22 abr 2011

EMPRESA NÃO PAGA EXAMES COMPLEMENTARES: E AGORA?

3 comentários.
Prezados leitores, que estejam bem!
Segue abaixo uma pergunta que veio através de e-mail.
“Olá MarcosTudo bem? Quanto tempo, né? Parabéns pelo blog, está ótimo…
Estou com uma dúvida: se uma empresa se recusa a fazer os exames complementares (de acordo com os riscos levantados pelo PPRA), pode ou não emitir o ASO ?
Obrigada.

Abraços.

XXXX”

Primeiramente, vale lembrar que em nossa prática laboral temos visto uma enormidade de exames solicitados no PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) que não guardam absolutamente nenhuma relação com a função em análise. Quanto a essa prática tenho inegociáveis reservas, especialmente pelo caráter de exclusão social que ela representa.

Não considero razoável, por exemplo, solicitar VDRL (exame para rastreamento de sífilis) para um “auxiliar administrativo”, empregado em um escritório de contabilidade. Por que? Pois entendo que se o exame clínico for satisfatório, não será o resultado do VDRL que o qualificará como “inapto”, ou seja, nesse caso o VDRL não é decisivo para fins de aptidão laboral. Alguns dirão: “mas pelo menos assim o médico poderá incentivar esse trabalhador a cuidar de sua saúde.” Ora, se o médico for partir dessa premissa, terá que pedir também, além do VDRL, sorologias para hepatites, HIV, provas de atividades inflamatórias, fazer rastreamento de Doença de Chagas, Tomografia e Ressonância Magnética de corpo inteiro para detecção de tumores em estágios iniciais, etc., etc., etc., para todos os trabalhadores do Brasil. Isso também os incentivaria a cuidar de suas vidas… mas é dispendioso, discriminatório, e exageradamente inaplicável.

Mesmo respeitando embora não concordando com outras condutas, em nossa prática laboral adotamos o seguinte protocolo: além dos exames compulsórios legalmente previstos, em geral, só prescrevemos exames que, mesmo que o paciente estivesse “apto” clinicamente, o resultado do exame complementar poderia comprometer sua aptidão. Apenas isso, nada mais.

Agora, partindo do princípio de que os exames solicitados são pertinentes à função em análise, e que o resultado desses exames é um fator essencial na decisão de conferir “apto” ou “inapto” a esse trabalhador, repouso meu entendimento no sentido de que: se uma empresa nega a autorização para fazer os exames complementares (de acordo com os riscos levantados pelo PPRA – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) o ASO (Atestado de Saúde Ocupacional) não deve ser liberado pelo Médico do Trabalho / Médico Examinador.

Fundamentos:

Princípio Fundamental no II do atual Código de Ética Médica: “O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.”

Princípio Fundamental no VI do atual Código de Ética Médica: “O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.”

Princípio Fundamental no VII do atual Código de Ética Médica: “O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.”

Exemplificando: vejo como negligente a atitude de um Médico do Trabalho / Médico Examinador que, após a realização do exame clínico, emite o ASO, por exemplo, de um “auxiliar de produção” de uma mineradora que se expõe vigorosamente à poeiras contendo sílica, sem a devida realização dos exames complementares pertinentes à essa função (alguns, já preconizados no Quadro II da Norma Regulamentadora no 7). Com fulcro no Princípio Fundamental no VII do atual Código de Ética Médica (citado acima), usando de sua (muitas vezes só teórica) autonomia, e considerando que a situação exemplificada não é de urgência ou emergência, na situação exemplificada, o Médico do Trabalho / Médico Examinador só deverá liberar o ASO após a realização do exame clínico e de todos os exames complementares prescritos no PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional).

Daí vem a pergunta que originou esse texto: e como proceder com o empregador que, mesmo diante da necessidade de realização dos exames complementares, se recusa a custeá-los / realizá-los? Resposta: não há receita para isso. Os livros técnicos passam muito longe de estabelecer uma saída harmoniosa e definitiva para essa situação. O que escrevi acima (sobre a não liberação do ASO na ausência de exames complementares essenciais à função) certamente que há muito tempo não é novidade pra nenhum dos leitores desse texto. Mas simplesmente dizer ao empregador “o ASO não será liberado com base no Código de Ética Médica enquanto o Senhor não autorizar a realização dos exames complementares prescritos” pode, infelizmente, gerar um mal estar incrível, e pior, custar o emprego do Médico do Trabalho / Médico Examinador. E agora?! Cabe-nos perguntar também: de que vale um médico ético e cuidadoso sem ter de quem cuidar (por estar sem emprego)*? (Sobre essa pergunta e outras reflexões pertinentes ao tema, recomendo também a leitura do instigante texto “Medicina do Trabalho: subsciência ou subserviência?” através do link: http://bit.ly/hNHUie )

E então: como proceder com o empregador que, mesmo diante da necessidade de realização dos exames complementares, se recusa a custeá-los / realizá-los? Resposta: na minha opinião o médico deve se investir de uma postura política conciliatória, sair de seu consultório e atuar como um transmissor de informações valiosas ao empregador, explicando-lhe todos os riscos aos empregados, à empresa e ao próprio médico, diante da ausência dos referidos exames. Sem afrontas ou ameaças, apenas fomentando o bom, embasado e respeitoso diálogo com o empregador, no sentido de convencê-lo à efetivação dos exames complementares prescritos. Bem sei que as escolas médicas não se preocuparam com o ensino desse tipo de diálogo, mas até no aspecto do “marketing” do médico que consegue fazê-lo, essa postura poderá trazer ótimas e palpáveis repercussões.

Mas, se diante de todas as possíveis tentativas pacíficas de convencimento e conciliação para com o empregador, este ainda se recusar em cumprir e fazer cumprir a totalidade do PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), como nos ensina o Art. 157, inciso I da CLT, aí sim eu sugiro que o médico se preocupe com a ausência daquela empresa dentro de sua carteira de clientes… e rápido! E mais: ratifico a já consagrada sugestão anterior de não liberar o ASO sem os devidos exames complementares. Bem sei que a sugestão de “abandonar essa empresa” nessas circunstâncias é lógica e embasada, mas reconheço que a prática desse abandono de prestação de serviços pode ser extremamente difícil e dolorosa para o médico, daí não partir de mim qualquer julgamento aos médicos que acabam sendo coniventes forçadamente com algumas práticas ilícitas dos empregadores visando a manutenção de seus postos de trabalho, mesmo sabendo dos riscos* aos quais se submetem em conjunto com estes empregadores (além de também colocar em risco a saúde dos trabalhadores). Faço das palavras do Pai as minhas: “que atire a pedra quem nunca cometeu nenhum pecado.” Eu não atiro, mas sei que vários leitores já estão com “seus revólveres empunhados”.

*Leia sobre alguns desses riscos através do link: http://bit.ly/fO7ihL

É o que tenho de mais sincero sobre o tema. Fiquem à vontade para emissão de suas opiniões.

Uma excelente Páscoa para todos, que Deus nos abençoe.

Um forte abraço a todos!

Marcos H. Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
Twitter: @marcoshmendanha

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