RISCOS DO MÉDICO QUE EMITE “ASO AVULSO”?

1 comentário.
Caros leitores.Eis a pergunta que veio através de meu e-mail (a identidade do autor foi preservada, como de costume nesse blog):

“Olá Dr. Marcos,

Quais são as penalidades que o médico que emite “ASO avulso” pode sofrer?

Abraços

Dr. XXXX”

Conforme já colocado nesse blog, o ASO (Atestado de Saúde Ocupacional) não tem razão de existência se não estiver dentro de um programa maior chamado PCMSO – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (leia o citado texto na íntegra através do link: http://bit.ly/gjLqCo )

Dessa forma, o médico que oferta ao empregador um “ASO avulso”, na minha modesta opinião, é igualmente negligente, pois está vendendo “gato por lebre”.

Fiscalizar as empresas no que tange ao cumprimento efetivo das normas de segurança e medicina do trabalho é atribuição dos auditores fiscais do trabalho, conforme nos ensina o Art. 156 da CLT. No entanto, os médicos que atuam junto às empresas devem também orientar às empresas quanto às referidas normas. Repouso meu entendimento no sentido de que o empregador que solicita um “ASO avulso” deve tomar ciência através do médico responsável pela emissão do ASO quanto à necessidade de se implantar na empresa o PCMSO, além de outros programas que se fizerem necessários. Por que? Pois o médico detém um conhecimento que o empregador, apesar de ser o grande responsável pela implantação do PCMSO, muitas vezes desconhece.

Ressalto aqui, que o ideal era que nenhum ASO fosse feito, em nenhum lugar desse país, se não estivesse dentro de um PCMSO. Mas irei adiante, e continuarei esse texto também com base na farta prática vista todos os dias, em todos os lugares do Brasil, onde se evidencia uma enormidade de “ASOs avulsos” sendo ofertados às empresas pelas clínicas de Medicina do Trabalho.

Retomando a pergunta que origina esse texto: quais são as penalidades que o médico que emite “ASO” avulso pode sofrer?

Respostas:

a) Apesar de ainda não ser uma prática freqüente, o auditor fiscal do Ministério do Trabalho poderá embargar e interditar à clínica de Medicina do Trabalho que emite o “ASO avulso” conforme item 3.3.1 da NR-3, além de também multá-la, conforme Anexo II da NR-28. Há relatos de que essa prática já é aplicada em algumas poucas cidades do Brasil (vide em: http://bit.ly/gjLqCo )

b) Vamos falar de processos judiciais agora. Imaginemos que, no futuro, um dos empregados que detinha um “ASO avulso” acione juridicamente uma empresa (responsável pelo cumprimento das normas de medicina do trabalho, conforme Art. 157 da CLT) em virtude de uma hipotética doença ocupacional. Provavelmente será questionado se a empresa tinha (ou não) o PCMSO, ou se só emitia o “ASO avulso”. É fato que ninguém pode deixar de cumprir uma norma sob o argumento de não conhecê-la, mas, e se o empregador alegar nesse processo que o responsável pela não implantação do PCMSO foi o “negligente médico”, que apenas lhe fornecia os ASOs, e nunca o avisou quanto à necessidade de implantação do PCMSO? Como o empregador é o responsável maior pela implantação do PCMSO (ainda que desconheça sua atribuição), provavelmente terá que custear sozinho uma hipotética indenização ao empregado (devido a chamada “culpa in eligendo”, ou seja, a empresa arca com a responsabilidade de ter “escolhido mau” o médico que lhe prestou assessoria). No entanto, a empresa poderá também chamar o médico ao processo no sentido de dividir com ele a indenização (o que no Direito se chama de “denunciação da lide”), ou mesmo entrar com um processo futuro contra esse médico no sentido de reaver alguma indenização paga ao empregado (o que no Direito se chama de “ação regressiva”).

c) Levando em conta as possibilidades processuais, até mesmo penalmente esse empregador/médico/clínica poderá ser penalizado, pelos fundamentos que se seguem:

>> Art. 19, parágrafo 2, da Lei 8.213 / 91: “Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.” Obs.: como o médico atua conjuntamente com a empresa no cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, ele também poderá ser acionado;

>> Art. 129 do Código Penal: “Ofender a integralidade corporal ou a saúde de outrem tem pena de detenção de 3 meses a 1 ano; se resultar em lesão corporal de natureza grave, a pena estende-se para 5 anos e, nos casos de incapacidade permanente para o trabalho, a pena será de 2 a 8 anos.” Obs.: se entendermos que um “ASO avulso” muitas vezes não contempla os exames complementares necessários e obrigatórios à algumas práticas laborais, entendemos também que haverá, por parte do médico que o emitiu, ofensa clara à integralidade corporal ou à saúde de algum empregado, o que, de acordo com o Código Penal, se qualifica como crime.

>> Art. 132 do Código Penal: “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente pode acarretar pena de detenção de 3 meses a 1 ano, se o fato não constituir crime mais grave.”Obs.: se entendermos que um “ASO avulso” muitas vezes não contempla os exames complementares necessários e obrigatórios à algumas práticas laborais, entendemos também que, nessas circunstâncias, poderá ser configurada à exposição da vida ou saúde de um empregado a perigo direto ou iminente, por parte do médico que emitiu o “ASO avulso”.

Por todas as possibilidades de pena descritas (mesmo que algumas sejam bem remotas em nossa prática), ressalto mais uma vez, que o ideal era que nenhum ASO fosse feito, em nenhum lugar desse país, se não estivesse dentro de um PCMSO. Mas caso o “ASO avulso” seja ofertado a uma empresa, o mínimo que se exige do médico – que já está atuando de forma negligente – é de que ele documente que notificou à empresa quanto à necessidade do PCMSO. Esse documento poderá ser usado como parte da defesa do médico num processo futuro, embora não dê nenhuma garantia de que o magistrado não lhe imputará culpa, e conseqüente alguma indenização/pena pela oferta do “ASO avulso”. Esse documento também não isenta a clínica de Medicina do Trabalho que oferta o “ASO avulso” das penalidades possíveis advindas do Ministério do Trabalho. Ou seja, apenas ter esse documento está longe de ser ideal, mas alguém já disse: “entre o ruim e o péssimo, ainda é melhor o ruim.”

O tema é polêmico, eu bem sei. Sei também que falei de coisas que normalmente não se fala, mas que a prática está farta.

Fiquem à vontade para emissão de seus comentários. Eles certamente enriquecerão um bom debate sobre o assunto.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos H. Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
Twitter: @marcoshmendanha

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