09 abr 2011

EMPRESA PODE EXIGIR “CID” NO ATESTADO?

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Vídeo-aula sobre esse texto: 

Eis a pergunta que veio através do meu e-mail:

“Marcos.

(…)

Tenho uma clínica de Medicina do Trabalho em XXXX. Uma empresa local não aceita atestados médicos que eu emito, a não ser que tenha CID. Sei que não sou obrigado a colocar CID, conforme regras do CRM, mas acabo colocando assim mesmo. Há alguma sugestão nesse caso?

(…)

Dr. XXXX”

Primeiramente, cabe uma outra pergunta: por quê uma empresa recusaria um atestado médico emitido pelo ortopedista de um de seus empregados? Só conseguimos ver uma resposta que seja eticamente e moralmente aceitável: por desconfiança quanto à verdadeira necessidade dos dias propostos para afastamento nesse atestado. Considerando que os chamados “atestados graciosos” (atestados que sugerem um número de dias de afastamento maior do que o necessário) existem em abundância, torna-se compreensível a contínua desconfiança das empresas quanto aos atestados trazidos por seus empregados.

Por uma questão lógica, podemos afirmar que somente os profissionais do serviço médico da empresa possuem o gabarito técnico e científico de, eventualmente, confrontar os atestados emitidos por outros médicos que assistam os empregados. O chefe do departamento de recursos humanos (RH), por exemplo, normalmente não possui conhecimento técnico para avaliar os atestados trazidos pelos trabalhadores. Assim, como regra, concluímos que a empresa, sem o seu serviço médico, não deveria negar a eficácia de nenhum atestado trazido por seus empregados. Não deveria, mas existem várias empresas que compartilham dessa prática.

Ratificando, somente as empresas que dispuserem de serviço médico, possuem a condição técnica de avaliar um trabalhador (através de um novo exame clínico), no sentido de certificar a veracidade e coerência do atestado trazido. Corrobora com esse raciocínio a Lei n. 8.213 / 91, em seu art. 60, § 4º:

“A empresa que dispuser de serviço médico, próprio ou em convênio, terá a seu cargo o exame médico e o abono das faltas correspondentes ao período referido no § 3º (aos 15 primeiros dias de afastamento — grifo nosso) somente devendo encaminhar o segurado à perícia médica da Previdência Social quando a incapacidade ultrapassar 15 dias.”

Sobre a postura do serviço médico da empresa frente aos atestados trazidos por seus funcionários, advogamos com veemência a tese de que não basta que esse serviço “homologue” (ou não) os atestados trazidos, simplesmente aceitando-os ou negando-os. A avaliação documental do atestado trazido pelo empregado é importante. No entanto, muito (mas muito) mais importante é a realização de um novo exame clínico nesse trabalhador, feito pelo próprio serviço médico da empresa. É esse novo exame clínico que mostrará a coerência (ou não) do atestado trazido pelo empregado, tornando mais justa (e segura) sua avaliação. Assim, sugerimos sempre que o serviço médico da empresa só recuse (ou não) algum atestado trazido pelo trabalhador após um novo e detalhado exame clínico. Exploramos fartamente esse tema em outro texto desse blog, leia AQUI.

Qual a justificativa legal para o médico da empresa poder recusar um atestado emitido por um outro médico?  Antes de respondermos a essa pergunta, faz-se necessário algumas considerações sobre a legalidade dos atestados para fins de abonos de faltas ao trabalho.

O enunciado da Lei 605 / 49, art. 6, parágrafo 2, assim coloca:

“A doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha.”

Na mesma linha, vem a Súmula n. 15 do Tribunal Superior do Trabalho:

“A justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos, estabelecida em lei.”

Complementando, vejamos o que diz a Lei 5.081 / 66, em seu art. 6, inciso III:

“Compete ao cirurgião dentista: atestar, no setor de sua atividade profissional, estados mórbidos e outros, inclusive para justificação de faltas ao emprego.”

Pelo exposto, observamos que, pela Lei 605 / 49, combinada com a Lei 5.081 / 66, somente médicos e odontólogos podem emitir atestados para fins de abonos de faltas ao trabalho. Percebemos também que essas leis não citaram nenhuma outra profissão. Nenhuma.

Importante salientar que essas leis são válidas apenas para trabalhadores vinculados a empresas privadas, ou para servidores públicos regidos pela CLT, conforme estabelece o art. 1 da Lei 605 / 49; e o já citado artigo 6, inciso III, da Lei 5.081 / 66, ao usar o termo “emprego” – palavra atribuída a uma relação trabalho balizada pela CLT. O Direito Público, em regra, tem suas próprias regras (estatutos).

Pela a análise do art. 6, parágrafo 2, da Lei 605 / 49, percebemos também uma clara hierarquia entre os atestados médicos para fins de abonos de faltas ao trabalho. A palavra “sucessivamente” não deixa nenhuma margem de dúvida quanto a isso. Conforme essa hierarquia, assim são valorados os atestados médicos:

>> Primeiro lugar: atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado;

>> Segundo lugar: atestado de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria;

>> Terceiro lugar: atestado de médico da empresa ou por ela designado (incluindo aqui a figura do “Médico Examinador”, nos termos do item 7.3.2 da Norma Regulamentadora n. 7 do Ministério do Trabalho e Emprego);

>> Quarto lugar: atestado de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública;

>> Quinto lugar (e último): qualquer outro médico que o trabalhador escolher.

Na mesma esteira, assim julgou o Tribunal Superior do Trabalho (RR- 18-84.2010.5.12.0010):

EMENTA: “RECURSO DE REVISTA. SUMARÍSSIMO. ABONO DE FALTAS – ATESTADO FORNECIDO POR MÉDICO SEM VINCULAÇÃO COM A EMPRESA. A justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos estabelecida em lei (Súmula/TST nº 15). Ao serviço médico da empresa ou ao mantido por esta última mediante convênio compete abonar os primeiros 15 (quinze) dias de ausência ao trabalho (Súmula/TST nº 282). Recurso de revista conhecido e provido.”

No entanto, pelo ensinamento trazido pela Lei 5.081 / 66, em seu art. 6, inciso III, entendemos que o art. 6o, parágrafo 2o, da Lei 605 / 49 pode ser também interpretado usando como equivalentes as palavras “médico” e “odontólogo”, únicos profissionais outorgados, mediante leis ordinárias, para emissão de atestados para fins de abonos de faltas ao trabalho. Assim, legalmente, consideramos correta (e completa) a seguinte hierarquia de atestados:

>> Primeiro lugar: atestado de médico / odontólogo da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado;

>> Segundo lugar: atestado de médico / odontólogo do Serviço Social do Comércio ou da Indústria;

>> Terceiro lugar: atestado de médico / odontólogo da empresa ou por ela designado (incluindo aqui a figura do “Médico Examinador”, nos termos do item 7.3.2 da Norma Regulamentadora n. 7 do Ministério do Trabalho e Emprego);

>> Quarto lugar: atestado de médico / odontólogo a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública;

>> Quinto lugar (e último): qualquer outro médico / odontólogo que o trabalhador escolher.

Dessa forma, concluímos, por exemplo, que a decisão do Médico Perito do INSS (primeiro lugar na hierarquia) prevalece sobre a decisão do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” (terceiro lugar na hierarquia). Abordamos com mais profundidade em outro texto desse blog, leia AQUI.

De maneira análoga, observamos que a decisão do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” (terceiro lugar na hierarquia), prevalece sobre a decisão do Médico Assistente, escolhido livremente pelo paciente (quinto lugar – e último – na hierarquia). Essa é a justificativa legal para o médico da empresa poder recusar um atestado emitido por um outro médico.

Exemplificando: caso o empregado leve algum atestado ao serviço médico da empresa, após a realização do exame clínico, o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” (ou odontólogo da empresa, caso haja, para avaliação de assuntos relacionados à odontologia) poderá discordar daquele tempo proposto no atestado inicial, só devendo encaminhar o segurado à perícia médica da Previdência Social quando a incapacidade ultrapassar 15 dias contínuos (conforme art. 274 da Instrução Normativa INSS n. 45 / 10), ou intercalados (nos moldes estabelecidos pelo art. 276, incisos III e IV, da Instrução Normativa INSS n. 45 / 10). O parecer advindo desse novo exame clínico feito pelo serviço médico da empresa terá força legal de um novo atestado, dessa vez emitido pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador” (terceiro lugar na hierarquia). Assim, o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” poderá concordar (ou não) com o atestado trazido pelo empregado (independente da presença do CID), pois sua convicção se sustentará no exame clínico realizado por ele próprio, e não apenas no atestado em posse do trabalhador.

Na mesma esteira, vem o Parecer 3.657 / 2009 do Conselho Regional de Medicina do Minas Gerais, que assim coloca:

“Ao médico do trabalho, no exercício de suas atividades dentro do âmbito da empresa, é facultada a possibilidade de discordar de atestado médico apresentado pelo trabalhador, assim como estabelecer novo período de afastamento decorrente de sua avaliação médica, sempre assumindo a responsabilidade pelos seus atos.”

O serviço médico da empresa deve aceitar um atestado emitido por um profissional que não seja, nem médico, nem odontólogo? Fornecemos a resposta dessa pergunta num outro texto desse blog, leia AQUI.

Uma empresa pode exigir que os atestados trazidos por seus empregados venham com a descrição do CID (Classificação Internacional de Doenças)? Não há previsão legal para essa solicitação. Ainda assim, muitas empresas condicionam a aceitabilidade dos atestados entregues por seus funcionários, com a necessária descrição do CID nesses documentos. Essa prática – que qualificamos como ilegal, por ferir a intimidade dos trabalhadores – repercute na mesa de muitos consultórios médicos. Nesse contexto, qual deve ser a conduta do médico assistente quando souber que a empresa, onde trabalha o seu paciente, exige a colocação do CID no atestado?

Assim coloca a Resolução n. 1.658/2002 do Conselho Federal de Medicina:

“Art. 3º Na elaboração do atestado médico, o médico assistente observará os seguintes procedimentos:

II — estabelecer o diagnóstico, quando expressamente autorizado pelo paciente.

Art. 5º Os médicos somente podem fornecer atestados com o diagnóstico codificado ou não quando por justa causa, exercício de dever legal, solicitação do próprio paciente ou de seu representante legal.

Parágrafo único. No caso da solicitação de colocação de diagnóstico, codificado ou não, ser feita pelo próprio paciente ou seu representante legal, esta concordância deverá estar expressa no atestado.”

Pelo que se extrai da normativa acima, a questão a ser resolvida pelo médico assistente que fornecerá o atestado é, sobretudo, com o paciente, e não com a empresa. Sabedor de que a ausência do CID no atestado poderá gerar desconto em seu salário, o próprio empregado, em regra, concorda com a colocação do CID nesse documento. Assim, cabe ao médico assistente lembrá-lo de que essa concordância deverá estar expressa (escrita) no próprio atestado, conforme se aduz da própria Resolução do CFM supracitada.

Alguns dirão: “essa empresa deveria ser denunciada por exigir que os empregados abram sua intimidade dessa forma”. Concordamos. No entanto, repousamos nosso entendimento no sentido de que o cuidado do médico assistente deva ser, sobretudo, com o paciente. Se o paciente autorizar expressamente, o CID será colocado. Caso não autorize, o CID não será colocado. Pronto. O que passar disso, na nossa opinião, deve ser resolvido entre os empregados (ou seus sindicatos), a empresa, o Ministério do Trabalho, etc.

Alguns também dirão: “dessa forma o médico estará coagindo o paciente a colocar o CID no atestado”. Respeitosamente, ousamos discordar dos que assim pensam. A pergunta ao paciente é clara e única: “você autoriza colocar o CID — o código de sua doença — no atestado que lhe será fornecido?” Caso ele negue, o assunto se encerra, e o CID não será colocado. Não há coação nenhuma da parte do médico.

Alguns ainda sustentarão: “é lógico que o paciente vai querer colocar o CID, até porque, caso não o faça, terá o salário descontado”. Concordamos (pela prática) que a maioria opta pela colocação do CID no atestado, quando se depara com tal circunstância. Mas ratificamos: os motivos que levaram o paciente a concordar com a colocação expressa do CID no atestado não dizem respeito ao médico. Se houve algum tipo de coação, esta foi feita pela empresa, instituição pela qual o médico não pode (e nem conseguiria) se responsabilizar.

Com todo respeito às opiniões divergentes, esse é o meu raciocínio.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha

 

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